Doutora da Máfia

Marina Albuquerque, aos 28 anos, era a personificação de determinação e independência. Solteira e herdeira do império farmacêutico Albumed, ela tinha tudo para levar uma vida confortável e previsível. No entanto, sua ambição não se resumia a administrar números e lucros na empresa da família. Com olhos castanhos profundos, cabelos escuros que emolduravam seu rosto de forma elegante, e uma postura que exalava autoconfiança, Marina não era apenas bela, mas também uma mulher com um propósito que transcendia os privilégios em que crescera.

Durante o luxuoso jantar de Natal na mansão dos Albuquerque, com seu pinheiro majestoso decorado em dourado e vermelho, Marina fez o anúncio que mudaria sua vida:

— No próximo ano, vou abrir uma clínica odontológica popular no bairro Jardim Esperança.

O choque foi imediato. Roberto Albuquerque, seu pai, fechou a expressão em um misto de preocupação e frustração. Já Teresa, sua mãe, não conseguiu conter o tom de reprovação:

— Marina, você pode abrir sua clínica em qualquer bairro decente. Por que logo em um lugar como aquele?

A herdeira manteve a calma, mas sua voz carregava firmeza.

— Porque não quero apenas uma carreira. Quero fazer a diferença, ajudar pessoas de verdade.

Teresa largou os talheres, visivelmente irritada.

— Então faça a droga de uma doação como qualquer pessoa normal! Vai se enfiar em favela?!

O comentário cortante fez o sangue de Marina ferver. Ela se levantou abruptamente.

— Eu não quero apenas assinar um cheque, mãe! Quero estar lá, conhecendo as pessoas, mudando vidas!

Sem esperar mais discussões, Marina deixou a mesa, transformando o Natal em um campo de tensão. Mas para ela, aquilo não era apenas um rompante. Era a confirmação de que sua decisão de abrir a clínica no Jardim Esperança não era apenas um projeto profissional — era um ato de propósito e autenticidade.

No outro lado da cidade, em um bairro dominado pela tensão e pelas sombras, uma mansão luxuosa destoava completamente do cenário ao redor. A construção imponente, com fachadas em mármore, janelas amplas e luzes que iluminavam a noite, era um dos reinos de Hector Salazar. Ele comandava seus negócios com um equilíbrio preciso entre charme e autoridade, características que o tornaram o líder inquestionável do narcotráfico local — e o nome por trás da droga sintética mais poderosa e lucrativa da região: Hades.

Fabricada em laboratórios clandestinos, a Hades era desenvolvida sob fachadas de negócios comuns, como clínicas, farmácias e empresas químicas. O composto, altamente viciante e de efeito devastador, prometia uma experiência única de euforia e resistência física. Vendida em festas, clubes e até mesmo distribuída entre gangues menores, a droga se tornara a marca registrada de Hector, um império construído sobre um produto que tornava suas vítimas escravas de seus próprios vícios.

Naquela véspera de Natal, Hector estava no centro de sua sala de reuniões, cercado por seus homens mais confiáveis. Sobre a mesa, em meio a mapas e contratos, havia amostras de Hades em diferentes versões — comprimidos coloridos, frascos líquidos e até adesivos transdérmicos, criados para evitar detecção em blitzes policiais.

A pauta da reunião era crítica: uma negociação territorial com um grupo rival que ameaçava a distribuição da droga. Hector sabia que qualquer demonstração de fraqueza poderia abrir espaço para que a concorrência tentasse invadir seu mercado. Com a voz grave e firme que dominava o ambiente, ele expunha sua estratégia:

— A Hades é nossa criação. Eles querem lucrar com o que construímos, mas não têm nosso alcance. Aguardem meu sinal. Vamos deixar claro que não há espaço para eles nesse território.

Quando a reunião chegou ao fim, Hector dispensou seus homens com uma ordem inesperada:

— Vão para casa. Passem a noite com suas famílias. Hoje é Natal, e amanhã retomamos a operação.

Enquanto os outros saíam, Hector permaneceu na mansão. Quase meia-noite, o cheiro de temperos e carnes assadas preenchia o ambiente, mas na imensa cozinha, com bancadas de granito e armários de madeira maciça, apenas Hector estava presente. Ele jantava sozinho, como fazia em todos os Natais.

A solidão de Hector não era por falta de opções. Ele tinha família e mais pretendentes do que poderia contar, mas sabia que seu negócio não permitia vínculos duradouros. A Hades tornara-se sua prioridade absoluta, uma missão que consumia sua alma. O produto que ele vendia não apenas dominava as ruas — dominava sua própria vida.

Naquela noite, enquanto o relógio avançava e o silêncio da madrugada começava a se instalar, Hector terminou seu vinho e recolheu-se ao quarto. Na imensidão da mansão, ele deitou-se em sua cama king-size, encarando o teto por um breve momento antes de fechar os olhos.

Por trás do charme e da fachada de um empresário bem-sucedido, Hector sabia que era apenas um homem marcado por suas escolhas. E no centro dessas escolhas estava a Hades — sua criação, seu legado e sua maldição.

A quilômetros dali, Marina fazia o mesmo em seu triplex, tentando afastar a frustração da discussão familiar. Nenhum dos dois tinha a menor ideia de que, muito em breve, suas vidas estariam irrevogavelmente entrelaçadas, mudando seus mundos de formas que eles jamais poderiam imaginar.