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Hector encarava Marina com seus olhos verdes cortantes, a expressão dura marcando cada linha de seu rosto. Ele a avaliava como se tentasse desvendar seus segredos, mas logo a seriedade se desfez em um sorriso de escárnio, que fez o estômago de Marina revirar.
— Qual o problema? — Marina questionou, tentando esconder seu desconforto.
— Uma garota como você, num lugar como esse? — Hector rebateu, com a voz carregada de ironia. — Nem parece a mocinha que tanto me julgou enquanto conversava com Diego, afirmando absurdos sobre minha índole e meus negócios.
Marina franziu o cenho, sentindo uma mistura de irritação e vulnerabilidade. A presença de Hector sempre a desarmava, mas naquele ambiente opressor parecia ainda pior.
— Eu não frequento lugares assim! — respondeu, sua voz um pouco mais firme, embora sua postura traísse sua insegurança. — Queria sair para beber, e minha amiga disse que ia me levar para um lugar legal e… — Marina suspirou, desviando o olhar. — Eu vou fugir enquanto ela acha que estou no banheiro.
Hector soltou uma risada curta, o som carregado de sarcasmo.
— Claro que vai — comentou, os olhos brilhando com uma espécie de divertimento perverso.
No entanto, antes que Marina pudesse de fato escapar, ouviu uma voz familiar chamando-a no meio da multidão. Letícia se aproximava com passos rápidos, seguida de perto pelo velho asqueroso que Marina já havia conhecido.
Hector ergueu uma sobrancelha ao vê-los, o sorriso de escárnio voltando com força total.
— Essa é a sua amiga? — ele perguntou com um tom de julgamento tão afiado que fez Marina estremecer.
Letícia, alheia ao desconforto da amiga, parou ao lado dela e sorriu animada, como se tudo estivesse perfeitamente normal. Seu acompanhante, no entanto, mudou de postura imediatamente ao notar Hector, cumprimentando-o com reverência e respeito.
— Senhor Hector, é um prazer vê-lo aqui. — O homem disse, inclinando ligeiramente a cabeça.
Letícia, por sua vez, murmurou para Marina, sem se preocupar em ser discreta:
— Vejo que já se deu bem, hein?
Marina revirou os olhos, desejando estar em qualquer outro lugar do mundo. Ela até tentou recuar, afirmando com firmeza que não se sentia bem, mas Hector, visivelmente se divertindo com o desconforto dela, não deixou passar a oportunidade de prolongar sua presença.
— Você vai se sentir melhor depois de tomar algo na área VIP — disse ele, com um sorriso provocador, gesticulando para que o grupo o acompanhasse.
Sem alternativa viável, Marina seguiu os outros, sentindo-se presa à situação. Os quatro caminharam até uma área separada do clube, protegida por cordões de veludo e um segurança imponente. Ao notarem Hector, as barreiras se abriram como mágica, e eles entraram como convidados exclusivos.
A área VIP tinha um ambiente muito mais sofisticado. Sofás de couro preto dispostos em círculos, mesas de vidro com iluminação inferior, e um bar exclusivo que exibia garrafas de bebidas finas. A música, mais baixa ali, criava um clima de conversa descontraída, mas o ar ainda carregava um peso de exclusividade opressiva. Hector conduziu o grupo até um espaço reservado, com cortinas escuras ao redor de um sofá maior e uma mesa de mármore negro.
Logo, uma garçonete de visual ousado, com um vestido preto colado e salto agulha, apareceu com um sorriso treinado. Ela recolheu os pedidos, que Hector prontamente declarou serem por sua conta.
Enquanto esperavam, Hector relaxou no sofá, cruzando as pernas com a confiança de alguém que sabia que era o centro das atenções. Ele olhou para Letícia com um interesse casual.
— Então, Letícia… — começou ele, inclinando a cabeça. — De onde vocês se conhecem?
Letícia respondeu sem hesitar:
— Fomos colegas de escola. — Ela sorriu amplamente, claramente lisonjeada pela atenção de Hector. — Estudei com a Marina em um colégio tradicional. Consegui entrar por uma bolsa de estudos, nos tornamos melhores amigas logo de cara!
Hector arqueou uma sobrancelha, observando Letícia como se estivesse analisando cada palavra.
— Interessante — comentou, o tom neutro, mas o olhar revelando sua avaliação. — E sua família?
Letícia corou levemente, mas tentou manter a compostura.
— Classe média. Meu pai era motorista e minha mãe é auxiliar de enfermagem.
Hector assentiu, sua expressão difícil de decifrar, mas Marina percebeu o leve movimento de seus lábios em um sorriso quase imperceptível.
— Não é comum alguém da sua posição frequentar lugares como este.
— Hector, por favor — interrompeu o acompanhante de Letícia, com um riso nervoso, tentando desviar a conversa. — Vamos falar de algo mais interessante, como seus sucessos!
Hector inclinou-se levemente para frente, um brilho divertido nos olhos.
— O que você quer saber? — Ele perguntou, parecia gostar de ser exaltado.
— Na verdade eu sei de tudo! Sua empresa é incrível! — O homem continuou, olhando para Marina como se quisesse impressioná-la também. — Hector começou com um laboratório modesto, mas agora comanda uma das principais indústrias químicas do país.
Marina arregalou os olhos, claramente surpresa.
— Você tem uma empresa?
Hector riu baixo, como se a incredulidade dela fosse previsível.
— Uma vida estruturada não é exclusiva de quem segue as regras, Marina.
Marina desviou o olhar, ainda processando a contradição entre o homem envolvido no crime que conhecia e o empresário bem-sucedido que estava à sua frente.
O homem continuou exaltando Hector, sem qualquer contenção:
— A empresa dele, a Chematics Innovations, é referência na produção de polímeros de alta performance e insumos farmacêuticos. E o mais impressionante é o modelo de negócio. Não é só vender produtos, é criar soluções que ninguém mais consegue oferecer.
Marina, que até então estava apenas ouvindo, sentiu um arrepio de reconhecimento ao ouvir o nome da empresa. Ela lembrou-se imediatamente de uma conversa que teve com seu pai há alguns meses, durante o jantar, quando ele comentava sobre uma nova parceria.
— Espera… Chematics Innovations?— Marina perguntou, os olhos fixos em Hector, que agora a observava com um sorriso enigmático.
— Sim, por quê? — Ele perguntou casualmente, mas o interesse era evidente.
— Minha família é dona de uma indústria farmacêutica. Lembro do meu pai falando sobre como foi difícil conseguir fechar uma sociedade com a Chematics. Ele mencionou que tiveram que ceder ações para que aceitassem a parceria.
Hector inclinou-se para frente, o sorriso crescendo.
— Então somos praticamente sócios, Marina. — A provocação em sua voz era clara.
Marina sentiu um misto de desconforto e perplexidade. Seu pai havia falado com tanto respeito e até certo receio sobre essa negociação, mencionando que a Chematics era uma empresa seletiva e extremamente rigorosa com quem trabalhava. Saber que Hector estava por trás disso a deixou atônita.
— Meu pai disse que era quase impossível fechar com vocês… — murmurou, quase para si mesma.
— Porque eu não negocio com qualquer um — Hector respondeu, olhando diretamente para ela. — Seu pai é um homem inteligente. Ele sabe o valor de uma parceria com alguém que entende o mercado como eu.
Marina ficou em silêncio, o peso da descoberta a pressionando. De repente, aquele homem que ela associava apenas ao crime parecia muito mais complexo do que imaginava.
