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2

No dia seguinte, Marina voltou ao bairro conforme combinado. Logo na entrada da região, foi recebida por um dos homens de confiança de Hector. Ele se apresentou como Diego Vargas, um sujeito alto e magro, com cabelos escuros perfeitamente penteados para trás e olhos castanhos atentos. Vestia-se de maneira surpreendentemente formal para o calor sufocante: uma camisa social cinza e calças pretas que contrastavam com o ambiente mais simples do bairro.

— Doutora Marina, certo? — disse ele com um sorriso educado e uma pasta de documentos debaixo do braço. — Vou levá-la até o terreno.

Marina assentiu e o seguiu pelas ruas movimentadas. Apesar das condições modestas, a área central do bairro, onde o terreno estava localizado, era bem movimentada e cheia de pequenos comércios. Quando chegaram ao local, Marina percebeu que a localização era excelente: em uma esquina de grande circulação, com espaço suficiente para a construção que havia planejado.

— É aqui — disse Diego, apontando para o terreno. — A área é central, perto de mercados, farmácias e pontos de transporte. Hector escolheu pessoalmente.

Marina analisou o espaço com atenção, imaginando sua futura clínica ali. Sentia uma mistura de empolgação e nervosismo.

— Parece perfeito — disse ela, finalmente, olhando para Diego.

— Ótimo. Agora vamos à parte chata — disse ele, fazendo um gesto para que o acompanhasse.

Os dois caminharam até uma padaria próxima, com fachada simples, mesas de plástico e um aroma acolhedor de pão recém-saído do forno. Diego escolheu uma mesa no canto, longe dos olhares curiosos, e colocou a pasta sobre a mesa.

— Aqui estão os documentos que precisam ser assinados. Depois disso, será necessário autenticá-los no cartório para finalizar o processo.

Marina pegou os papéis e começou a lê-los com cuidado, enquanto Diego esperava pacientemente, tomando um café preto que havia pedido.

— Tudo em ordem? — perguntou ele depois de alguns minutos.

— Sim, parece estar tudo certo — respondeu Marina, pegando uma caneta para assinar.

Enquanto finalizavam o processo, Diego aproveitou para acrescentar algumas palavras.

— Se precisar de qualquer coisa, pode entrar em contato comigo. Minha função é garantir que tudo corra bem por aqui.

— Obrigada, Diego — respondeu Marina, sentindo-se levemente aliviada por ter um intermediário educado e aparentemente confiável.

Com os documentos assinados e um plano claro para os próximos passos, Marina ouviu com atenção todas as instruções claras de Diego, que parecia de fato compreender do assunto. Ela passou um último olhar pelos documentos, observando o carimbo de Diego, que continha o número de sua carteira OAB.

— Então você é advogado? — perguntou Marina, tentando conter a surpresa, enquanto observava Diego, que tentava manter a postura rígida, mas ocasionalmente deixava escapar sua personalidade naturalmente extrovertida.

— Me formei esse ano! O primeiro da família a cursar faculdade — ele respondeu, com um sorriso orgulhoso que suavizava seu semblante sério.

— Isso é incrível, Diego. — Marina devolveu o sorriso, verdadeiramente impressionada. — Mas confesso que não esperava ver alguém com a sua formação trabalhando em algo assim…

Ele riu, quase envergonhado.

— Na verdade, aqui é um ótimo lugar para se trabalhar. Perto de casa, salário acima do que ganharia em outro lugar sendo iniciante. Além disso, não sei o que te disseram sobre ele, mas Hector faz muita coisa boa por aqui.

— Hector? — Marina arqueou uma sobrancelha, cética. — Você está me dizendo que o crime melhora o bairro? — Um bairro com dono e o medo de Hector de que ela trabalhasse para alguém, deixava claro que o lugar era do tráfico.

Diego ajeitou-se na cadeira, tomando cuidado com as palavras.

— O crime sempre esteve aqui, senhora. Isso não é novidade e não foi trazido por ele. Mas antes de Hector, havia caos. Mortes, abusos, violência sem controle. Agora, temos regras. Olhe ao redor, veja com seus próprios olhos.

