A Roda Gigante
Como eu esperava, Rebeca e Sarah logo subiram para ver como eu estava e o que tinha acontecido para me deixar tão incomodada no jantar.
Eu disse a elas que estava com dor de cabeça e não me sentia muito bem, o que, também, foi uma desculpa para não ter que sair com as duas naquela noite. Sarah tinha um encontro com Jack, e queria me arrastar de todas as formas com eles, e Rebeca tinha a pretensão de ir junto, mas como eu recusei o convite, também decidiu abrir mão. Não ia ficar segurando vela para a irmã.
Quando elas saíram do quarto, tentei me distrair de todas as formas. Eric não disse a que horas vinha e eu imaginava que não fosse assim tão cedo, porque, vindo dele, tudo deveria ser o mais secreto e obscuro possível, o que me deixava, ao mesmo tempo excitada e com medo.
Olhei para o relógio. Eram nove da noite. Abri o guarda-roupa, procurando alguma coisa para vestir, quando percebi, aterrorizada, que não fazia ideia do tipo de roupa que deveria usar. Ou... se deveria usar alguma roupa. Pensando bem, Eric não tinha dito nada sobre sairmos daquele quarto, o que era, no mínimo, um motivo para eu começar a morrer de ansiedade.
Por desencargo de consciência, coloquei uma blusa nova branca, que eu não costumava usar por causa do decote revelador, e um short jeans curto que eu gostava de usar com tudo, porque deixava meu corpo, que era pouco voluptuoso, um pouco mais interessante. Aproveitei que o calor do dia dava lugar a brisa fria da noite e soltei o cabelo, escovando ele até as ondas caírem sobre os meus ombros, castanhas e macias. Então respirei fundo e aguardei, sentada, na cama, balançando as pernas para frente e para trás em um ritmo cadenciado.
Três batidas na porta me causaram um sobressalto.
Consultei o relógio de pulso. Eram dez da noite. Nem muito cedo, nem muito tarde, concluí com um suspiro trêmulo, enquanto respirava fundo e me levantava, caminhando até a porta em direção ao incerto.
Quando abri, os olhos verdes de Eric me fitaram dos pés a cabeça, descendo pelo meu corpo tão lentamente que eu mantive a respiração presa, aguardando seu julgamento. Ele estava usando uma camisa branca, que contrastava com a pele morena e macia, e uma jaqueta de couro que dava um ar perigoso ao mesmo tempo em que escondia suas tatuagens.
— Você não precisava ter vestido tanta roupa. Vai dar trabalho ter que tirar tudo.
Estreitei os olhos, passando por ele ao sair do quarto, com a pele formigando.
— Engraçadinho.
Desci as escadas com Eric logo atrás de mim. Tive que fingir não notar como ele reparava minha bunda e, involuntariamente, quando chegamos ao último degrau, dei um passo para trás para ficarmos lado a lado.e acabar com aquele tormento.
— Pronta para ser sequestrada?
— Eu espero que sim. Onde estão seus pais?
— Dormindo.
— E Sarah? E Rebeca?
— Eu não sei — ele levantou uma sobrancelha. — Por que você não para de fazer perguntas? É tão irritante.
Eu não sabia dizer. Provavelmente porque estava nervosa, com contrações involuntárias no estômago que eram assustadoras.
Saímos de casa, em direção a pick up de Eric, que estava parada em frente ao portão. Ele apontou o chaveiro automático e a porta abriu, com um estalo suave. Abriu a porta e me fez deslizar para o banco do carona, sentindo cheiro de couro novo.
Aguardei, paciente, enquanto Eric assumia o volante. Ele bateu a porta com um baque e ligou o carro, olhando dentro dos meus olhos antes de acelerar.
—Tem certeza do que está fazendo?
Ele estava brincando?
Eu nem sabia o que estava fazendo!
— Para onde está me levando?
Eric Flynn sorriu, diabólico, dando a partida.
— Que tipo de sequestrador você pensa que eu sou Hannah Scott? Um principiante?
***
— Não está com frio?
Eu olhei para Eric ao meu lado e balancei a cabeça, em negativa. Tínhamos acabado de descer da pick up e estávamos andando na direção de...
Na direção de que?
Vi luzes brilhantes no alto e considerei que fosse uma espaçonave. Eric estava me levando para ser abduzir na sua nave especial? Não me parecia assim tão impossível.
— Aquilo é uma roda gigante? — perguntei, apertando os olhos para enxergar melhor.
—Vou fingir que você não fez essa pergunta, porque é óbvio que é... uma roda gigante — ele revirou os olhos, rindo da minha confusão. — Anda, pega a minha jaqueta.
Aceitei a oferta, porque os pelos dos meus braços estavam arrepiados. Quando a vesti, senti seu cheiro impregnado nela e quis me aconchegar no couro macio, mas resisti bravamente.
