Capítulo 4
JOHN
Eu sabia que Carla ter me mandado para o seu quarto era uma tentativa de não me deixar vê-la sofrer no meio de toda a bagunça que ficou de sua agressão. E eu respeitei isso, mas quando voltei e a vi tão concentrada olhando seus desenhos, a necessidade de fazê-la parar de pensar no terror daquela manhã brotou em mim.
— Já terminei, suas malas estão prontas — me aproximei, apontando para as bagagens e finalmente atraindo sua atenção. — Não sabia se levaria todas as suas calcinhas e… brinquedinhos, mas coloquei todos na bolsa.
Carla pareceu atordoada, movendo os lábios sem conseguir formar uma palavra, provavelmente descrente demais para raciocinar.
— Você fez o quê?
— Separei tudo para você como pediu — me aproximei, vendo as sobrancelhas perfeitamente delineadas se arqueando. — Embora não imaginasse que você tivesse tantos brinquedinhos adultos.
Ela se adiantou, passando por mim apressada e indo direto para a bolsa de viagem, olhando dentro como se quisesse conferir se eu estava dizendo a verdade. Mas não era mentira, eu realmente tinha pegado a grande coleção de calcinhas dela, além de vibradores e outros brinquedos estranhos.
— Eu não… não acredito que você… — ela gaguejou, com as bochechas vermelhas. — Argh, você tem que sumir da minha vida o mais rápido possível.
— Por quê? Porque fiz exatamente o que me mandou fazer? Ou preferia viver sem calcinha?
— Vou matar você! — ela gritou, vindo em minha direção com fúria nos olhos. Mas, em seu desespero, Carla chutou a mala, deixando a bolsa acima cair e vários dos seus brinquedinhos rolarem pelo chão. — Eu não acredito! Era só o que me faltava.
Precisei segurar a gargalhada, tentando não demonstrar que estava adorando ver o rosto dela completamente vermelho como um pimentão, enquanto corria atrás de cada um deles.
— Em minha defesa, você me pediu para pegar suas roupas justamente porque eu já sabia muito sobre sua vida. Foram essas as palavras que usou — me expliquei, curvando o tronco e apanhando um deles, em formato de flor com uma extensão vibratória na outra ponta, parecendo um cilindro. Começou a vibrar na minha mão, atraindo o olhar dela no mesmo segundo. — O que diabos seria isso?
Carla avançou contra mim, arrancando o vibrador da minha mão antes de jogá-lo junto com os outros e fechar a bolsa.
— Leve minhas malas para o carro. Eu já estou saindo! — ela ordenou, parecendo prestes a explodir. — E, por favor, não mexa mais em nada.
— Sim, senhorita — saí arrastando as malas e sorrindo por ter conseguido o que queria: distraí-la no meio de toda aquela situação. Envergonhá-la foi apenas um bônus.
Mas assim que coloquei tudo no porta-malas, a curiosidade falou mais alto e peguei meu celular, colocando para pesquisar "vibradores em formato de flor". Porque eu não conseguiria me conter sem saber para que servia aquela coisinha potente — e por que Carla ficou sem palavras para explicar.
"Sugadores de clitóris." Era para isso que servia, então — a parte com o pequeno buraquinho no meio das pétalas falsas. Eu jamais imaginaria algo assim e, agora, não conseguiria esquecer disso.
Os passos de Carla se aproximando me fizeram sair da página onde havia uma imensidão de modelos diferentes de sugadores e vibradores.
— Pronta para ir? — perguntei, abrindo a porta de trás, querendo manter sua privacidade. Mas, ao invés disso, Carla abriu a porta da frente e entrou no carro, me deixando ali parado.
— Nós vamos para a casa da minha irmã mais velha. Minha mãe está lá cuidando do bebê e me chamou para fazer companhia — ela confidenciou quando liguei o carro. — Acredito que sabe onde ela mora, não é?
