Malícia
Segui Eric pela floresta, ainda me recompondo.
Durante todo o caminho, ele pareceu perdido em pensamentos particulares, o que não me deu muita chance para fazer perguntas ou tentar entender a mudança no seu comportamento. Por sorte, tê-lo como guia, facilitou em duzentos por cento, minha chegada a propriedade dos Flynn, que assomava de cima da colina como se tivesse olhos e me vigiasse.
A casa, de repente, não me parecia tão acolhedora assim. Não quando o humor de Eric havia sido destruído. Assim que entramos em casa, ele subiu as escadas correndo e eu ouvi o estrondo quando bateu a porta do quarto.
— O que aconteceu? — Rebeca veio da cozinha, descalça, com um pote de sorvete nas mãos. — Que barulho foi esse?
— Não sei — menti, olhando para a sua sobremesa. — Você já almoçou?
Ela fez uma careta.
— Sinto muito. Esperamos você por algum tempo, mas depois, a fome foi maior do que as boas maneiras.
— Não tem problema. Será que você deixou alguma coisa para mim nas panelas?
— Não, comi tudo — ela riu, travessa. — Brincadeirinha. Acho que você pode achar alguma coisa, se garimpar bem.
Depois do almoço, subi para tomar um banho e, enquanto escovava o cabelo pude ouvir, a voz de Eric no outro quarto. Ele estava cantando, outra vez, mas a música era outra, que eu não conhecia. Sentei na cama, de costas para a parede em comum, assim como tinha feito na noite passada, e fechei os olhos, sentindo meus ombros relaxarem.
Eric era incrivelmente afinado. Por que ele não gostava que as pessoas o escutassem?
Imediatamente, pensei em como seria se eu tivesse deixado ele chegar aonde queria, hoje à tarde, no rio. Duvidava que eu suportaria olhar em seu rosto com naturalidade, depois de tê-lo beijado – ou pior! — ter feito sexo com ele. Ter que aturar seus sorrisos de provocação, seus olhares sedutores à mesa...
Quando a música acabou, novamente, ele entrou naquele modo silencioso que me deixava perturbada e eu continuei trancada no quarto, embora morrendo de vontade de vê-lo de novo. O frio da manhã havia se transformado em um calor insuportável, que estava me sufocando. Não tinha ar-condicionado no quarto, por isso, eu ia ter que me virar como podia. Tirei a blusa e fiquei de short e sutiã. Abri bem as janelas e me deitei na cama, com o meu celular e fones de ouvido.
Resultado? Acabei pegando no sono e, quando acordei, o sol já tinha se posto. Droga. Perdi quase a tarde toda dormindo. Fiquei ainda um bom tempo deitada na cama, mole do calor e da preguiça, admirando o belo arranhão no tornozelo que eu tinha recebido como prêmio pela minha aventura daquela tarde. Isso me fez pensar nos dedos de Eric passeando daquele jeito sexy e fazendo os pelos da minha perna eriçarem. Ele tinha me olhado como se soubesse cada perversão atravessando o meu cérebro naquele momento. E eu duvido que ele não soubesse de verdade.
Finalmente, eu me levantei, joguei uma água fria no rosto, escovei os dentes e desci as escadas para me juntar a família. Para minha surpresa, o Sr. Flynn já estava sentado a cabeceira da mesa e sorriu para mim:
— Boa noite, Hannah. Conseguiu descansar um pouco? — era um homem ainda jovem, com poucos cabelos brancos e olhos verdes simpáticos.
— Sim, obrigada. Eu não sabia que estava tão cansada até me deitar na cama.
Meu coração deu um salto dentro do peito, quando Eric desceu as escadas com passos vigorosos. Ele ainda parecia mal-humorado, mas estava lindo, também, com o cabelo revolto e uma camisa preta lisa que escondia os músculos que eu havia visto hoje, mais cedo, mas deixava as tatuagens a mostra.
— Boa noite, filho.
Eric não respondeu, ocupando o lugar ao meu lado, embora todas as outras cadeiras estivessem vazias. Eu me remexi, desconfortável, com medo do olhar inquisitivo do Sr. Flynn sobre mim, mas logo a Sra Flynn chegou, com uma travessa fumegante nas mãos, e ele se esqueceu de todo o resto.
— É melhor você esperar as meninas dessa vez — ela disse a ele, puxando a cadeira ao seu lado e sorrindo para mim. — Boa noite, Hannah. Eric. Se divertiram hoje, no rio?
O olhar de Eric para mim foi malicioso.
— Ah, sim. Ela ficou toda molhada.
Merda.
Eu estava tentando me servir de um pouco de suco, enquanto a mão dele colocava os pratos, minhas mãos tremeram e eu acabei derramando algumas gotas na toalha.
— Droga. Me desculpem...
— Não tem probmema nenhum — a Sra Flynn gesticulou. — Você não tinha uma roupa de banho?
— Eu não estava preparada. Não tinha levado um biquíni.
— Então precisa voltar lá com um biquíni da próxima vez. Não tem nada melhor do que tomar banho naquele rio. A não ser quando está frio. Brrr — ela estremeceu com uma careta, antes de dar uma garfada.
