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Capítulo 4

Lorenzo

Estava meio zonzo quando abri os olhos naquele hospital, se é que se podia chamar assim um mausoléu como aquele, que nem uma porra de uma estrutura tinha para prestar atendimento a alguém. Talvez até mesmo fosse possível ser contaminado com alguma doença ali, no entanto, não me dei ao trabalho de ficar para descobrir.

A única coisa estranha e, talvez, até boa… Foi me deparar com aquela mulher linda à minha frente. Os olhos negros dela eram penetrantes e havia certa doçura naquele olhar. Uma doçura que há muito eu não via, desde…

A pele bronzeada, o rosto de maxilar marcado, nariz redondo e lábios cheios, carnudos e rosados, me causaram uma estranha sensação de paz e familiaridade. Mesmo usando aquela touca nos cabelos, ainda era linda. Mas, não, eu não podia me sentir atraído por ela. Não era certo, nem seguro, e eu sabia disso. Ainda que meu corpo dissesse o contrário.

Após sair daquele lugar, estando um pouco mais afastado, verifiquei os bolsos da calça a fim de saber se meu celular estava ali. Não lembrava exatamente o que havia acontecido comigo, tudo eram flashes em minha mente, mas uma coisa era certa: alguém estava prestes a morrer.

Nunca, ninguém que tentou contra a minha vida ou da minha família, ficou vivo para contar a história.

Suspirando aliviado por encontrar meu celular, disquei o número do meu motorista, já que isso era a única coisa que estava em meu bolso. Certamente, quando caí, perdi a chave do carro. Depois enviaria alguém para procurar, ou talvez me livrasse dele e providenciasse outro. No momento, essa era a menor das minhas preocupações.

Quando meu motorista chegou, obviamente, ficou confuso ao ver meu estado. Eu estava apenas de calça e sem sapatos. Minha aparência deveria estar horrível, contudo, eu não era uma mulherzinha para me preocupar com isso. Tudo o que desejava era chegar em casa.

Sem dizer nada a ele, que encarava meu peito exposto com um curativo, entrei na parte traseira do carro, sentei-me no banco e recostei a cabeça, sentindo uma fisgada no lugar do ferimento, provavelmente devido ao esforço que fiz e assim ele deu partida no SUV preto.

(...)

Passei em casa bem rápido, somente para tomar um banho antes de ir para a empresa. A MF Engenharia, era uma empresa da família Ferrari Marino, mais conhecida como Marino, que era o sobrenome do meu pai, costumava ser comandada pelo senhor Carlo Marino, meu pai, bem como a parte obscura da nossa família, a facção mafiosa La Cambria.

Contudo, há alguns anos, ele foi diagnosticado com lúpus, uma doença incurável, então ele precisou se afastar de tudo que necessitava de seu esforço excessivo, para se tratar e prolongar ao máximo sua vida. Dessa forma, eu, como seu único filho homem, herdei seu lugar tanto na empresa, quanto na facção.

— Bom dia. — de forma seca, cumprimentei Serena, minha assistente ao sair do elevador e passar pela sua mesa.

— Senhor, sua… — não deu tempo de ela concluir sua fala, pois não parei para ouvi-la. Serena estava me seguindo, dava para ouvir o barulho dos seus saltos batendo no piso acinzentado e, quando abri a porta da minha sala, fui praticamente derrubado por minha irmã.

— Maninho! Você está bem? Aconteceu alguma coisa? Alguém te machucou? — a loira alta, de cabelos longos, olhos castanhos e nariz arrebitado, fez todas essas perguntas enquanto me analisava por inteiro.

Precisei reprimir a dor quando a senti tocar em meu peito. Se ela percebesse que algo não estava certo, eu estaria frito. Teria que ouvir seu sermões por hora, como se eu não passasse de um garotinho de dez anos.

— Estou bem, Camilla — respondi após dar um beijo em sua testa e segui até a poltrona de couro preto atrás da minha mesa com tampo de vidro — Você não estava em Paris? Pensei que estivesse trabalhando.

— E estava. Cheguei ontem e fui te ver, esperei um tempo, mas você não passou a noite em casa. — comentou, sentando-se na cadeira em frente à minha mesa e cruzando as longas e magras pernas.

— E como foi o desfile dos sonhos?

Sim, minha irmã mais nova, mais conhecida no mundo da moda como Elena Ferrari, seu nome artístico, era modelo. Uma das modelos mais famosas de toda a Itália e região.

— Para de me enrolar e me conta o que aconteceu.

— Não aconteceu nada, Camilla. Eu apenas fiz algumas apostas no cassino, bebi demais e passei a noite em um motel em excelente companhia. — a fim de convencê-la de minha resposta, curvei os lábios em um sorriso de canto.

Camilla me analisou por um tempo, com os olhos estreitados e, em questão de segundos, olhou na direção do meu peito e abdômen.

— Sua postura está extremamente tensa, assim como seu maxilar, por mais que você tente sorrir para mostrar que está bem. Normalmente, você estaria com os cotovelos debruçados sobre a mesa, mas está recostado na poltrona… Então, para de mentir para mim e me conta o que aconteceu.

