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Perdida

— Que babaca. Por que isso não me surpreende? Vamos, Hannah. Vou te mostrar seu quarto. Meus pais ficaram mal por não poder receber você, mas os dois são fanáticos por futebol e não perdem o torneio por nada. Mas amanhã eles vão estar aqui para o café da manhã.

—Não tem problema.

Eu só esperava sobreviver até lá, tendo Eric Flynn como meu anfitrião.

***

Eu tinha tomado um banho longo e bem quente e, agora, estava me vestindo para dormir. Camisa de banda confortável ok, calça de pijama quentinha e confortável ok. Prendi o cabelo em um rabo de cavalo e chequei as mensagens no meu celular, antes de finalmente desligar o aparelho e me deitar na cama. Eu odiava quando as atualizações interrompiam o meu sono, que era muito leve.

Com a cabeça no travesseiro, pensei no internato e na minha própria casa em Nevada. Imaginei como meus pais estariam se sentindo por eu ter preferido passar as férias com amigos e não com eles, e me senti mal por achar bem-feito se eles estivessem aborrecidos comigo. Fechei os olhos, tentando dormir, mas um som baixo e melódico do outro lado me fez abri-los novamente.

Era a voz de Eric? Meu Deus, ela era linda... meu coração acelerou e eu me apoiei em um cotovelo e cheguei mais perto da parede, colando meu ouvido a ela. Fix You, do Coldplay. Eu adorava aquela música. Desisti completamente de pegar no sono. Eu me sentei na cama e me encostei na parede, fechando os olhos e inspirando fundo. Uma sensação quente e aconchegante brotou e depois, tomou conta do meu peito. Imaginei seu belo rosto atormentado, enquanto cantava a canção que falava sobre dor e sofrimento tão bem como nenhuma outra.

Era daquele jeito que ele se sentia? Tentando e tentando sem nunca conseguir? Incapaz de avançar?

Por fim, o silêncio me envolveu, junto com o vazio, e eu me obriguei a voltar para o meu lugar, embaixo do cobertor quentinho dos Flynn.

Então, além de bonito, sedutor e descarado, Eric Flynn também tinha uma voz incrível? Por que eu não estava surpresa? Pensei em seus olhos maliciosos e seu sorriso depravado no rosto. Eu não tinha nenhuma experiência, exceto uns beijos sem sal trocados atrás do internato com os garotos do colégio do outro lado da rua e, de repente, me vi tentada a abrir a porta do quarto e ir procurá-lo. Com certeza, ele seria um bom professor. Seria paciente? Ou apressado? Cobri os olhos com as mãos e sorri, lembrando dos comentários que Rebeca havia feito sobre o irmão.

Vagabundo total sem a menor noção de caráter e boas maneiras.

Na manhã seguinte, eu tinha me conformado em morrer de tédio. O Sr e a Sr Flynn foram aproveitar o sábado ensolarado em uma pescaria, em um lago próximo. Os dois despediram-se de mim, depois do café, e saíram, sorridentes, enquanto Sarah acenava da porta. Eles eram como a família perfeita e eu me sentia muito bem fazendo parte daquilo, mesmo que por pouco tempo. Meus pais eram duas pessoas frias e distantes, preocupadas demais com o mercado imobiliário para perder tempo com a própria filha.

Sarah tinha saído para ir encontrar com o namorado logo cedo, e Rebeca ainda estava no quarto, com uma cólica insuportável. Então, liguei para os meus pais, avisando que tudo estava correndo muito bem, obrigada, e não ... eu realmente não pretendia voltar para casa agora. Minha mãe acusou-me de estar querendo brincar de casinha na casa dos outros, e disse que minha rebeldia não tinha sentido algum. Então, eu desliguei o telefone sem dizer mais nada. O sábado estava bonito demais para permitir seu tom de dondoca da alta sociedade ferir os meus ouvidos.

Fui até o quarto, coloquei um short jeans e um suéter azul de manga longa, e calcei botas de cadarço. De jeito nenhum, o pântano ia me pegar de surpresa. Tinha decidido dar uma volta pela região, fazer um reconhecimento de área, e estava me sentindo empolgada. Sarah e Rebeca já haviam me falado tanto sobre a floresta que era quase como se eu a conhecesse.

Quando saí, olhei para trás, para a casa que ficava no alto de uma colina, rodeada por ciprestes. A Sra Flynn tinha um jardim de rosas vermelhas incríveis, que davam um ar aconchegante ainda que em meio ao ar frio e denso daquela manhã. Sarah havia dito que tratavam-se das rosas premiadas da sua mãe. Aparentemente, Star City tinha um concurso anual de flores que a Sra Flynn estava habituada a ganhar com relativa facilidade, com suas rosas tão peculiares.

Estávamos perto do início do verão e eu relutei em voltar e pegar um casaco, por isso, respirei fundo e comecei a minha expedição pela floresta que tinha uma entrada pela lateral da propriedade dos Flynn. Pensei em procurar o tal lago, mas não queria atrapalhar o romance do Sr e da Sra Flynn, então tomei a direção contrária.

Andei por vários minutos, dentro da floresta espessa, de árvores compridas e de aparência fantasmagórica. Eram os tais ciprestes que Sarah havia falado. Por aqui, eles pareciam ser enormes, muito maiores do que os que havia perto da casa. O pio dos pássaros fez o medo cravar suas garras geladas no meu coração.

Eu tinha me perdido.

