Capítulo 5
Chiara
Após um plantão extremamente cansativo de aproximadamente 30h, o descanso para mim, minha amiga e todos da equipe do hospital que também haviam dado plantão, era merecido. Beatrice e eu combinamos de curtir a noitada. Confesso que, devido a exaustão, eu não estava muito empolgada. Do jeito que meu corpo estava pedindo cama, eu dormiria por, no mínimo, um dia inteirinho numa boa.
O porém de toda essa história, era que a profissão que escolhemos era um tanto complicada para termos tempo de nos divertir um pouco. Lazer não era algo constante em nossas vidas, porque até mesmo quando folgávamos, geralmente ansiávamos por um bom descanso. Obviamente, isso não se aplicava muito a Bea, que era do tipo que aproveitava toda e qualquer oportunidade para se esbaldar.
O lema da Bea era: "toda hora é hora!"
E, honestamente, eu amava isso, porque talvez se eu não tivesse essa pessoa maravilhosa em minha vida, já teria esquecido há muito tempo o que era viver.
Por ser nossa folga, estávamos saindo de minha casa, a caminho de uma das maiores e melhores boates da cidade, quando nossos celulares vibraram diversas vezes seguidas nas bolsinhas de mão que carregávamos. Peguei o meu, desbloqueei, deslizei a tela para baixo e me deparei com várias mensagens do grupo do WhatsApp da equipe médica do hospital, incluindo também chamadas perdidas.
O diretor do hospital não costumava ligar, sempre enviava mensagem quando queria nos passar alguma informação ou algo do tipo, ou seja, quando ele ligava, era porque a coisa não estava boa. Isso me causou uma apreensão, seguida de um frio na espinha. Esperava, de verdade, que não tivéssemos que abrir mão do nosso lazer essa noite para atender um daqueles idiotas.
— Algum problema, filha? — tirando minha atenção da tela do celular, Giuseppe, mais conhecido como meu pai, perguntou, me fazendo erguer a cabeça para olhá-lo.
— O Marco está convocando toda a equipe do hospital para uma reunião e, pelo teor da mensagem, parece ser coisa séria. — respirei fundo.
— Filha, sei que tanto eu, quanto sua mãe já falamos sobre isso, mas realmente não conseguimos entender a razão para você ter aberto mão de todas as oportunidades que já recebeu ao longo de todos esses anos, em hospitais renomados, para ficar enfiada naquele lugar… — o senhor de meia-idade, com pele clara, rosto quadrado e maxilar marcado, olhos esverdeados, nariz um tanto arrebitado, barba cheia, porém, muito bem feita, cabelos grisalhos e óculos de grau quadrados, comentou.
Há aproximadamente uns dez anos, eu tinha tudo planejado, iria para a faculdade de medicina, depois me especializaria como cirurgiã e trabalharia num desses hospitais da cidade de Palermo, contudo, meus planos mudaram devido a… Depois do ocorrido com o Angelo, eu decidi que queria fazer a diferença nesse mundo de alguma forma, foi então que encontrei o abrigo em que trabalhava, que fora transformado em um hospital a fim de atender os menos afortunados.
— Papai, por favor, eu não quero entrar nesse assunto outra vez.
— Mas… — ele tentou continuar, mas foi interrompido por minha mãe.
— Querido, é a escolha dela. Mesmo que não concordemos, nossa filha é adulta, devemos respeitar. — com uma voz mansa, ela disse, tocando levemente no ombro do papai, que abaixou a cabeça e soltou um longo suspiro, se dando por vencido.
— Tudo bem.
— Temos que ir, Chiara. Se chegarmos tarde lá, não conseguiremos aproveitar nossa noite nem que seja um pouquinho. — Bea me lembrou, tocando em meu braço.
— Não me esperem, devo chegar tarde. — avisei, me aproximando deles no sofá e dando um beijo na testa de cada um.
Bea fez o mesmo, já que meus pais a tinham como uma segunda filha, e em seguida, saímos pela porta afora.
(...)
A equipe médica estava toda reunida na sala de reuniões do hospital. O cômodo era composto por paredes brancas, uma mesa longa e quadrada, de madeira envernizada ao centro, várias cadeiras ao redor e uma TV de tela plana não muito grande presa à parede, mais a frente.
Alguns dos nossos colegas de trabalho estavam de jaleco, por estarem de plantão, outros, assim como a Bea e eu, vestidos casualmente. O Marco, diretor do hospital — e um verdadeiro gato, com pele clara, olhos azuis, cabelos lisos com uma mecha caída sobre a testa e musculoso — estava de pé na ponta da mesa, de costas para a TV e com as mãos apoiadas na mesa.