Respirei fundo, não sabendo porque ainda tentava esconder as coisas de minha irmã, que era uma mestra no jogo da trapaça.

Silenciosamente, sabendo que não havia saída para mim, levei ambas as mãos até os botões do meu terno, abrindo-os, notando a expressão confusa de minha irmã. Abri também os botões da camisa branca social, finalmente, expondo meu peito, a deixando tão boquiaberta e assustada, que ela se levantou abruptamente e veio às pressas até mim, tocando no machucado sob o curativo e dividindo seu olhar entre meu rosto e ele.

— Como… O que aconteceu? — a aflição estava nítida em sua voz.

— Foi uma bala. Não sei exatamente quem eram aqueles homens, mas estou prestes a descobrir.

— E você fala assim, tranquilamente? Como se não fosse nada?

— O que queria, Camilla? Sabe que não tenho tempo para choramingar pelos cantos feito um maricas.

Ela revirou os olhos.

— Ok. Que tal sairmos essa noite? Você me deve um jantar.

— Almoço, serve? Edoardo está chegando e tenho algo inadiável para fazer essa noite.

— Você e esse seu amiguinho… Tudo bem — meio insatisfeita, respondeu, endireitando a postura — Me pega às 12h na casa dos nossos pais?

— Sim. — pisquei para ela. Em seguida, Camilla depositou um beijo em minha bochecha e saiu do meu escritório.

Minutos depois, minha assistente bateu na porta e entrou após eu dar a permissão. Analisamos a planta de um prédio comercial que estávamos prestes a construir, faltando somente duas ou três reuniões com os acionistas da empresa para definirmos alguns detalhes.

Depois disso, contatei o hacker da nossa facção para ele tentar ver se havia câmeras no local em que fui atacado, e descobrir quem eram os tais homens.

Na hora do almoço, busquei minha irmã na casa dos meus pais, como combinado, e fomos almoçar. Depois do que aconteceu comigo há alguns anos, me fechei ainda mais para o mundo, e meus pais e ela eram as únicas pessoas para as quais eu ainda sorria e me dedicava 100%. As únicas que valiam a pena.

Então, o almoço foi maravilhoso, em boa companhia e não demorei a voltar para a empresa.

(...)

— Certo. O que estamos fazendo aqui? — Edoardo, meu melhor amigo e irmão para todos os efeitos e um grandessíssimo filho da puta, perguntou, enquanto estávamos em meu Bugatti prateado.

— Espera, só quero ver uma coisa. — era noite, aproximadamente umas 22h e, com o carro parado, eu olhava na direção do hospital, tentando vê-la.

— Já estamos aqui há aproximadamente quinze minutos. Parados, Lorenzo. Sem fazer porra nenhuma, então, ou você me diz o que estamos "fazendo" — fez aspas com os dedos — Aqui, ou eu desço desse carro e me mando.

No instante em que ele se calou, eu a vi. A mulher estava saindo do hospital, rindo com a cabeça elevada para cima, e isso me fez sorrir sem perceber. Notei que estava sorrindo apenas devido ao falatório do Edoardo.

— Ah, agora tudo fez sentido — discorreu em tom de malícia — Você não estaria aqui parado há tanto tempo se não houvesse uma mulher no meio da história. Certamente foi a mesma que cuidou de você noite passada. Poxa, fico feliz em saber que eu estava fora da cidade, mas tinha uma bela donzela cuidando de você. — tinha uma boa dose de sarcasmo em cada uma de suas palavras.

Ele dividia seu olhar entre mim e as duas mulheres caminhando.

— Bom, as duas são gatas, mas você não faz o tipo que curte um ménage, então, deixa eu adivinhar… — ele colocou uma mão no queixo, como se estivesse pensando.

— Vai se foder, Edoardo!

— Suponho que o objeto do seu desejo seja a morena gostosa. A ruiva tem um jeito mais espevitado, não faz o seu tipo — virou o rosto para mim — Acertei? — com um sorriso sacana, perguntou.

— Figlio di puttana!

Eu quis negar, juro que quis, mas sabia que, além de ele me conhecer muito bem, o interesse estava estampado em minha cara para quem quisesse ver.

— O quê? Virou um maricas agora? Perdeu o jeito com as mulheres? Vai lá, cara. Fala com ela.

— Você sabe que não posso.

— Tá e porque, diabos, estamos aqui?

— Eu só queria… Vê-la… Não sei… — era exatamente isso, eu só não queria admitir.

A verdade era que havia pensado nela, naquele rosto, naquela boca, naquele olhar durante todo o dia.

— Você só precisa seguir em frente, Lorenzo. Apenas isso. — disse, dando dois tapinhas em minhas costas.

Era isso que me diziam constantemente, contudo, eu não conseguia. Era mais forte do que eu.

Fui tirado dos meus devaneios com os risos se aproximando, então, temendo que ela me visse, girei a chave na ignição, dando partida no carro e saindo a toda velocidade.

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