Me virei para dar uma resposta afiada, mas o movimento do carro sacudiu a bolsa em seu colo, fazendo o vestido subir. A coxa dela ficou à mostra e eu rapidamente desviei o olhar de volta para a rua.
Eu não deveria ter mexido na sua gaveta íntima. O certo seria ter fechado assim que percebi o que era, mas, ao invés disso, peguei suas calcinhas e brinquedos. Agora seria difícil não pensar nela usando aquilo.
— Chegamos — falei assim que parei o carro em frente à casa da irmã dela. Não havíamos trocado sequer uma palavra no caminho, e eu fiquei feliz ao ver que Carla tinha adormecido. — Carla? Já chegamos.
Me curvei sobre ela para acordá-la, mas tomei um minuto para encará-la. Carla dormia profundamente, o rosto relaxado, os lábios levemente entreabertos, como se sonhasse com algo bom.
A pele delicada de seu rosto estava começando a ficar ainda mais escura pelos golpes, mas isso não a deixava menos linda. E ali, tranquila, dormindo calmamente, ela parecia ainda mais indefesa.
Algumas mechas de cabelo haviam caído sobre sua bochecha, e a vontade de afastá-las com os dedos foi quase irresistível.
Mas, ao invés disso, respirei fundo, estiquei os dedos e toquei levemente seu ombro, sacudindo-a.
Eu estava ali para protegê-la, não para ficar criando ideias ou perdendo tempo a observando. Mas havia algo nela diferente de todas as mulheres que haviam se aproximado de mim nessa vida — diferente de todas as que protegi até então.
Inclinei-me um pouco, trazendo meu nariz para perto de seus cabelos, sentindo o perfume delicioso que emanava deles, bem mais intenso agora de perto e não apenas com o vento os sacudindo.
— Carla… — murmurei, minha voz rouca e baixa demais, como se meu próprio corpo resistisse a tirá-la daquele sono tranquilo. — Acorda. Já chegamos.
Dessa vez, ela gemeu baixinho, os olhos piscando algumas vezes antes de finalmente se abrirem. Por um segundo, tudo o que fiz foi segurar o olhar dela, preso na profundidade castanha que me hipnotizou.
Mas então a realidade pareceu se abater sobre ela e seus olhos se arregalaram, antes que ela me empurrasse para longe.
— O que você estava fazendo?
— Acordando você, já que não parava de roncar e não me escutava — menti, já abrindo a porta do carro. — Já chegamos.
Soltei o ar quando me vi do lado de fora e esperei um segundo, olhando em volta e analisando tudo antes de virar para abrir a porta para ela.
— Eu não ronco, seu idiota! — ela afirmou ao passar por mim, e um sorriso involuntário se formou em meus lábios.
Não entendia o porquê, mas estava começando a gostar de provocá-la apenas para ver aquele olhar raivoso sobre mim.
— Que bom que vocês chegaram, filhos — Dona Rosa foi logo nos cumprimentando com sua alegria contagiante. — Venham, o almoço está pronto, e vocês vão me ajudar a tomar conta dessa linda menininha, não é, Dana?
A pequena princesinha de cabelos e olhos castanhos brilhantes — que parecia ser uma marca registrada da família — pulou no colo da avó, parecendo empolgada.
— Oi, princesa. Eu sou John. Pode falar John?
— Tio Don — foi o que ela respondeu, já batendo palminhas.
— Não sorria para ele, Dana. Ele é um grande chato.
— Titia Ca tá dodói — a pequena garotinha fez um biquinho, olhando o rosto da tia. Carla se encolheu no mesmo instante, parecendo desconfortável ao ver a tristeza no olhar da sobrinha.
— A sua tia Ca vai ficar bem. Ela só precisa comer e dormir um pouco. Vamos ajudá-la com isso? — tomei a frente, fazendo a menina voltar a sorrir e esticar os braços em minha direção, me surpreendendo.
