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Confissões

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Rebecca Santiago
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Resumo

Ao aceitar passar as férias do internato na casa de suas melhores amigas, Hannah Scott não imaginava se apaixonar pelo irmão delas, Eric Flynn, um jovem sexy, sarcástico e enigmático que tem sempre um sorriso no rosto e uma piada pronta. Mas o que Hannah não sabe é que Eric esconde um segredo capaz de colocar os sentimentos da garota a prova e, também,  a sua vida em perigo.

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Eric Flynn

— Acorda, Hannah. Você vai se atrasar.

— Ela não vai se atrasar... porque já está atrasada.

Abri um olho e logo tornei a fechar, quando a luz fraca da lâmpada do quarto incidiu sobre ele. Com certeza, ainda não passava das seis da manhã. Lá fora, deveria estar escuro e se eu me concentrasse bem, poderia ouvir uma coruja piando em algum lugar. Então, eu não entendia porque havia duas intrusas na minha cama, se mexendo de um lado para o outro e fazendo o colchão balançar de um jeito que me fazia querer vomitar.

— Ela bebeu muito. Você não deveria ter deixado ela beber tanto assim. Principalmente porque sabia que a gente ia precisar pegar o trem cedo.

— O que você está querendo dizer com isso, Sarah? Você também estava lá. Porque não tentou impedi-la? Ah, já sei! Porque estava ocupada demais mandando tequila para dentro?

— Ha ha ha, engraçadinha. Bom, pelo menos eu já estou acordada.

Eu era obrigada a confessar que amava essas duas. Mesmo que, agora, eu estivesse querendo esquartejá-las com um machado e jogar os pedacinhos para os tubarões. Ainda assim, nos cinco anos de colégio interno, elas se tornaram o que nós poderíamos chamar de... minha família.

A Srta. Tequila era Sarah Flynn, uma verdadeira rainha da beleza, com cabelos louros brilhantes e um sorriso gentil. Ela tinha deixado um namorado em sua cidade natal, a leste de New Orleans, e não conseguia parar de falar nele por mais do que um minuto, quando nós duas nos conhecemos. Escrevia longas cartas diárias, porque dizia que e-mails eram muito convencionais e pouco românticos.

Rebeca Flynn, sua irmã mais velha, era o seu completo oposto. Com olhos castanhos, grandes e inquisitivos, ela tinha uma língua afiada que usava para desafiar normas e autoridades do colégio. Tinha um visual gótico, que incluía roupas pretas, botas e correntes, além de um cabelo vermelho com as pontas descoloridas. Ela usava aquele charme peculiar para afastar as pessoas e, por um tempo, aquilo chegou mesmo a me convencer.

Rebeca não tinha namorado. Ela dizia que os homens não tinham valor algum, exceto poucas horas de diversão para muitas de dor de cabeça, o que era o seu lema, e tentava convencer a mim e a Sarah sobre suas idéias de independência e liberdade.

Eu amava aquelas duas e... bem, todo aquele amor foi o bastante para fazer eu tomar a decisão mais maluca de todas.

— Juro por Deus que nós duas vamos deixar você aí — Sarah ameaçou, arrastando uma mala pesada para fora do quarto.

Através da porta aberta, eu conseguia ouvir os barulhos do Internato God Valley. Vozes femininas, risadas altas e choros compulsivos. As alunas estavam se despedindo no final de mais um ano. Era hora de voltar para casa, rever a família e fingir que não odiávamos nossos pais por terem resolvido que trancar seus filhos, permanentemente, era uma decisão madura e não a coisa mais egoísta que já tinham feito.

— Vai me deixar morrer sozinha afogada no próprio vômito? —eu grito para que ela me escute lá de fora.

— Se você morrer, sepultamos você com uma garrafa de Jack Daniels.

—Você é incrivelmente doce. Obrigada, Rebeca.

— Sabe o que não é nada doce? — ela pula para fora da cama, com suas botas Dr. Martens fazendo barulho ao se chocar contra o piso de madeira polido. — Deixar suas duas melhores amigas na mão. Então levanta essa bunda raquítica da cama e vamos logo pegar a porra do ônibus até a porra do trem, porque eu PRECISO fumar um cigarro.

Essa era Rebeca Flynn. Uma palavra gentil saída da sua boca para cada vinte palavrões que ela dizia.

