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Capítulo 3

As paredes de vidro nunca pareceram tão opressoras.

Olivia atravessava o corredor com passos firmes, mas cada célula do seu corpo queria parar e voltar. Todos a observavam. Uns com pena, outros com curiosidade mórbida, como se estivessem prestes a assistir a queda de um avião em câmera lenta.

Ela tragava o próprio orgulho a seco, como se isso a mantivesse em pé. Ao chegar à sala da presidência, a assistente mal levantou os olhos antes de dizer:

— Ele está esperando.

Olivia assentiu e abriu a porta de vidro. O clique da maçaneta pareceu ecoar como um veredito.

Ethan Blake estava sentado em sua mesa, com a postura impecável de sempre — terno sob medida, rosto impassível, o relógio no pulso que provavelmente custava mais que o carro que ela dirigia. Ele não levantou os olhos de imediato, apenas fez um gesto sutil com a mão, indicando a cadeira à frente.

Ela entrou.

Fechou a porta.

Sentou-se.

— Senhor Blake, eu...

— Ethan — ele a interrompeu, finalmente erguendo o olhar. — Vamos economizar formalidades. Acho que o dia já começou formal demais, não acha?

Olivia franziu a testa, sem saber se aquilo era sarcasmo ou uma trégua.

— Certo... Ethan. — Ela engoliu em seco. — Antes que diga qualquer coisa, eu gostaria de pedir desculpas novamente. Pelo... pelo incidente no elevador. Sei que foi inaceitável. E se essa reunião for para tratar do meu desligamento, eu entendo. Sinceramente, entendo.

Ele a encarou por um segundo inteiro. E então, falou com a frieza habitual:

— Você será deportada em quanto tempo?

Ela piscou.

— O quê?

— Seu visto. Expirado há três semanas. Departamento de imigração te notificou ontem. Quanto tempo até o processo se tornar irreversível?

Ela hesitou, engolindo a surpresa por ele já saber de tudo.

— Poucas semanas. Talvez menos, se eles acelerarem o processo. Tentei recorrer, mas… é tarde demais.

— Ótimo — ele disse, recostando-se na cadeira. — Isso facilita as coisas.

Olivia arregalou os olhos.

— Facilita?

Ethan cruzou os braços, com a expressão de quem estava prestes a apresentar um plano de negócios.

— Você precisa de um motivo forte o suficiente para permanecer no país. E eu preciso de uma esposa.

Silêncio.

Silêncio absurdo.

— Perdão? — ela perguntou, achando que tinha ouvido errado.

— Uma esposa. Legalmente. Temporariamente. O suficiente para convencer os Hoshikawa de que sou um homem estável. Eles são tradicionalistas, família acima de tudo. Estou prestes a assinar um contrato de bilhões com eles, e deixaram claro que esperam comprometimento pessoal, não só profissional.

Ela soltou uma risada nervosa.

— Isso é uma piada?

— Isso é um contrato. — Ele girou a pasta sobre a mesa e a empurrou até ela. — Leitura rápida. Vinte páginas. Cláusulas claras. Você finge ser minha esposa, eu evito um desastre comercial, você regulariza sua permanência no país. Ganha reputação, segurança, e um bom bônus mensal pela inconveniência. Sem sentimentos. Sem intimidade real.

— Você é doente.

— Só pragmático.

Ela abriu a pasta com mãos trêmulas. Seus olhos varreram as primeiras cláusulas: discrição com a imprensa, presença obrigatória em eventos familiares, assinatura de fotos em redes sociais...

E então ela parou.

— Moradia conjunta? — Ela o olhou, indignada. — Isso aqui diz que eu tenho que morar com você?

— Sim — ele respondeu como se estivesse falando da previsão do tempo. — É essencial para manter a aparência de um casamento real. Fotos espontâneas, rotina doméstica, interações públicas. A mídia é um tubarão — fareja encenação de longe.

— Esqueça. Isso é demais. — Ela bateu com a palma da mão sobre a pasta. — Eu topo fingir. Faço o teatro todo. Mas cada um no seu espaço. Nada de dividir apartamento.

— Negado.

— Você não pode simplesmente negar. Eu tenho o direito de...