Enquanto almoçávamos, podia sentir o olhar de Carla e Rosa queimarem sobre mim enquanto eu brincava com Dana. A menininha era bem mais agitada do que os gêmeos de Patrick, que só tinham meses, mas não era a primeira criança que eu precisava entreter enquanto trabalhava.
— Leva jeito com crianças — Carla murmurou atrás de mim, me fazendo tirar os olhos da pequena, que começava a adormecer em meus braços.
— Ficaria surpresa com a frequência com que os pais deixam os filhos com babás e seguranças.
— Vai se sair bem quando tiver os seus — ela se aproximou, dando a volta em mim, observando a sobrinha antes de deslizar os dedos sobre a bochecha rechonchuda.
Aquele era um assunto do qual não falava com ninguém, mesmo que todos insistissem que eu seria um bom pai. Mas meu irmão e eu jamais teríamos filhos. Foi um pacto que fizemos muitos anos atrás. A linhagem nojenta da qual saímos morreria conosco.
— Agora é a sua vez de dormir. Quer que eu te pegue no colo e te embale também? — provoquei, precisando urgentemente mudar de assunto.
— Não estou com sono, babaca.
A mentira dela foi o que atraiu meu olhar. Estava explícito em seu rosto o cansaço, e eu podia imaginar que os analgésicos que deram a ela no hospital estavam a deixando sonolenta.
— Por que está resistindo? Dormiu muito bem no carro. O que aconteceu agora?
— Não reparei quando peguei no sono no carro. Deitar em uma cama, no quarto escuro, é… diferente — ela deu de ombros, começando a acariciar as costas da bebê em meus braços, evitando meu olhar.
— Do que está com medo, Carla? — sussurrei, curvando o pescoço para observar melhor as mudanças em seu rosto.
Não havia mais resquício do sorriso, ou da irritação. As feições dela estavam duras, e o olhar parecia perdido, de uma forma que eu já tinha visto muitas vezes no meu próprio reflexo no espelho.
— Tenho medo de dormir e sonhar com ele… medo de sonhar com… — as palavras dela morreram com um sussurro.
Mas não precisava terminar. Entendi que ela tinha medo de sonhar com o que havia acontecido, medo de voltar ao momento da agressão.
Meu coração doía por vê-la daquele jeito, pois eu sabia exatamente como era se sentir assim: medo de tudo, até mesmo de dormir. Mas não ia deixar que ela fosse aterrorizada pelas lembranças daquela forma, roubando sua liberdade de viver.
— Eu estou aqui. Vou ficar do lado de fora da porta do seu quarto e, se ouvir um único barulho, eu te acordo. Mesmo que isso vá te fazer me odiar — ela ergueu o olhar, forçando um pequeno sorriso nos lábios. — Ele não vai te alcançar nem mesmo em sonho. Eu prometo!
Carla soltou um suspiro, com os olhos presos aos meus, e então beijou a cabeça da sobrinha antes de sair em direção ao quarto de hóspedes.
Aquele sentimento de querer protegê-la de tudo e todos gritou mais forte dentro de mim, ganhando proporções que eu nunca havia sentido antes. Era como se meu coração desse a ordem e cada fibra em meu corpo concordasse com ele, dizendo: Vamos protegê-la!
Quando a noite caiu, eu ainda estava lá, do lado de fora do quarto, observando as câmeras da casa e atento a cada som que viesse do quarto onde Carla estava dormindo.
— Você precisa dormir também.
— Estou bem, senhora…
— Não está. Se não dormir, não vai poder cuidar dela direito amanhã. Vou pegar um colchonete e alguns cobertores. Você pode dormir no chão do quarto de hóspedes com a Carla — Dona Rosa falou como se o problema estivesse resolvido e nem ao menos me deu tempo de retrucar.
Dormir no mesmo quarto que Carla? Isso era mais do que inapropriado. Ia contra todas as regras. Mas por que eu me peguei ansioso por isso?
