Biblioteca
Português
Capítulos
Configurações

Capítulo 3

Aquela noite fria, enquanto meus pais dormiam de maneira calma e confortável, o meu sono estava conturbado e tudo que eu queria era paz, ou ao menos, dormir sem ter pesadelos. A sensação de ter uma arma em minhas mãos não me deixava ficar bem. Havia passado na prova e agora só faltava mais um ano para terminar a universidade.

Os dias passaram muito rápido e com isso o peso da minha consciência ficava mais evidente. Faltavam apenas doze horas para que tudo em minha vida tomasse um rumo diferente. Um rumo do qual eu poderia gostar ou não.

Agora só me restava esperar.

***

Já era manhã. Uma manhã que mais parecia um pesadelo em plena luz do dia, e tudo estava pronto para seguir conforme o plano. Antônio já estava me esperando do lado de fora.

Meu pai estava no trabalho e minha mãe tinha saído para fazer compras. Não sabia o que fazer, então antes de sair para acabar com a minha vida, assisti todos os filmes relacionados ao meu futuro delito e treinei no espelho, várias e várias vezes, dias antes de ter Antônio parado em frente à minha casa.

— Parado! Isso é um assalto — berrei, sacando a arma na frente do espelho com a voz um pouco esganiçada. — Droga! Parado! Mãos ao alto! — balancei a cabeça, sabendo que eu era um fracasso como assaltante, como homem e como um filho.

Sabia que aquilo não daria certo. No meu íntimo, tinha algo alarmando. Como uma premonição sem visão. Uma coisa que estava tomando conta da minha alma, como um pedido de ajuda ou um modo de defesa.

— Vamos, Sam! — Antônio gritou impaciente, buzinando em seguida. — Tá na hora.

Ainda tremendo, guardei a arma na jaqueta de couro marrom, que a minha mãe havia me dado no natal do ano passado, e sai pegando meu boné, que tinha as iniciais do meu time favorito, e suspirei. Seria naquele dia e sabia que depois, eu não seria mais o mesmo.

— Pronto? — perguntou, quando entrei no carro de cabeça baixa.

— Nem um pouco — fui o mais sincero possível, mas ele não estava se importando de verdade. Antônio estava nessa vida a mais tempo do que eu. E eu sabia que aquilo era apenas para me incentivar a seguir com o planejado.

— Então, você está pronto — brincou, mas por dentro, meu estômago estava revirando de tensão.

— Não. Não estou pronto, mas agora é tarde para desistir

— falei, um pouco exasperado.

— Agora é realmente tarde. Agora é tudo ou nada — deu de ombros como se aquilo fosse a coisa mais natural do mundo.

— Agora é tudo ou nada — repeti aquela frase como um mantra para não desistir de tudo, abrir a porta daquele carro e fugir, me ferrando depois. Sabia que se desistisse ali, naquele momento, as consequências seriam drásticas e minha família pagaria por minha desistência. Martim tinha deixado isso bem claro com apenas um olhar. — Agora é tarde demais para voltar atrás — falei, chamando a atenção dele que logo deu partida no carro para seguirmos para o nosso destino.

— Isso mesmo — disse ele, dando partida no carro. — As verdinhas estão dançando hula hula bem ali, então vamos pegá-las.

***

Foi tudo muito rápido. Em um momento estávamos dentro do supermercado e em outro, em uma situação difícil. A arma, que aparentemente estava sem balas, disparou por acidente. Sirenes da polícia podiam ser ouvidas de longe. Meu sangue gelou, mas não foi por causa da minha arma que disparou. Antônio estava nervoso e uma mulher loira e alta reagiu. Por impulso, ele mirou na mulher achando que ela pararia quando o visse mirando em sua cabeça, mas não foi assim que aconteceu. E, em questão de segundos, a arma disparou e a mulher caiu no chão, os outros do grupo entraram em pânico. Sem pensar, larguei a arma e corri para ver a mulher caída, mas era tarde. O sangue estava espalhado pelo chão e ela não respirava mais.

Nesse momento, a minha vida desmoronou completamente. Reconheci de longe uma mulher no fundo do supermercado. Minha mãe. Meu coração ficou em pedaços. E lá estava eu, parado ao lado do corpo da mulher alta e loira, de traços finos, delicados e minha mãe com o pânico estampado no rosto. Alguns segundos depois, eu estava sendo puxado para fugir, mas meu corpo havia virado pedra. Todos se foram, menos eu, que quando tirei a máscara, vi o rosto da minha mãe se transformar e as lágrimas de desgosto de formarem em seus lindos olhos, banhando-o logo em seguida.

Tudo perdido.

***

A humilhação maior foi quando a polícia me algemou como um bicho, bem na frente dela, da mulher que me deu amor incondicional.

Minha mãe.

Quando eu já estava na cadeia, minha mãe me visitou algumas e raras vezes. As coisas tinham mudado. As coisas dentro da cadeia mudaram para mim também.

Antes da minha saída, meu parceiro de cela foi morto. Mas no fundo, sei que isso havia sido a promessa do Martim.

Baixe o aplicativo agora para receber a recompensa
Digitalize o código QR para baixar o aplicativo Hinovel.