— Tudo bem, já estou me levantando...

Troquei o pijama por um jeans e uma blusa vermelha de amarrar e escovei os cabelos até eles estarem minimamente aceitáveis. Eram longos e castanhos, caindo em ondas largas e suaves até quase o meio das costas. Meus olhos eram da mesma cor, nem claros, nem escuros, e o meu nariz, ligeiramente arrebitado fazia as pessoas terem a impressão de que eu era a rainha da antiparia quando, na verdade, eu era só antissocial mesmo.

Além disso, eu não tinha um corpo de capa de revista. Era magra e só, sem muitos atrativos, apesar de ter pelo menos seios razoáveis. Gostava de roupas simples e tinha costumes simples. Era o tipo de pessoa de quem só se podia gostar, quem conhecesse bem. E escolhia minhas amizades da mesma forma. Em geral, me preeocupava com os estudos, mas não sabia o que queria fazer da vida ainda.

Deixamos o quarto — até logo, internato! — e, quinze minutos depois, minhas amigas e eu estávamos no ônibus que levava os alunos de God Valley até a estação de trem. E, após uma longa mas tranquila viagem, chegamos de trem a New Orleans, a terra do jazz e de Louis Armstrong. E, também, os temidos furacões.

***

— Aqui é quente — eu alonguei o pescoço, quando descemos do trem na estação de Nova Orleans. — Ainda falta muito para Star City?

—Não, a cidade fica a vinte quilômetros daqui —Sarah se virou para a irmã com a testa franzida. —Eric não deveria estar aqui?

—Eric sempre deveria estar em algum lugar. O problema é que ele nunca está, quando precisa de verdade.

—Ah, não fala assim.

O despachante entregou nossas bagagens, rapidinho, e eu tentei acelerar o ritmo para acompanhar Sarah e Rebeca,  embora minha cabeça ainda estivesse a ponto de estourar. Eu não era adepta das bebedeiras, mas a festa de despedida anual era um ritual obrigatório e eu não queria passar o ano seguinte excluída do convívio social.

A estação estava lotada, com gente trafegando de um lado para o outro, correndo com malas nas mãos como se suas vidas dependessem disso.

— O que nós estamos esperando? —arrisquei, sentindo o all star branco sem cano apertar em lugares inimagináveis. E era por isso que eu odiava sapatos novos.

Rebeca olhou para trás, séria.

—O babaca do meu irmão.

— Ah.

Certo, Eric Flynn. Eu conhecia o babaca. Não pessoalmente... ele nunca tinha chegado a visitar o internato, embora irmãos tivessem permissão de fazê-lo, assim como os pais, o que vinha me deixando um pouco intrigada, todos aqueles anos.

Eu o conhecia das histórias aterrorizantes que Rebeca e Sarah costumavam contar. Como na vez em que ele colocou sapos nas camas das garotas e elas despertaram gritando a noite. Ou quando colocou a mão de Alice dentro de um jarro cheio de água e ela acordou depois de fazer xixi. Ou no dia em que fez Sarah achar que ia beijar um garoto na escola e ela acabou sendo lambida na boca por um Labrador.

— Olha, ali está ele  — Sarah sorriu, cutucando a irmã com o ombro.  —Eu não disse a você que ele vinha?

Precisei ficar na ponta dos pés e esticar o pescoço para ver através da multidão de corpos passantes, até localizar o cara parado do outro lado da estação. Meu coração parou. Ele parecia calculadamente entediado e provocante. Era alto, um corpo definido e atraente, mas sem exageros. Usava óculos escuros que exercitavam ainda mais a imaginação de qualquer garota, além de jeans e camisa preta onde estava escrito "Sexo e Rock não é para os fracos" em letras brancas. Seu sorriso era ousado e petulante, muito debochado, e segurava uma placa entre as mãos que dizia: "Irmãs Sapo".

Respirei fundo, perturbada, ao mesmo tempo em que ele olhou na minha direção.

E o sorriso dele aumentou.

— Ora, ora, o filho do diabo em pessoa  — Rebeca tirou a mala pesada do chão com um grande impulso. Seus braços eram finos e sua estrutura frágil, mas ela foi caminhando na direção do irmão com determinação. Sarah a seguiu, depressa, e eu me arrastei atrás das duas, com minha própria bagagem. — Pensei que você não ia chegar nunca.