— Tinha um parque aqui, quando eu era criança. A gente sempre vinha, Sarah, Rebeca e eu. Com os nossos pais. Era incrível.
Chegamos em frente ao portão de ferro e a roda gigante assomou, apagada, do outro lado. Agora eu podia ver com mais clareza. E as luzes que eu havia visto não eram dela. Eram as estrelas no céu. Puta merda. O céu era bem estrelado por aqui. Era a coisa mais linda que eu já tinha visto. Devia dar para identificar um monte de constelações.
— Não funciona?
— Está brincando? É claro que sim. Vamos entrar e você vai ver.
— Mas está fechado.
— O parque foi desativado há muitos anos. Está vendo ali? — Eric apontou para a placa de Entrada Proibida que eu ainda não tinha visto. — Vem comigo.
Eu ia perguntar para onde, mas ele agarrou com as duas mãos no portão e deu um salto, subindo pela grade. Pela fluidez de movimentos, eu poderia apostar que Eric tinha muita experiência em escalar coisas e assisti, imóvel, até ele saltar para o chão do outro lado.
— Você quer que eu vá te buscar aí de carro?
— Merda...
Tentei fazer como ele. Envolvi meus dedos nas grades e dei um impulso, com o pé direito, me lançando para cima. Quando eu cheguei ao alto... puta merda... eu morria de medo de altura. E, não que ele fosse obrigado a saber disso, mas eu odiei Eric com todas as forças naquele momento.
O portão era realmente alto. Droga. Tentei passar uma perna trêmula para o outro lado, por cima da grade, mas acabei agarrada a ele, como uma criancinha assustada, o que me deu a chance de me humilhar mais um pouquinho na frente dele.
— Se você cair, eu te seguro. Vem, Hannah — a voz grave dele chegou, distante, até os meus ouvidos, o que me fez crer que, de jeito nenhum, ele iria conseguir amenizar o meu impacto no chão.
Finalmente, consegui firmar o pé na junção da grade e fui descendo, tão devagar quanto possível, até que, com o coração aos pulos e gotas de suor brotando na testa, consegui chegar em terra firme.
— Você foi muito bem — ele elogiou, um cigarro aceso pendurado no canto da boca.
— Claro que fui. O que deu na sua cabeça? Ficou louco? Eu poderia ter quebrado o pescoço.
— Você não ia quebrar nada porque eu estava aqui.
— Ah, claro...
— Precisa ter um pouco mais de fé nas pessoas, Hannah. Vem.
Ele estendeu a mão que, relutante, eu segurei. Ela estava quente e, quando percebi minhas palmas moles e suadas, tentei me soltar, mas Eric me prendeu sem me dar a menor chance.
— Não precisa fugir de mim, Coelhinha — ele sussurrou, com um olhar perverso. — Ainda — e me puxou com ele para dentro do lugar.
***
O parque de Star City era, na verdade, um amontoado de escombros. Quase um ferro velho. Mas, com mais atenção, eu podia enxergar o que ele tinha sido, um dia. E o charme que fazia os olhos de Eric acenderem a cada passo que dava pelo lugar.
—Sabe qual era o meu brinquedo favorito?
— Deixa eu adivinhar: a roda gigante?
— Não. A montanha russa. Você gosta de adrenalina, Hanna?
— Não muito — confessei.
— Não sabe o que está perdendo. A sensação de frio na barriga, mãos suadas, garganta seca e um peso no estômago que te leva direto para baixo. Já sentiu isso?
Sim, com você.
— Acho que não.
— Se não sabe, não sentiu. Vamos resolver isso hoje — com uma mesura desnecessária, abriu a porta para a roda gigante. — Primeiro, as damas.
— Nossa, quanta gentileza. Você tem certeza de que isso é seguro, não tem?
— Não.
— Eric!
— Ok, é cem por cento seguro. É melhor você subir rápido. Antes que a polícia chegue.
Lancei a ele um olhar mortal, mas estava rindo por dentro. Um pouco nervosa, mas animada pela possibilidade de cometer mais um pequeno delito na mesma noite.
Passei para as cadeiras duplas da roda gigante, dentro da pequena gaiola de ferro, e tive uma palpitação quando Eric apertou o botão vermelho no comando eletrônico, pulando imediatamente para o lugar ao meu lado. Ele nos trancou, com um exímio cuidado, e relaxou o corpo como se não estivéssemos muito perto de sermos içados em um brinquedo que não via manutenção, possivelmente, nos últimos dez anos.
Para a minha surpresa, o brinquedo parou lá em cima e, pelo brilho travesso em seus olhos, sei que foi uma artimanha dele.
Da minha parte, eu estava duplamente apavorada. Primeiro, com a nossa segurança naquela máquina da morte. E segundo, com a proximidade dele, que fazia o meu estômago dar voltas.