Depois de voltas e voltas sem chegar a lugar nenhum, meus pés estavam doloridos e eu não fazia a menor ideia de como voltar. O celular não tinha sinal e, sem outra alternativa, continuei andando, torcendo para reconhecer algum sinal, alguma pista, que me fizesse crer que estava no caminho certo.

O medo me fazia suar apesar do frio que estava fazendo. Meu cabelo foi se soltando do rabo de cavalo e, agora, caía em mechas na frente do meu rosto. Depois de um tempo, comecei a sentir fome lembrei, com raiva de mim mesma, que tinha dispensado o café da manhã para fazer aquela expedição idiota.

— Você é uma imbecil, uma droga de uma imbecil —  reclamei, enquanto me equilibrava por cima de um punhado de pedras que pareciam levar a uma trilha.  — Que tipo de pessoa sai sem rumo por um lugar que nunca viu na vida?

— O tipo de pessoa está fugindo de alguma coisa.

A voz rouca atrás de mim me fez girar sobre os calcanhares e eu me desequilibrei, mais uma vez indo parar nos braços de Eric. No processo, acabei arranhando o tornozelo nas pedras, mas esqueci da dor quando seus olhos me prenderam em uma espécie de campo magnético. Mesmo quando eu tentei me libertar dos seus braços, nós dois acabamos agarrados um ao outro, e sem fôlego.

Quando Eric garantiu que eu estava segura, ele foi se agachando e quando dei por mim, já estava ajoelhado à minha frente. Colocou meu pé sobre a sua coxa e conferia os dois grandes arranhões vermelhos no meu tornozelo esquerdo. Arregalei os olhos, respirando rápido, quando ele passou os dedos de leve sobre o ferimento.

— Está doendo?

—  Um pouco.

Senti as bochechas arderem porque minha reação não tinha sido à dor, mas às suas carícias provocantes, e quando tentei tirar o pé do seu colo, ele me segurou com mais firmeza.

— Você parece uma coelhinha assustada  na floresta. Está com medo?

—Eu saí para dar uma volta e acabei me perdendo.

— Isso eu percebi.

—Ótimo, pode me levar de volta?

Ele me observou em silêncio por algum tempo.

—Depende. Posso te chamar de coelhinha?

Minhas sobrancelhas estreitaram.

— Achei que tivesse decidido me chamar de cachorro perdido.

O olhar dele me varreu, lentamente, de baixo para cima, passando pelas minhas coxas vergonhosamente nuas e pelo suéter que fazia o contorno dos seios, até chegar aos meus olhos.

— Me desculpe por aquilo —Eric se levantou, deixando meu tornozelo em paz finalmente. — Não costumo ser uma pessoa muito amigável. Mas sou especialista em salvar jovens donzelas em perigo.

— Sorte minha.

Ele abriu um sorriso torto que me fez perder o ar e eu desviei os olhos para a floresta nada acolhedora ao redor.

—Estamos perto do pântano?

— Não ou você teria quebrado o pescoço — ele fez um gesto simples, indicando o caminho pelo qual eu deveria seguir.

Estava usando jeans e uma camiseta branca de algodão, com a estampa de uma banda que eu não conhecia, e eu segui na direção em que ele apontava, com ele em meu encalço.

— Não está com frio?

—Por quê? Você quer me esquentar? — sua voz irônica chegou até os meus ouvidos me causando um arrepio a contragosto. —  Você vai descobrir que as manhãs e noites por aqui são frias, mas as tardes não.

—Que horas tem?

—É perto do almoço. Meus pais pediram que eu viesse procurar você.

—Ah, droga — murmurei. —  Eu não quis preocupar ninguém.

—Claro. E, também, não quis me escutar ontem à noite. Foi sem querer.

— O que? — eu olhei para trás sobre o ombro e ele não estava sorrindo agora.

—Ontem à noite, quando eu estava tocando — ele me olhou, irritado. —  Eu ouvi você cantarolar a música.

Eu tinha feito isso?

Meu Deus, que vergonha.

Mas as paredes daquela casa eram feitas de papel por acaso?

— Sinto muito. Não quis invadir sua privacidade.

— Tem muitas coisas que você poderia fazer para invadir minha privacidade, mas não essa. Eu não gosto de plateia.

Quando o caminho se torno mais largo, ele passou para o meu lado. Seus cabelos castanho-dourados brilhavam sob a luz do sol, revoltos pela brisa morna que nos atingia em cheio.

Eric tinha razão. O ar frio da manhã dava lugar a um calor agradável. Suas bochechas tinham assumido um tom corado que tornava ele ainda mais fofo. Mas não tinha nada de fofo no jeito que ele olhava para mim. Nem nas coisas que dizia. Seus olhos verdes tinham uma tonalidade que eu nunca tinha visto antes. Além disso, eram jocosos e ferinos, e pareciam estar sempre tirando sarro da minha cara.

— O que você veio fazer aqui? Por que não voltou para sua casa como todo mundo? — ele não estava me expulsando, apenas genuinamente curioso.

— Eu não tinha nada para fazer em casa.

— Não está com saudades dos seus pais?

— Não muito.

— Entendi.

Senti sua mão ao redor do meu pulso e parei de andar, quando ele fez o mesmo. Ficamos frente a frente. Seus olhos brilhavam e ele tinha aquele sorriso malicioso no canto da boca, que me deixava nervosa e afetada. Meu olhar correu pelo braço musculoso, com as tatuagens escuras, e pela sua pele morena e macia.

— Não precisamos voltar para casa de verdade, Hannah. Se você não quiser.

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