— Tenho certeza de que ela não sentiu frio — Eric deu de ombros, terminando de se servir. — Estava quente hoje, não estava, Hannah?
— Um pouco.
— Só um pouco? Mas você estava toda suada e... ofegante.
Virei o rosto para ele com uma expressão de reprovação. Eric estava com a cabeça virada para baixo, no entanto, e nem viu. Estava rindo. Por que gostava tanto assim de me atormentar?
— Eu andei bastante até o Eric me encontrar. Foi uma estupidez minha, sinto muito.
— Ah, Hannah. Por que decidiu sair para explorar sozinha? — o Sr Flynn parecia preocupado. —Isso é tão perigoso. Essa floresta pode ser traiçoeira. Sorte sua que Eric estava lá para proteger você.
Os lindos olhos verdes de Eric encontraram os meus por baixo das longas pestanas e eu soube de imediato que não gostaria do que ele tinha a dizer.
— Algumas garotas ficam excitadas com esse lance de exploração. Elas curtem o perigo.
—Isso é besteira — o Sr Flynn refutou. — E Hannah não é esse tipo de garota tola.
Eric continuou me olhando, esperando meu posicionamento sobre o assunto, mas para o meu próprio bem e minha sanidade mental, decidi ignorá-lo o resto do jantar. Já chega de dar a atenção que ele tanto precisava.
A conversa na mesa continuou, especialmente quando Sarah e Rebeca desceram para se juntar a familia. Mas eu continuei em silêncio, perturbada pelo sarcasmo irritante de Eric e seus duplos sentidos. O que ele queria comigo? O que via de tão interessante para querer me provocar o tempo inteiro?
Quando terminei de comer, pedi licença e subi as escadas de dois em dois degraus, desesperada para estar em segurança, longe das palavras dúbias de Eric Flynn e toda a sua arrogância.
Pouco tempo depois, eu estava na cama, ouvindo música e respondendo minhas mensagens. Falei com meus pais, só para descobrir que minha mãe estava envolvida em um novo projeto beneficente, e meu pai jogando pôquer com uns investidores. É, as coisas realmente não mudavam em Nevada. Não quando nós estávamos falando dos meus pais. Mamãe logo desligou o telefone, dizendo que me ligaria assim que tivesse tempo.
Foi quando bateram na porta. Achei que fossem Sarah e Rebeca, com perguntas sobre o meu comportamento estranho lá embaixo, então me levantei, pacientemente, e abri a porta, mas para minha surpresa, era Eric que estava do outro lado.
—O que você está fazendo aqui? — passei as mãos pelo cabelo, atordoada, tentando recompor meu simples rabo de cavalo que deve estar uma bagunça.
Ele mexeu os lábios, mas não consegui entender uma palavra do que estava falando.
—O que?
O garoto estendeu as mãos, tirando meu fone, enquanto me encarava com um princípio de irritação.
Ah, sim. Bem melhor.
—Eu perguntei se você quer suflê.
Só então eu vi a pequena taça de sobremesa em suas mãos. Uma onda de indignação se apossou de mim, com tanta força, que eu tive que me conter para não jogar Eric, sua cara de pau e o suflê no chão.
— Suflê?
— É, suflê. Aquela sobremesa gostosa, fofinha, e que nesse caso é de chocolate. Já ouviu falar?
— Não, eu não quero — dei a ele um sorriso nervoso, enquanto sentia meu pescoço pinicar de raiva. — Na verdade, eu não quero nada que venha de você, Eric Flynn. Nada mesmo. Nada.
Ele passou a língua pelos lábios, aguardando que o meu ataque de ira passasse, e então perguntou com toda a tranquilidade do mundo:
—Isso é por causa do que aconteceu hoje, lá no rio?
— Não aconteceu nada.
—Não aconteceu porque minha irmã e o namorado dela chegaram antes. Não porque você não quisesse — seus olhos me perfuraram. — E quer saber, eu é que deveria estar chateado por aquilo. Fui eu que fiquei de pau duro por sua causa e você me deixou sozinho lá na água e nadou para longe como se eu fosse uma escória.
—Não é verdade — eu tentei ignorar a parte do pau duro porque só de pensar nisso, meu corpo todo formigava. —Eu nadei porque fiquei com vergonha.
—E por que?
—Porque, desde que eu cheguei aqui, você foi um idiota comigo. Me tratou mal de todas as formas e...
—Isso foi por que eu te chamei de coelhinha?
—E de cachorro —eu olho para ele com raiva.
—Já pedi desculpas por isso.
— E por me envergonhar na frente dos seus pais? Você também pediu desculpas.
Ele abriu um sorriso torto que me deixou sem fôlego.
— Foi engraçado.
— Não, não foi.
— Ok — Eric suspirou, apoiando-se no batente da porta, com um olhar profundo e sedutor para mim. — Quero te compensar por todas essas coisas, Hannah. Você me dá a chance?
Meu coração palpitou tão forte que senti uma pressão nos ouvidos.
—E como acha que vai fazer isso?
—Vou bater na sua porta mais tarde — ele avisou com um olhar obsceno. — Esteja pronta para receber seu pedido de desculpas.