— Boa noite a todos e desculpem tê-los chamado assim de última hora, mas a situação é grave — ele varreu o olhar por toda a sala, encarando cada um dos médicos e enfermeiros — Como todos já estão cansados de saber, desde quando decidiram trabalhar aqui, esse hospital nada mais é do que uma ONG, ou seja, infelizmente, não podemos contar com nenhuma ajuda dos governantes da República, somos nós por nós mesmos, e a verba está baixa. A fiscalização está em cima da nossa diretoria, devido às condições precárias que temos apresentado aqui, o que quer dizer que, caso não consigamos dinheiro, em breve teremos que fechar.
Assim que o Marco se calou, o burburinho iniciou. Todos estavam insatisfeitos com isso e minha mente logo se apertou, bem como o meu peito, porque apesar de muitas vezes reclamar dos moleques que atendíamos aqui, eu amava meu trabalho e não gostava da ideia de ter que parar de fazer o que eu fazia.
Se eu reclamava, não era pelo meu trabalho e, sim, por me entristecer a cada vez que algum adolescente adentrava as portas desse lugar quase sem vida, em sua maioria, meninos novos, que não passavam dos dezesseis, com uma vida inteira pela frente e se deixavam levar por essa porra de vida cheia de facilidades.
— Enfim, pessoal, era isso. Não quero tomar muito do tempo de vocês, porque certamente os que estão de folga devem querer aproveitar a noite — falou, me dando uma rápida encarada e eu podia jurar que vi um lampejo de um sorriso no canto de seus lábios — Mas precisarei da colaboração de todos. Quem tiver ideias do que podemos fazer para angariar fundos, me procure. Estão liberados. — Marco ficou lá mexendo em uma papelada sobre a mesa, enquanto alguns saíam e outros iam falar com ele.
Bea e eu levantamos e nos direcionamos à saída, e o Marco me lançou um olhar rápido e penetrante de cima a baixo. Obviamente, ele jamais me cantaria, ou elogiaria em nosso ambiente de trabalho, por ser muito profissional — o que não queria dizer que ele já não tivesse tentado algo fora dali.
Nesse momento, à medida que andávamos pelos corredores de paredes brancas, havia um redemoinho em minha mente. Tentava pensar em alternativas para solucionar esse problema e, nada. Não vinha uma mísera ideia. O fato de eu estar cansada também deveria estar colaborando para isso, é claro.
Talvez depois eu conseguisse pensar em algo.
— Amiga, que secada foi aquela que o Marco te deu? — tirando-me dos meus devaneios, a Bea comentou.
— Do que adianta olhar, se ele não chega junto? — minha resposta fez os lábios de minha amiga se abrirem em um perfeito “O”, o que me levou a rir brevemente.
— Quem é você e o que fez com minha amiga? — dei de ombros — E eu que pensei que você não quisesse nada com ele…
— Não é isso e você sabe, Bea. A questão é que não quero nada sério, além de não ter cabeça para isso, misturar trabalho com prazer só dá merda no fim das contas. Mas isso não significa que não possa rolar uns beijinhos, uns amassos e uma boa foda. — dei um sorriso sacana.
— Tem razão. Mas o que exatamente está faltando para esses amassos acontecerem? Porque já vi o Marco te dar umas cantadas…
— Sim, ele faz isso constantemente quando saímos com os colegas de trabalho, ou quando nos encontramos casualmente fora do hospital, mas não passa disso. O Marco é muito, anh… — distanciei meu olhar, procurando a palavra adequada — Digamos, cavalheiro. E, definitivamente, não preciso de um cavalheiro, preciso de um homem que me pegue com vontade e me deixe sem andar por, no mínimo, uma semana, gata.
Ao ouvir minhas palavras, Bea riu, me levando a fazer o mesmo.
Quando dei por mim, já estávamos do lado de fora do hospital.
Continuamos andando, até que em um determinado momento, me senti sendo observada e, como se fosse para confirmar a minha tese, avistei um carro parado um pouco distante de nós. Quando ameacei me aproximar, apertando meus passos, tendo a Bea em meu encalço, o veículo saiu apressadamente, sem me dar tempo para me certificar de nada.
— O que foi, Chiara? Esqueceu que estou de salto e não posso correr? — ela parou ao meu lado, segurando em meu braço, meio esbaforida.
— Não sei… Tive a impressão de estar sendo observada… — respondi sem a encarar, do contrário, olhava na direção em que o carro foi, mas a pouca iluminação da rua não ajudava muito.
— Eu não vi nada — disse após se recompor — Levando em consideração o quanto você desconfia de tudo e todos, provavelmente é coisa da sua cabeça.
— Não tenho tanta certeza sobre isso… — meu olhar permanecia distante — Aquele homem da noite passada era estranho e… — antes que eu pudesse continuar, Beatrice me barrou.
— Amiga, é sério, você tem que parar de assistir filmes, isso está começando a te fazer ter ideias. — ela disse em meio a uma risada e, apesar de eu ter achado graça da maneira como a Bea falou, a verdade é que, sim, eu tinha quase 100% de certeza de que não estava alucinando, alguém estava nos observando.
Ou me observando…
Deixei essas ideias de lado e pegamos um táxi, indo para a boate, porque a noite estava apenas começando.
