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O escritório de Hector Salazar era uma mistura impecável de sofisticação e poder. As paredes de madeira escura, adornadas com prateleiras repletas de livros e pequenas esculturas de artistas renomados, criavam um ambiente elegante. No centro, uma enorme mesa de vidro estava impecavelmente organizada, com um laptop de última geração, documentos empilhados com precisão e uma caneta dourada repousando ao lado. Apesar de o ar-condicionado estar no máximo, o calor de janeiro em um país tropical parecia encontrar maneiras de se infiltrar, tornando o dia ainda mais exaustivo.
Hector, como sempre, estava vestido em seu traje formal: camisa branca perfeitamente passada, gravata preta e calça social combinando. A aparência imaculada era parte de seu uniforme diário, transmitindo controle e autoridade, mesmo em meio ao caos. Enquanto analisava relatórios e discutia estratégias por telefone, sua postura permanecia impecável, sem dar sinais de desconforto ou cansaço.
Do lado de fora, na recepção igualmente luxuosa e organizada, Marina estava sentada em uma das poltronas modernas, ao lado de sua amiga Letícia, que não parava de murmurar nervosamente.
— Marina, você tem noção do que está fazendo? Precisa de um documento de um traficante! Isso é loucura.
Marina respirou fundo, tentando ignorar o desconforto crescente.
— Por favor, Letícia. Cale a boca! — disse entre dentes, tentando disfarçar enquanto percebia como os outros na sala começavam a lançar olhares curiosos. — Em nenhum momento disseram que ele era traficante!
Antes que Letícia pudesse retrucar, a secretária se aproximou. Vestida de maneira impecável em um conjunto social cinza-escuro, ela tinha uma postura profissional e firme.
— Senhorita Albuquerque, o senhor Salazar está pronto para recebê-la.
Marina se levantou imediatamente, ajeitando a postura. Letícia fez menção de acompanhá-la, mas foi rapidamente interrompida pela secretária.
— Apenas a senhorita Marina pode entrar.
Letícia arregalou os olhos, ainda mais nervosa, mas Marina apenas lançou um olhar firme para a amiga antes de seguir em direção à imponente porta do escritório. Enquanto caminhava, sentiu a curiosidade e o julgamento silencioso de todos ao redor.
Quando entrou, encontrou-se diante de um espaço ainda mais elegante do que imaginara. Mas, diferente de sua amiga, Marina não se intimidava com o ambiente. Ela sabia por que estava ali e, mesmo enfrentando um homem como Hector Salazar, estava determinada a conseguir o que precisava para tornar sua clínica uma realidade.
Hector manteve uma postura fria e inabalável enquanto Marina entrava em seu escritório. Sentado em sua cadeira de couro, ele não desviou os olhos do monitor à sua frente, digitando calmamente. Sem sequer olhá-la, fez um gesto para que se sentasse.
Marina obedeceu sem hesitar, cruzando as pernas de forma elegante e mantendo a postura ereta, mesmo diante da aparente indiferença dele. Por alguns minutos, o silêncio foi quebrado apenas pelo som das teclas do computador. Finalmente, Hector fechou o laptop e pegou os documentos enviados por ela anteriormente.
Um sorriso de escárnio se formou em seus lábios quando começou a falar:
— Rica desde o nascimento, garotinha genial que se formou cedo na escola e entrou na faculdade aos quinze anos. Quase concluiu a faculdade de medicina e depois se formou em odontologia... Herdeira de um império, dona de um triplex no bairro do Pôr do Sol. E agora quer abrir uma clínica aqui? Qual é a sua, garota?
Ele finalmente ergueu os olhos para encará-la, e Marina sentiu o impacto daqueles olhos verdes cortantes, que pareciam examiná-la até a alma. A arrogância na voz dele era evidente, mas Marina não se intimidou.
— Eu quero fazer a diferença — disse ela, com um tom firme e controlado. — Fiz uma pesquisa de mercado e descobri que esse bairro é o único na cidade que não tem sequer uma clínica odontológica. As pessoas daqui merecem acesso a cuidados básicos de saúde bucal.
