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3

Na semana seguinte, a construção da clínica começou a todo vapor. O ritmo acelerado surpreendeu Marina, mas ela se sentia empolgada ao ver o terreno sendo transformado em um espaço que logo abrigaria o projeto que ela tanto acreditava. Como ordem de Hector, todos os envolvidos eram moradores do bairro, desde os operários até o engenheiro. A ideia de ter pessoas qualificadas, formadas e capazes, morando em uma região como aquela, deixava Marina em choque. Era como se aquele fosse um reflexo do potencial que o bairro tinha, se pudesse ser conduzido de outra maneira. O engenheiro, um homem calmo e meticuloso, explicou o cronograma, prometendo que a clínica ficaria pronta em dois meses, um prazo apertado, mas que ele parecia ter confiança em cumprir.

Enquanto a obra seguia, Marina se sentia renovada, até o jantar com seus pais, na casa de luxo onde cresceu, a fazia pensar que estava prestes a alcançar algo significativo. Durante a refeição, ela contou animadamente sobre seu projeto, com o brilho nos olhos, detalhando os benefícios que a clínica traria para a comunidade e como tudo estava se desenrolando de maneira positiva.

Mas, ao contrário de seu entusiasmo, a reação dos pais foi completamente diferente. Teresa, sua mãe, manteve uma expressão severa durante toda a conversa. Quando o jantar terminou e Marina foi para a casa, Teresa e Roberto, seu pai, permaneceram na cozinha, trocando olhares preocupados.

— Investindo dinheiro em um buraco… — Teresa desabafou, passando as mãos pelo cabelo enquanto se sentava. — O irmão dela está indo tão bem, Roberto! Onde será que erramos com ela?

Roberto suspirou, mexendo nos pratos enquanto pensava nas palavras da esposa.

— É só uma fase. Logo ela vai tomar um choque de realidade! — respondeu ele, tentando manter um tom mais otimista.

Teresa balançou a cabeça, desiludida.

— Espero que também não tome um tiro! — murmurou ela, e ambos caíram em um silêncio desconfortável, onde as palavras não ditas sobre o futuro de Marina pairavam no ar.

Naquele final de semana, empolgada com a ideia de sair e relaxar um pouco, Marina pediu a recomendação de sua amiga Letícia sobre um bom lugar para ir. Letícia, que conhecia todos os melhores pontos da cidade, imediatamente sugeriu um local especial. Curiosa e sem saber muito sobre o destino, Marina se preparou animada, enquanto Letícia, como sempre, exibia sua confiança inabalável.

Marina escolheu um vestido elegante de seda preta que valorizava sua silhueta, com os cabelos soltos e um toque de maquiagem suave, com ênfase nos olhos. Letícia, por sua vez, estava um pouco mais ousada, com um look moderno e provocante: um vestido justo, que destacava suas curvas, e um salto alto que combinava perfeitamente com a energia que ela emanava. Ambas estavam prontas para uma noite fora, com Marina sem saber exatamente o que esperar.

Assim que chegaram ao local, Marina começou a sentir uma estranha sensação de desconforto. O clube ficava escondido em uma rua pouco movimentada, com uma fachada discreta, quase como se estivesse tentando se esconder da vista pública. Quando as duas entraram, a vibração do ambiente se mostrou mais pesada do que Marina esperava.

— Que lugar… estranho. — Marina murmurou, desconcertada, enquanto adentravam o local, sendo recebidas por uma música suave, mas de batidas intensas. O lugar tinha uma atmosfera sombria e ao mesmo tempo atraente, com iluminação baixa e móveis de couro preto espalhados pelo ambiente.

O clube era frequentado por homens mais velhos, de aparência rica, ostentando roupas caras e relógios brilhantes. As mulheres presentes, jovens e atraentes, pareciam estar ali esperando serem notadas, seus olhares fixos nas mesas onde os homens estavam. Havia um ar de troca mútua, quase como se o ambiente fosse feito para esse tipo de transação.

— Ah, você vai adorar! Vou te apresentar a meu amigo! — Letícia disse, empolgada, pegando Marina pelo braço e puxando-a para o interior do clube, sem se importar com o olhar dos outros.

Marina sentiu um frio na espinha com os olhares invasivos dos homens, que a examinavam de cima a baixo. A cada passo, ela sentia os olhares mais pesados e intimidadoramente curiosos, e sua repulsa por aquele ambiente crescia. Mesmo assim, Letícia parecia completamente à vontade, como se estivesse em seu habitat natural. Marina, por outro lado, sentia-se deslocada, desconfortável com as atenções que recebia e com o tipo de lugar onde havia se metido. Mas, com um sorriso forçado, ela continuou seguindo sua amiga, sem saber o que mais aquela noite poderia reservar.

