Capítulo 7
Observei-os por um momento, deixando o silêncio prolongar-se enquanto pensava no meu próximo passo. Normalmente, não era do tipo que ficava esperando alguém se explicar. Mas com Nicol, senti uma pontada de curiosidade, uma leve necessidade de compreender sua reação. Não era algo a que estivesse acostumado, nem algo de que gostasse particularmente. Mas lá estava eu, de qualquer maneira.
—Tudo bem? —perguntei, mantendo um tom neutro enquanto me apoiava na porta. Francesca olhou para mim, com os olhos brilhantes com aquela familiar centelha de emoção, mas a expressão de Nicol permaneceu impassível, com o olhar fixo no chão.
—Sim —disse ela com a voz entrecortada, sem revelar nada da cordialidade que eu estava acostumado a ver em suas interações com Francesca—. Está tudo bem.
Era mentira, claro. Eu percebia isso pela maneira como ela se recusava a me olhar, pela maneira como cerrava os dentes ao falar. Não tinha certeza do que tinha feito para provocar aquela reação, mas era evidente que algo a incomodava. E, por alguma razão, isso me incomodava mais do que deveria. Ela era apenas uma empregada, uma cuidadora que eu tinha contratado por necessidade. Mas, apesar disso, a ideia de que ela se voltasse contra mim, mesmo que sutilmente, me deixava com um gosto amargo na boca.
—Francesca, vá preparar suas coisas para dormir —disse com doçura, apontando para a escada com a cabeça. Ela parecia desapontada, mas não discutiu. Pulou do sofá e deu um abraço rápido em Nicol antes de sair correndo. Assim que ela saiu do alcance da minha audição, voltei a me concentrar em Nicol.
—Você está chateada —disse, cruzando os braços sobre o peito ao encontrar seu olhar—. Há algum motivo para isso?
Finalmente, ela ergueu os olhos, com um brilho agudo e inconfundível neles. Raiva. — Não estou zangada — disse ela friamente, mas havia um tom em suas palavras que me dizia o contrário. — Só estou fazendo meu trabalho, como você tão gentilmente me lembrou ontem.
Senti uma pontada de irritação quando ela mencionou o dia anterior. Ela não parecia tão irritada na hora, mas agora era evidente que algo que eu disse a havia incomodado. Eu estava acostumado a que as pessoas seguissem minhas ordens sem questionar, sem reclamar. Nicol, no entanto, parecia determinada a desafiar isso.
— É por causa de ontem? — perguntei, mantendo a calma. — Achei que tínhamos um acordo, Nicol. Você entendeu as condições quando aceitou este cargo.
Ela cruzou os braços, imitando minha postura, com o olhar fixo. —Sim, entendi os termos. Mas não percebi que significavam que me separariam da minha própria família.
Reprimi um suspiro. Esperava que ela deixasse passar, que aceitasse os limites que eu havia imposto sem pressioná-la mais. Mas Nicol era teimosa. — Eu paguei o tratamento do seu irmão, como combinamos — respondi com voz firme. — Você não precisa se preocupar. Ele está em boas mãos.
Ela cerrou os dentes e, por um instante, vi um lampejo de vulnerabilidade em sua expressão. —Você acha que isso é suficiente? —perguntou ela, com uma voz pouco mais alta que um sussurro—. Você acha que, só porque investiu dinheiro no problema, não importa se estou lá para ele ou não?
Senti a tensão entre nós aumentar e não gostei disso. Uma parte de mim queria acabar com aquilo, lembrá-la do lugar dela, mas outra parte — uma parte que eu não entendia muito bem — queria ouvi-la.
—Você está aqui para cuidar de Francesca —disse finalmente, escolhendo minhas palavras com cuidado—. Essa é sua prioridade agora.
Seu olhar se aguçou e ela deu um passo à frente, com a voz cheia de frustração mal contida. — Você não entende, Alaric. Família não é algo que se pode substituir por dinheiro. Não é algo que se pode controlar ou manter à distância.