Hector arqueou uma sobrancelha, inicialmente parecendo desinteressado, mas logo sua expressão mudou para algo mais sério, e sua voz adquiriu um tom mais agressivo.
— Andou pesquisando sobre minha área? — perguntou, inclinando-se ligeiramente para frente, a intensidade em seus olhos aumentando. — Você trabalha pra quem?
Marina franziu o cenho, confusa e irritada com a insinuação.
— Eu não trabalho para ninguém além de mim mesma. Minha única intenção é abrir minha clínica e atender a comunidade.
Mas Hector não parecia convencido. Ele bateu os dedos na mesa em um ritmo tenso, seu olhar nunca deixando o rosto dela.
— Se esse é realmente o caso, você escolheu o pior lugar para brincar de filantropa, garota. Esse bairro tem suas próprias regras, e gente como você não costuma entender isso. Então, ou você está sendo usada, ou não faz ideia do que está se metendo.
O tom acusatório dele fez o sangue de Marina ferver, mas ela respirou fundo, mantendo a compostura.
— Eu sei exatamente no que estou me metendo, senhor Salazar. Quero apenas a permissão para abrir minha clínica e ajudar as pessoas daqui. Não sou uma ameaça para você, nem para o que você chama de 'regras'.
Hector inclinou-se novamente, seus olhos brilhando com algo entre desconfiança e curiosidade.
— Vamos ver. — Ele se recostou na cadeira, cruzando os braços e observando-a como se tentasse decifrar um enigma.
Após um interrogatório exaustivo, Hector finalmente cedeu. Marina recebeu o documento de autorização, assinado com um selo que carregava o peso da influência dele na região. Antes de entregá-lo, Hector deixou claro, em um tom ameaçador:
— Vamos estar sempre de olho, doutora. E tem mais uma coisa: só pode contratar pessoas do bairro para trabalhar nessa sua clínica. Entendido?
Marina concordou com um aceno, sabendo que não tinha escolha.
— Obrigada pela autorização — disse, mantendo a postura firme enquanto guardava o documento na bolsa.
Hector não respondeu, apenas observou-a com seus olhos verdes incisivos até que ela deixasse o escritório. Quando finalmente atravessou a porta e respirou o ar abafado do corredor, Marina percebeu que estava tonta, uma mistura de tensão e alívio a dominando.
Do lado de fora, Letícia estava à beira de um colapso, andando de um lado para o outro na recepção. Assim que viu Marina sair, correu até ela.
— Você ficou duas horas lá dentro! O que aconteceu? — perguntou, visivelmente desesperada.
Marina esperou até que ambas estivessem no carro, fechando as portas antes de responder. Enquanto ligava o motor, suspirou, tentando organizar seus pensamentos.
— Aquele maluco revirou tudo. Meu celular, olhou as fotos, mensagens, e-mails, até minha lixeira! Ele usou alguma coisa no computador dele que restaura mensagens e arquivos apagados. Tudo isso para garantir que eu não trabalho para alguma facção inimiga.
Marina riu, tentando aliviar a tensão.
— Bom… de fato o crime é organizado!
Letícia, entretanto, não achou nenhuma graça.
— Isso não tem a menor graça, Marina! Você está lidando com criminosos!
— Amanhã voltarei para conhecer o local onde construirei a clínica. Vai vir comigo?
— Eu nunca mais vou pisar nesse lugar na minha vida! — Letícia limpou as mãos no vestido, como se estivesse tentando remover algo contaminado.
Marina revirou os olhos, achando a reação exagerada.
— Certo, drama queen. Então eu vou sozinha.
Enquanto dirigia, Marina refletia sobre o que havia acabado de passar. Apesar do cansaço e do estresse, um sentimento de determinação crescia dentro dela. Não importava o quanto fosse difícil, ela faria sua clínica acontecer.