O desconforto de Marina alcançou seu auge quando finalmente conheceu o tal "amigo" de Letícia. Ele era um homem que já beirava os sessenta anos, com cabelos grisalhos perfeitamente penteados e vestindo um terno de corte impecável. Apesar de sua aparência bem-cuidada, havia algo nele que fazia Marina sentir um arrepio de desagrado.

Letícia, no entanto, não demonstrava nenhum incômodo. Ao contrário, ela o cumprimentou com um beijo na bochecha que parecia íntimo demais para o gosto de Marina. A cena a deixou paralisada por um momento, seu desconforto se transformando rapidamente em repulsa. O sorriso animado da amiga e a forma como ela segurava o braço do homem não deixaram espaço para dúvidas. Letícia não precisou dizer nada para que Marina compreendesse que tipo de lugar era aquele e qual era exatamente o papel da amiga ali.

Marina sentiu um nó no estômago ao perceber que sua amiga de infância havia se tornado uma sugar baby, vivendo uma realidade tão diferente daquela que um dia compartilharam. A revelação foi um choque, trazendo uma sensação de tontura que a fez buscar uma saída rápida.

— Vou até o banheiro, já volto. — Marina anunciou, com um sorriso forçado.

Letícia acenou sem sequer desconfiar, entretida demais com o homem ao seu lado. Marina, por outro lado, tinha outra intenção. Assim que virou as costas, começou a caminhar em direção à saída do clube, determinada a ir embora dali o mais rápido possível. Cada passo que dava parecia um alívio, mas também uma confirmação amarga de que a noite estava longe de ser o que ela esperava.

Ela no entanto, não conseguiu chegar à saída como esperava. Antes que pudesse cruzar o limiar do clube, foi abordada de forma invasiva por um homem que claramente havia bebido além da conta. Ele tinha um sorriso torto e um hálito forte de álcool, enquanto se inclinava perigosamente perto demais dela.

— Vamos dançar, gata! — ele insistiu, ignorando os passos incômodos que Marina dava para se afastar.

— Não, obrigada. — Marina respondeu com firmeza, tentando parecer inabalável.

— Qual é? Não vai me fazer esse desfeita, vai? — Ele riu de forma áspera, mas o sorriso logo desapareceu ao ouvir mais uma negativa.

— Já disse que não. Por favor, me deixe passar. — Marina tentou manter a compostura, mas sua voz tremeu ligeiramente.

A recusa parecia inflamar a raiva do homem. Ele deu um passo à frente, fazendo com que Marina recuasse instintivamente.

— Quem você pensa que é para me recusar uma dança? Você nem é tudo isso, garota! — O tom dele agora era agressivo, e ele avançava com determinação enquanto Marina dava passos inseguros para trás.

Antes que pudesse se dar conta, Marina tropeçou em um desnível no chão e quase caiu. Foi então que sentiu algo firme atrás de si, algo — ou melhor, alguém — que a segurava de maneira segura.

Um arrepio de pânico percorreu sua espinha, mas logo sua tensão diminuiu ao ouvir uma voz grave que ela reconheceu instantaneamente.

— Ela está comigo, Renato. — A voz de Hector soou firme e inquestionável, como uma ordem que ninguém ousaria desobedecer.

O homem bêbado imediatamente recuou, murmurando desculpas antes de desaparecer entre a multidão.

— Como assim está com ela?! — uma voz feminina resmungou, carregada de irritação.

Marina, movida pela curiosidade, se virou para encontrar a dona daquela voz. Era uma mulher de traços indígenas marcantes, com olhos escuros que brilhavam de frustração. Seu corpo escultural estava destacado por um vestido justo de cor vibrante, e a expressão em seu rosto era de puro desagrado.

— Depois a gente conversa, Cíntia. Vá. — Hector ordenou sem rodeios, seu tom mais frio do que nunca.

A mulher hesitou, parecendo prestes a rebater, mas acabou obedecendo. Ainda assim, fez questão de mostrar seu descontentamento, passando por Marina com um empurrão proposital no ombro.

Marina ficou paralisada por um momento, ainda assimilando o que havia acabado de acontecer. Ela olhou para Hector, que agora parecia ainda mais imponente em meio ao ambiente carregado do clube, e sentiu o peso da situação em que estava se envolvendo.

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