—É bom ver você, também, Rebeca — a voz dele era rouca e provocante, e fez meu coração palpitar um pouquinho.  — E uma agradável surpresa saber que as freiras não deceparam sua língua. Como conseguiu isso?

—Aposto que você teria adorado ver isso.

—Você acabou de ganhar uma aposta.

— Eric, eu até senti um pouquinho sua falta — Rosalie interrompeu a troca de afeto dos dois. Ela soltou a mala com um estrondo alto e abriu os braços para o irmão mais velho. — É muito bom estar de volta.

—É bom ver você, também — ele retribuiu o abraço, enlaçando ela pela cintura, o que me permitiu ver todas as tatuagens que ele tinha nos dois braços, desenhos longos e fluidos em tinta preta. Alguns tribais e outros pareciam ser versos de músicas ou poemas.

Então, Eric a pousou no chão novamente. Ela olhou para mim, por cima do ombro, e sorriu, quando ele disse algo em seu ouvido.

O que será que eles estavam cochichando tanto?

Quando se separaram, ele olhou diretamente para mim com um sorriso preguiçoso nos lábios. Seu cabelo era claro e revolto como se ele não tivesse penteado, mas de alguma forma, caía bem nele.

— E você deve ser o cachorrinho perdido.

Eu pisquei algumas vezes, sem palavras — do que será que ele estava falando? — , até que Rebeca me puxou pelo braço na direção da saída tumultuada.

—Não liga para ele. É um idiota com piadas idiotas.

— Eu não estou ligando — garanti, sentindo o rosto queimar.

***

Eric era o motorista e Sarah se acomodou ao seu lado, enquanto Rebeca  e eu dividimos o banco de trás da confortável pickup.

A viagem foi curta, como elas haviam dito, e menos de vinte minutos depois, trocamos o frenesi intenso da cidade pelo ar agradável e bucólico do campo. Minha família era de Nevada, nossa casa ficava perto de Las Vegas, e eu nunca tinha visto nada tão calmo e bonito.

— É aqui que vocês moram?  — eu disse a Rebeca, admirando os enormes pinheiros que ladeavam as calçadas  e as casas enormes de madeira e aparência colonial. — É lindo...

— Se com "lindo", você quer dizer chato e chuvoso — um sorriso brotou nos seus lábios e ela desfez a careta. — É, mas até que é legal. Temos um lago incrível e uma floresta que dá para fazer até uma fogueira bacana.

—Ah, e você precisava ver os ciprestes — Sarah sorriu, olhando para trás. —São espetaculares.

Eric piscou um olho para mim, pelo retrovisor, e eu acabei corando.

—Temos um pantâno, também. É onde vive o aligator.

—Idiota — Rebeca revirou os olhos.

Quando o veículo parou, ele foi o primeiro a descer. Sarah pulou para fora da pick up e arrastou sua mala enorme para a porta da frente, sem querer ajuda do irmão mais velho. Eu sabia que ela estava ansiosa para rever os pais.

Rebeca desembarcou logo em seguida mas, quando eu fui descer, tive um pequeno acidente. A pickup era alta e acabei escorregando ao errar o degrau. Me preparei para a queda inevitável, mas acabei nos braços Eric, que me segurou com facilidade.

—Tudo bem?

Não confiei na minha própria voz. Por isso, balancei a cabeça algumas vezes, torcendo para ele me soltar logo e rezando para que não fizesse isso nunca. Seu cheiro de cigarro e hortelã e o calor do seu corpo me envolveram em uma neblina densa, e o meu coração acelerou enquanto ele mantinha os braços em volta da minha cintura.

—Vem, Hannah — Rebeca chamou, andando na frente. —Ajude ela com a mala, seu imprestável.

Eric passou a língua pelo lábio inferior. Seus olhos eram verdes e hipnotizantes, eram os olhos de um gato. Tentei me lembrar de tudo o que havia ouvido sobre ele. Sarah dizia que ele era sincero e aventureiro. E Alice... o que ela havia dito mesmo sobre seu irmão? Ah sim, um vagabundo total sem a menor noção de caráter e boas maneiras.

Merda.

Eu estava mesmo ferrada.