Capítulo 4
O céu parecia ter sido tingido de chumbo. Nuvens densas engoliam a luz do sol em Nova York como se pressentissem que algo importante — e absurdamente burocrático — selaria destinos naquela manhã.
Na sala de reuniões da Blake Corporation, o clima estava mais abafado que o habitual. Talvez fossem as paredes de vidro que pareciam reter o ar tenso. Talvez fosse a proximidade entre Olivia e Ethan, sentados lado a lado, como se fossem cúmplices de um crime perfeitamente calculado.
O jovem assistente jurídico, rígido e formal, suava sob o colarinho apertado da camisa. Em mãos, cinquenta páginas de papel timbrado e parágrafos intermináveis de cláusulas. Sua missão era simples: explicar, item por item, o contrato de casamento empresarial entre o CEO da Blake Corporation e uma advogada brasileira prestes a ser deportada.
— Agora seguiremos para a cláusula de coabitação conjugal simbólica. — anunciou ele, com seriedade cirúrgica.
Mas antes que pudesse continuar, a voz de Olivia cortou o ar:
— Você quer dizer… dormir no mesmo teto sem atirar o travesseiro um no outro?
O advogado arregalou os olhos.
— Sim, senhorita Olivia.
Ela cruzou os braços e respirou fundo, tentando conter o riso. A cada nova cláusula — jantares obrigatórios, postagens públicas, visitas mensais à sogra fictícia — Olivia sentia vontade de rir, gritar ou abandonar tudo. Já Ethan se debatia em outro tipo de tortura: a da impaciência. Checava o relógio a cada dois minutos, como se perder tempo fosse um pecado capital.
Enquanto o advogado tagarelava sobre formalidades matrimoniais em latim e termos que nem Olivia usaria no tribunal, ela folheava o contrato por conta própria, em busca de algo... suspeito.
E achou.
— O que é isso aqui sobre dívidas estudantis?
O silêncio que se instalou foi tão repentino quanto desconfortável. O assistente jurídico congelou, virando-se para Ethan como se pedisse socorro com o olhar. Ethan não disfarçou: ficou imóvel, mandíbula contraída. Olivia, por sua vez, já havia encontrado o ponto exato.
— Anexo III, parágrafo 7.3, caso precisem de ajuda para localizar. — disse, com ironia, antes de ler em voz alta:
— “Caso a parte contratada mantenha o casamento por mais de seis meses consecutivos, a parte contratante arcará com a quitação integral de seus débitos de financiamento acadêmico anteriores à assinatura deste contrato.”
Ela baixou o papel lentamente, os olhos cravados em Ethan.
— Você sabe quanto isso representa? Você quer me comprar, é isso?
— Considere um bônus de fidelidade. — respondeu ele, seco, como se estivesse oferecendo café numa reunião qualquer.
A expressão de Olivia vacilou, mas ela recompôs-se. Como boa advogada, sabia esconder o que sentia. Como mulher latina orgulhosa, não queria dar a ele o prazer de vê-la abalada.
— Preciso de um momento para tomar água. Com licença.
Saiu com passos decididos, deixando para trás um silêncio carregado. O jovem advogado trocou um olhar nervoso com James, o secretário de Ethan, que não se conteve:
— Seu pai vai adorar saber que você finalmente achou uma maneira de... controlar alguma coisa.
Ethan apertou o maxilar, mas não olhou para James. A resposta veio dura, seca:
— Isso não é sobre ele.
Claro que era.
Alguns minutos depois, Olivia retornou. Sem dizer palavra, caminhou até a mesa, pegou a caneta com firmeza e assinou o contrato. A tinta mal secou, e ela já estava de pé, pronta para sair.
Mas antes, inclinou-se sobre Ethan, aproximando o rosto perigosamente do dele, e murmurou com um tom que gelaria o sangue de qualquer um:
— Se isso for um jogo de poder, Ethan... cuidado pra não se queimar também.
Ele sorriu de lado. Aquele sorriso que precede o caos.
— Você acabou de entrar no tabuleiro, Olivia. A peça mais instável sempre é a mais perigosa.
No fim da tarde, sites de fofoca corporativa já falavam da união inesperada entre o CEO da Blake Corporation e a advogada sul-americana que ninguém conhecia até então. Olivia acompanhava as manchetes com os pés sobre a mesa, laptop no colo, e expressão entre o choque e a descrença.
“Casamento surpresa no império Blake: CEO Ethan Cavalli oficializa união com advogada brasileira!”
“Olivia Vasques: de advogada discreta a Sra. Cavalli em 24 horas.”
Naquela mesma noite, sentada no sofá com um copo de vinho barato e olhos cansados, Olivia iniciou uma chamada de vídeo. Na tela, o rosto familiar e sorridente de Camila, sua amiga mais próxima em Nova York.
— Me diz que você tá brincando. — disse Camila, com um sorrisinho sarcástico.
— Queria estar.
— Você casou com o CEO. O mesmo CEO que você odeia.
— Contrato, Camila. Contrato. Nada de sentimentos, zero intimidade e… ah, sim, ele proibiu o uso das canetas Montblanc dele. Está literalmente na cláusula.
Camila gargalhou do outro lado.
— Isso vai dar tanto errado…
— Já começou dando. E, pra piorar, ele me paga as dívidas se eu aguentar seis meses. Isso me faz uma esposa de aluguel de luxo?
— Não. Isso te faz oficialmente personagem de uma comédia romântica. E eu exijo spoilers semanais.
Olivia sorriu pela primeira vez no dia. Um sorriso cansado, mas sincero. O jogo tinha começado. E ela, gostando ou não, já era uma das protagonistas.
Sentada na beirada da cama — vestida de pijama e com o cabelo preso em um coque torto — Olivia encarava o contrato sobre a mesinha de cabeceira como quem encara um fantasma. O nome dele, impresso em negrito no topo da primeira página, parecia zombar dela: Ethan Cavalli.
— Arrogante, controlador, obcecado por etiquetas… e agora meu marido de papel.
Ela bufou, apoiando o queixo na mão.
Seus pensamentos giravam em torno de uma única questão: como um homem podia ser tão absurdamente irritante?
Ele era do tipo que corrigia o barista se errassem seu nome no copo, que passava álcool na própria mesa de reuniões três vezes por dia e que, claro, precisava incluir uma cláusula inteira para proibir o uso das suas benditas canetas Montblanc.
Como se isso fosse o maior problema da relação contratual.
— Talvez eu devesse usar uma só por vingança. Assinar um recibo de pizza com uma Montblanc só pra vê-lo ter um colapso nervoso.
Ela sorriu de canto, já visualizando a cena.
De todas as guerras que ela podia imaginar, essa definitivamente não seria vencida com armas comuns. E Ethan Cavalli não fazia ideia de quem tinha colocado no campo de batalha.