— Eu posso negar, sim. Porque isso é uma parceria — e eu estou oferecendo o palco. Se você quer atuar, tem que entrar no meu cenário.

Ela o encarava, incrédula.

Ethan se levantou e deu alguns passos em direção à janela. A cidade se estendia lá fora, fria, indiferente. Ele falou sem se virar:

— Você está com medo de dividir espaço comigo ou de se aproximar demais?

— Não seja presunçoso.

— Estou apenas observando. Você parece mais apavorada com a ideia de convivência do que com a deportação em si.

Ela levantou da cadeira.

— Eu não tenho medo de você, Ethan.

Ele se virou então, e seu olhar encontrou o dela com precisão.

— Mas devia.

A tensão pairou no ar, cortante como uma lâmina fina. E ainda assim, havia algo ali — algo que nenhum dos dois conseguiu nomear, mas que crescia entre os silêncios e as provocações.

Olivia pegou a pasta de volta e respirou fundo.

— Eu vou ler. Mas não prometo nada.

— Eu não preciso de promessas. Preciso de um sim. Até amanhã.

Ela saiu da sala com a pasta pressionada contra o peito e os batimentos acelerados.

Do lado de fora, os colegas continuavam observando, como se tentassem adivinhar o desfecho. Mas nem eles — nem ela mesma — poderiam prever o que aquele contrato de emergência estava prestes a desencadear.

No metrô de volta para casa, Olivia se sentia como se estivesse flutuando num universo paralelo — onde CEOs propunham casamentos e cláusulas proibiam o uso de canetas caras.

Quando chegou em seu pequeno apartamento no Brooklyn, largou a bolsa no sofá, chutou os sapatos para longe e foi direto até a cozinha pegar um copo de água. Mas antes mesmo de beber, seu celular vibrou.

Videochamada: Lúcia.

Ela aceitou a ligação e, na tela, apareceu o rosto sorridente e bronzeado da irmã mais nova, direto do Rio.

— Oi, minha advogada favorita! E aí, como foi o dia?

Olivia soltou um riso nervoso e afundou no sofá.

— Prepare-se pra ouvir a história mais absurda da sua vida.

Lúcia estreitou os olhos, como quem fareja drama.

— Alguém morreu?

— Pior. O Ethan Blake quer se casar comigo.

A irmã piscou.

— O Ethan Blake? O teu chefe bilionário carrancudo que parece ter saído de um filme de vilão sexy?

— Esse mesmo.

— Mas... casar tipo...? Você tá grávida? — Lúcia levou a mão à boca, teatral.

— Não! — Olivia revirou os olhos. — É uma proposta de casamento falso. Pra enganar uma empresa japonesa tradicionalista com quem ele quer fechar um contrato. Eles acham que um homem solteiro não é estável o suficiente. E eu... — suspirou —... eu estou prestes a ser deportada. Ele sabe disso.

Lúcia arregalou os olhos.

— Ele te ofereceu casamento em troca da sua permanência no país?

— Com direito a cláusulas absurdas. Ele quer que a gente more junto. Participe de eventos. Poste fotos. Como se fôssemos um casal real. Ah — e é proibido encostar nas canetas Montblanc dele.

Lúcia soltou uma gargalhada.

— Tá de sacanagem! Isso é um filme da Netflix esperando pra acontecer.

— Não tem graça, Lu. — Olivia passou a mão pelos cabelos. — Eu não sei o que fazer. Isso é insano. Mas se eu não aceitar, eu perco tudo. Perco meu visto, meu trabalho, minha carreira. Minha vida aqui.

A irmã ficou séria.

— E se você aceitar... o que pode perder?

Olivia mordeu o lábio. Não respondeu na hora.

Porque a verdade era que ela não sabia.

Só sabia que, pela primeira vez em muito tempo, sua vida estava prestes a mudar — completamente — por uma decisão que nenhum diploma ou preparação prévia poderia resolver.

— Você vai fazer a escolha certa — disse Lúcia com suavidade. — Mas, seja qual for, promete uma coisa?

— Qual?

— Que vai manter o coração no lugar certo. E os olhos abertos. Principalmente com esse tal de Ethan Blake.

Olivia sorriu, cansada.

— Prometo.

Mas no fundo... ela já sentia que aquela promessa seria a mais difícil de cumprir.

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