Capítulo 4
Portugal – Porto Dias atuais.
Sam
As gotas de um vazamento qualquer ecoavam pelo corredor. Aquilo me incomodava bastante, estava deitado, esperando ser solto. Respirei fundo, observando o teto de concreto mofado. A luz mal conseguia entrar na cela quase do tamanho de uma lata de sardinha. Era quente e úmida. De longe, pude escutar o guarda, com passos longos e firmes, balançando as chaves em sua mão. Mês passado, meu colega de cela havia sido morto com uma facada bem no meio da caixa torácica com a ponta acertando coração, e outra facada abaixo dos pulmões e deixado às moscas, mas eu nunca me envolvi com o pessoal, por isso, muitas vezes me livrei da morte. Um cara legal, mas sempre estava metido em rolos estranhos. Pobre John. Ele queria sair da cadeia para ficar junto à sua família, mas o destino não quis assim, e ele escolheu o caminho errado. Não queria terminar como ele, sendo morto de maneira brutal e completamente desumana. John era um cara do bem. Sempre ajudando os outros, mas pecava por se misturar com membros de gangues rivais dentro da cadeia. E, como sempre ficava em cima do muro, acabou tendo a vida ceifada por um membro de alguma gangue.
Minha carta de liberdade já estava pronta e eu, louco para sair daquele inferno.
— Samuel Otto — chamou o guarda, fedorento, alto e gordo demais, que sorriu mostrando os dentes tortos e amarelados, mas suas bochechas eram as piores partes, ainda tinham rastros do café da manhã em sua barba, migalhas espalhadas pela barba malfeita e de pelos grossos. — Levante
— ordenou, com sua cara de buldogue. — Passe suas mãos entre as grades — levantei e obedientemente coloquei minhas mãos juntas entre o espaço das barras de ferro da grade para poder me algemar. Eu era o único a passar por isso... mesmo sabendo que não era de briga.
O balofo nunca foi com a minha cara, para ser mais exato. Porém, isso não importava mais. Eu estava a poucos segundos de sair e sentir o cheiro do ar puro, se era assim que eu poderia dizer. Eu mal lembrava de como era a cidade, como era sentir um ar puro de verdade, sem sentir o mau cheiro que vinha daquele lugar.
Caminhei em direção à saída, parei apenas para olhar pela janela gradeada vendo o mundo lá fora, respirando fundo por finalmente sair dali, e continuei andando. O corredor frio e com cheiro esquisito me fez querer sair o mais rápido dali, entretanto, eu teria que esperar até que pegassem as poucas coisas que eu tinha.
Levantei meu pulso para as algemas serem retiradas quando cheguei à sala, senti um alívio por não precisar mais usá-las. Agora eu era um homem livre, pensei. Finalmente livre. Recebi do guarda mal-humorado com cara de buldogue os poucos pertences que eu tinha em uma mochila pequena. Carteira, documentos, dinheiro... merda! Roubaram meu dinheiro! Suspirei resignado com o que fizeram, mas não reclamei do ocorrido, afinal, eu também roubei de alguém e me arrependi profundamente dos meus erros, apenas peguei minhas roupas – uma calça jeans velha azul quase desbotada e uma camiseta sem mangas que minha mãe havia feito sob medida para mim, assim como um par de sapatos surrados marrom – e em um local reservado, me vesti e entreguei a roupa laranja, que por tanto tempo me cobriu.
Ao sair, pude sentir o olhar do guarda pairar sobre mim,– aquele era o guarda que me acompanhou com atenção, até mesmo na hora da minha liberdade. Bundão! – entretanto, não me importei em como ele olhava para mim, agora eu era, pleno e irrevogavelmente, um homem livre e com minhas contas pagas perante a sociedade.
Quando saí, não consegui conter um sorriso no rosto ao sentir o sol me aquecendo. Larguei tudo no chão e gritei de punhos cerrados, um grito de alegria, que saiu a plenos pulmões e me aliviou a alma. Não consegui conter minha alegria. O ar quente aquecia a alma e o vento estava muito forte, parecia que eu estava no meio do deserto.
Tudo que eu queria era dar um forte abraço no meu pai e lhe pedir desculpas por tudo que o fiz passar.
De longe, observei e reconheci o carro, – o Chevrolet Belair 56 azul-celeste, clássico e o meu favorito – e recolhi meus objetos do chão e corri em direção à mulher sentada dentro do carro, feliz por finalmente vê-la. Ela, a minha mãe, estava sentada com as mãos no volante, me olhando com lágrimas em seus lindos olhos castanhos com cílios longos e úmidos, o que me fez relembrar o porquê de querer fazer o que era certo e nunca mais magoar a mulher que me colocou no mundo. Que meu deu a vida.
Ela abriu seu sorriso encantador e desceu do carro para me abraçar forte, e logo depois, segurou meu rosto em suas mãos para avaliar meu estado físico – ela era verdadeiramente incrível – e na mesma hora, comecei a chorar. Um choro desesperado ao abraçá-la, enterrando minha cabeça em seu pescoço, sentido o seu cabelo cheiroso e sedoso. Ela apenas acariciava minhas costas, me acalmando e acalentando com as suas mãos pequenas e macias. Minha linda morena de corpo pequeno que tanto me fazia bem. Minha mãe.
— Calma — falou, afagando meu cabelo com as pontas dos dedos. — Já passou — me afastei, olhando para ela ainda chorando.
— Perdão — pedi, passando a mão em seu rosto e colocando uma mecha do seu cabelo atrás de sua orelha.
— Não é necessário pedir perdão — passou suas mãos em meus ombros. — Você é meu filho e haja o que houver, estarei ao seu lado. Sempre. Eu amo você, Sam, e não há nada nesse mundo que mude esse sentimento, nem mesmo seus erros — falou isso, me puxando para mais um longo abraço. — Agora, vamos — seu tom era mais alegre. — Seu pai já deve estar arrancando os poucos cabelos que lhe resta naquela careca — não pude deixar de rir ao lembrar que meu pai, o senhor Bernardo Joaquim Otto, reclamava sem parar do cabelo que já estava praticamente extinto do topo de sua cabeça.