— No que você está pensando?
— Estou pensando que eu posso cair daqui de cima, ha qualquer momento.
— Não é um pensamento bom a vinte metros de altura, Hannah.
— Definitivamente, eu não precisava conhecer esse detalhe.
Eric me olha de soslaio.
— Medo de altura?
— Como você adivinhou?
Sua expressão assumiu aquele ar típico de quando estava prestes a fazer alguma travessura e eu me preocupei instantaneamente.
— E se eu fizer isso, o que você acha? — perguntou, levantando, subitamente, e segurando em uma das barras de ferro que prendem o brinquedo. — Você fica com mais medo?
Meu coração desceu para o estômago e eu fiquei gelada na mesma hora. Não podia ser verdade... ele não estava fazendo isso. Eu me segurei com força, as duas mãos na barra de segurança, como se fosse eu e não ele que estivesse prestes a me estabacar no chão.
– Para com isso, Eric!
— Por que? É divertido — sorriu, provocativo, esticando a tensão ao oscilar sobre um único pé. Minha garganta fechou. — Por que você não tenta?
— Para com isso agora, eu já disse. Ou juro que vou arrancar você daí e chamar a polícia.
— Eu conheci uma pessoa que dizia que a morte era só uma consequência de ter se cuidado demais, por muito tempo, e aí ter se esquecido só um dia.
— É a coisa mais estúpida que eu há ouvi — estava prendendo a respiração há tanto tempo que o meu peito até doía. — Desce daí, idiota.
Os músculos dos seus braços se contraíram enquanto se pendurava na barra de ferro da roda. Havia um brilho de provocação nítido em seus olhos e eu senti vontade de bater nele até arrancá-lo de lá.
– Vem me pegar.
— Não.
— Certo, então me dá um beijo.
A intensidade do seu olhar não me deixou nem pensar direito, mas o sorriso arrogante em seu rosto me convenceu, por fim, de que era só mais uma das suas pegadinhas.
— Não vou beijar ninguém. Desce daí.
— Me dá um motivo para descer.
— Não quebrar seu pescoço idiota deveria ser motivo suficiente — disse, incomodada, meu peito e subindo enquanto eu lutava para respirar. — Por favor, Eric...
— Anda, estou esperando, Hannah.
— Não!
— Merda, então hoje a noite eu morro. Diga aos meus pais que foi um prazer conhecê-los.
— Cala a boca, por favor...
— Hannah?
Sim, eu estava chorando. Vergonhosamente. Eric pulou para dentro da gaiola, em um movimento ágil, voltando a ocupar o lugar ao meu lado. Seus olhos me sondaram e eu me surpreendi ao sentir o seu dedo deslizar pela lateral do meu rosto, secando mihas lágrimas. Foi um gesto doce e terno, mas não mudou muito a raiva que eu estava sentindo dele naquele momento.
— Faço isso todo tempo — confessou em voz baixa.— Pular esse portão, me sentar aqui e olhar as estrelas. Nunca trouxe ninguém aqui antes. Por que está chorando, Coelhinha?
Levantei o rosto, sentindo meu peito destroçado. Eu não falava sobre aquilo com ninguém — nem mesmo os meus pais — há muito, muito tempo.
— Quando eu tinha sete anos, meu irmão, Ethan, morreu em um acidente de avião. Ele era o piloto.— suspirei, trêmula. — Desde então não consigo andar de avião e tenho medo de altura.
Aquilo foi o bastante para calar Eric e silenciar suas gracinhas. Ainda assim, eu queria morrer por ter que tocar naquele assunto, reabrir minhas velhas feridas assim, tão cruamente a ele.
— Me desculpe, Hannah. Você tem razão, eu sou um idiota. Não só por isso, mas por todo o resto. Você me perdoa?
Olhei dentro dos seus olhos e a íris verde me engoliu, me revirou do avesso. Balancei a cabeça e estendi a mão para o seu coli, que ele logo segurou, um pouco surpreso. E satisfeito. O ar entre nós estalou, ficou mais quente e denso. Eric também sentiu a mudança. Seu olhar preocupado se tornou selvagem e cheio de desejo. Seu rosto foi ficando mais perto, dolorosamente lento, até chegar a centímetros do meu. Nossas respirações se encontraram, a minha baixa e irregular, a dele levemente acelerada. Ele afastou o cabelo esvoaçante na frente do meu rosto antes que o seu nariz tocasse o meu
— Eu não disse que beijaria você — sussurrei, audaciosa.
— Também não disse que não beijaria.
Quando nossos lábios se tocaram foi como ter fogos de artifício saindo do meu próprio corpo. Eu nunca antes senti nada assim. Nunca antes me senti tão viva. Tão real.
Nem tão assustada.
