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Capítulo 2

Estávamos em um galpão escuro e velho. Dava para ver as correntes de aço penduradas para todos os lados, assim como o lodo esverdeado cobrindo as paredes e o reboco caindo. Devia haver ratos por ali, não que eu tivesse medo, mas só em pensar, meu estômago revirava.

Lá fora, a noite estava fria e úmida. Mal dava para ver as estrelas sobre o teto de vidro do galpão, eu sentia calafrios todas as vezes que o vento passava sobre minha nuca, era um aviso que eu teimava em ignorar.

Antônio estava visivelmente impaciente, andava de um lado para o outro enquanto esperávamos os caras que preparavam o tal assalto. Depois de horas em pé dentro do galpão, fui para o carro e esperei sentado no banco do motorista, enquanto Antônio ficou andando de um lado para o outro. Já estava tarde e eu tinha prometido que chegaria cedo. Onde estávamos, era um bairro perigoso e assunto frequente nos jornais locais da cidade de Porto.

Quando Antônio parou de andar, vi a luz de faróis de automóveis se aproximar. Saí do carro e fiquei observando os dois carros parando bem ao lado do nosso. Ambos com os faróis altos, dificultando a visão. Um homem grandalhão saltou do carro, logo depois três homens menores os seguiram.

O homem alto e forte era negro e tinha algumas tatuagens espalhadas pelo braço esquerdo. Ele era mal-encarado e parecia não ser nada paciente. Dois dos três homens que o seguiam eram gêmeos idênticos, até as roupas eram parecidas, do segundo carro saiu um homem de estatura mais baixa e com uma cicatriz que seguia do supercílio direito, passava por sua bochecha até o lóbulo inferior da sua orelha, quase formando um Z em seu rosto.

— Martim, meu amigo — cumprimentou Antônio, apertando a mão do chefe do bando, se aproximando do homem mais alto.

— Vamos deixar a conversa fiada para depois, Tom — ele realmente parecia não ter paciência. — Quem é a mocinha que você quer colocar na jogada? — questionou, olhando para mim e pude jurar que o meu couro cabeludo tinha ficado anestesiado.

— Esse cara aqui — me puxou para apresentar na cadeira velha que tinha ao lado de outras quatro, naquele galpão velho.

— Esse é meu irmão Samuel, mas podem chamá-lo de Sam.

— Você tem alguma experiência com roubos? — perguntou com sua voz grossa, se sentou abrindo as pernas e apoiando o braço esquerdo na lateral da cadeira, me olhando e percebendo o medo estampado em meus olhos. Poderia dizer que ele seria um bom cantor de jazz.

— Não, senhor — disse, sendo o mais sincero possível.

— Já pegou em uma arma? — franziu as sobrancelhas, mostrando irritação.

— Não, senhor.

— Droga, garoto! — berrou o homem baixo com a enorme cicatriz no rosto. — Que porra você faz da vida? Queima rosca nas esquinas com essa cara de bunda que você tem?

— Estudo — respondi a contragosto, me sentido um idiota por estar ali.

— É isso que você nos arruma, Antônio? — perguntou Martim, visivelmente irritado com Antônio. — Uma boneca com diploma? Seu bunda mole!

— Esse cara vai foder a parada toda — rosnou o homem baixo, com mais raiva ainda em seus olhos por Antônio chamar um amador para trabalhar com eles.

— Calma, gente — Antônio começou a explicar. — Ele precisa entrar na parada, calma. Ele é de confiança. Pode confiar em mim.

— Tomara mesmo, pois se ele melar o trabalho, eu mesmo o mato — falou Martim sem paciência, eu podia ver as veias do seu pescoço saltarem de raiva.

— Gêmeos — gritou para os dois caras parados no fundo do galpão. — Entreguem — ordenou e os gêmeos se aproximaram, um deles tirou de dentro da jaqueta preta de couro uma arma e uma caixa de balas, me entregando logo em seguida. Sem dizer uma palavra, voltaram para observar o movimento da rua, como cães de guarda, apesar de parecer deserta e completamente escura. — Treine, e em duas semanas quero ver como anda sua pontaria.

— Mas eu não vou atirar em ninguém, certo? — questionei, confuso e segurando a arma e as balas. Não era o que Antônio tinha me prometido.

— Nunca se sabe quando vamos precisar nos defender, Sam — disse o homem baixo em um tom mais severo, mas achei que ele se referia a sua cicatriz, que chamava atenção mesmo na meia luz que os faróis dos carros do lado de fora ofereciam.

Olhei para a arma em minha mão e meu coração ficou cada vez mais apertado. Não era isso que eu tinha em mente. Não queria machucar ninguém. Queria explicar, mas eles já estavam seguindo para seus carros e agora eram apenas sombras.

Tarde demais. Tarde demais. Muito tarde para voltar atrás.

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