Apertei a mandíbula, minha paciência se esgotando. — Não se trata de controle, Nicol. Trata-se de compromisso. Preciso de alguém em quem possa confiar, alguém que não permita que seus assuntos pessoais interfiram em suas responsabilidades.
Ela soltou uma risada amarga, que atravessou o silêncio como uma faca. —E eu preciso saber que meu irmão está bem. É pedir muito?
Por um momento, ficamos ali, em silêncio absoluto. Seu desafio, sua raiva, era como se ela estivesse me desafiando, como se estivesse me desafiando a ver as coisas da perspectiva dela. E isso me incomodou mais do que eu queria admitir.
Dei um passo para trás, forçando-me a acalmar-me, a recuperar a compostura. —Compreendo as suas preocupações, Nicol —disse eu, com a voz mais baixa, mais comedida—. Mas deixei-lhe claro desde o início que este trabalho exigiria sacrifícios. Você concordou com isso.
Ela desviou o olhar, seus ombros caíram ligeiramente enquanto a luta parecia abandoná-la. —Eu não percebi como esses sacrifícios seriam — murmurou ela, quase para si mesma. — Eu pensei... pensei que talvez fosse diferente.
Algo em seu tom me comoveu, um leve eco de algo que eu havia enterrado há muito tempo. Era raro alguém falar comigo com tanta sinceridade, sem medo ou pretensões. E embora eu não quisesse admitir, suas palavras me impactaram. Elas permaneceram, enterradas em minha mente.
Após uma longa pausa, suspirei. —Vou... marcar uma visita —disse, embora as palavras me soassem estranhas—. Quando tudo estiver resolvido, você poderá vê-lo. Mas, por enquanto, preciso que se concentre em Francesca.
Seus olhos se suavizaram e, pela primeira vez naquela noite, eu a vi sorrir. “Obrigada”, disse ela em voz baixa; a luta em sua voz foi substituída por algo mais suave, quase gentil.
Acenei com a cabeça, virando-me antes que ela pudesse ver a pequena rachadura na minha fachada. Eu era um chefe da máfia. E, no entanto, tinha cedido a ela tão facilmente. Não tinha certeza do porquê de ter concordado com o pedido dela, por que tinha permitido que suas palavras me afetassem daquela maneira. Mas enquanto me afastava, não conseguia me livrar da sensação de que Nicol, de alguma forma, tinha me deixado confuso.
E, apesar de mim mesmo, não podia negar a curiosidade que crescia dentro de mim, o desejo de compreendê-la. E isso, no meu mundo, era muito, muito perigoso.
O ponto de vista de Nicol.
Era uma manhã muito tranquila enquanto eu cuidava de Francesca, um silêncio agradável que eu não costumava experimentar nesta casa. Ela balbuciava no tapete da sala, absorta em seu pequeno mundo com seus brinquedos espalhados à sua frente. Seus dedinhos procuravam blocos, empilhando-os com uma concentração que me fez sorrir. Momentos como esses eram raros e, como sua babá, eu tinha aprendido a apreciá-los.
Eu me abaixei para ajudá-la a empilhar os blocos, mas então uma voz aguda — a de Alaric — quebrou o silêncio. Eu me tensionei ao ouvir sua voz áspera. Eu não sabia com quem ele estava falando, mas a maneira como suas palavras ecoavam nas paredes, agudas e intensas, deixava claro que ele não estava nada feliz.
— Já te disse, não quero desculpas — disse ele, sua voz filtrando-se pela porta entreaberta. — Se isso não puder ser resolvido até esta noite, vou encontrar alguém que possa fazer direito. Não tenho tempo para incompetência.
Francesca ergueu os olhos e seus grandes olhos olharam ao redor. —É o papai? — murmurou ela.
— Não se preocupe, querida — eu disse em voz baixa, acariciando suas costas suavemente para acalmá-la, mas era muito difícil ignorar como sua voz aumentava a cada palavra. Houve uma pausa antes que sua voz voltasse a quebrar o silêncio.
— Não, não me importa quantas horas extras você tenha que fazer — ela gritou com um tom firme. — É sua responsabilidade e espero que seja feita da maneira correta. Entendeu?