Diego levantou-se e fez um gesto para que Marina o acompanhasse. Intrigada, ela o seguiu pelas ruas do bairro, ainda sentindo o calor sufocante, mas agora prestando atenção nas melhorias que ele apontava.

Primeiro, passaram por uma escola de fachada recém-pintada, com um grande pátio onde crianças brincavam sob a supervisão de professores.

— Hector financiou a reforma dessa escola há dois anos. Antes, o prédio estava caindo aos pedaços, e ninguém queria trabalhar aqui. Agora, as crianças têm um lugar seguro e decente para aprender.

Depois, Diego a levou até uma área de lazer. Havia um clube com piscina, onde jovens praticavam natação, e um campo de futebol bem cuidado. Alguns adolescentes jogavam animadamente enquanto outros aprendiam judô em uma pequena sala ao lado.

— Ele também criou esse clube. Aqui, as crianças têm acesso a esportes e atividades que antes só existiam nos bairros ricos.

Marina olhava tudo com atenção, ainda tentando processar o que via.

— E isso tudo é financiado com dinheiro sujo?

Diego deu de ombros, sem desviar o olhar.

— Isso eu não posso afirmar ou negar, só sei que esse dinheiro é uma forma de reinvestir no bairro. Hector acredita que, ao dar oportunidades para as pessoas daqui, especialmente os jovens, pode evitar que entrem na vida do crime. Inclusive, ele não permite que ninguém do bairro se envolva com o tráfico.

Por fim, Diego a levou a uma pequena sala anexa a um prédio comunitário. Dentro, havia uma pilha organizada de papéis e um quadro com fotos e nomes de jovens.

— Aqui é onde ele administra as bolsas de incentivo para faculdade. Qualquer jovem do bairro com boas notas pode se inscrever. Foi assim que consegui me formar em Direito.

— E você não sente nenhum conflito moral? — Marina perguntou, genuinamente curiosa.

Diego a encarou por um momento antes de responder, seu tom calmo, mas resoluto:

— O mundo não é preto no branco, doutora. Quanto às suas acusações, não posso ter certeza sobre como ele vive a vida e como nos financia, só sei que Hector encontrou um jeito de manter a ordem e melhorar a vida das pessoas aqui; posso aceitar muito bem isso, mesmo que o caminho não seja perfeito. Eu não estou dizendo que ele é um santo, mas posso garantir que sem ele, esse bairro seria muito pior.

Marina ficou em silêncio por um momento, absorvendo tudo o que viu e ouviu. Aquela era uma realidade que ela nunca poderia imaginar de dentro de seu mundo privilegiado, mas agora era impossível ignorar.

Quando Marina entrou em seu carro e deu partida, ela sentiu uma sensação inesperada de orgulho, embora conflitante. Observando pela janela, ela via o bairro que, apesar de seus problemas, ainda era claramente vivo e organizado. As crianças nos campos, os jovens com oportunidades que jamais teriam, tudo aquilo a fazia pensar que Hector, de alguma forma, estava cumprindo uma função quase benéfica. Ele estava criando algo que não se via em muitos lugares: um ambiente de estabilidade e crescimento, onde antes havia só desespero.

Mas, ao mesmo tempo, Marina sabia que não importava o quanto ele melhorasse a vida de algumas pessoas ou as mudanças positivas que tivesse trazido para o bairro. Hector ainda era um criminoso. Sua origem, suas ações, suas escolhas, tudo isso estava entranhado na criminalidade que ele controlava com punho de ferro. O fato de ele ter transformado o caos em algo funcional não mudava o fato de que ele fazia parte de um mundo sombrio, onde as regras não eram as mesmas que ela conhecia. E isso, por mais que tentasse, nunca poderia ser ignorado.

Marina respirou fundo, sentindo uma pontada de frustração em seu peito. Ela queria acreditar que talvez fosse possível existir algo de bom naquilo, mas sabia que o jogo que Hector jogava era muito mais sujo do que qualquer fachada de bondade. Ela ligou o rádio, tentando afastar os pensamentos, mas não conseguiu evitar o peso da realidade que agora estava mais clara do que nunca.

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