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03

VALLIE

Um nó se forma na minha garganta quando encaro seu rosto redondo, limpo de maquiagem e desconexo de todas as fotos que tenho dela, nossas, da minha infância. Mamãe costumava ser vaidosa e o centro das atenções, ela repetia que homens servem apenas para encher o ego de uma mulher, agora ela se parece como uma sombra de si mesma.

— Algo de errado, querida? — Dean pergunta, tocando seu cabelo castanho, o mesmo que o meu e ela sorri.

Minhas unhas buscam seu caminho pela pele do meu pulso e afundam, eu relaxo imediatamente.

— Tudo bem,mãe? — escaneio seu rosto e corpo em busca de algum ferimento exposto. — Está sentindo dor?

— A pulsação está normal. — Kiara informa após checar seus batimentos.

— Estou bem, não façam essas caras.— ela diz, ríspida, olhando diretamente para sua cuidadora. Eu suspiro. É como reviver a mesma cena uma e outra vez, já se passaram doze anos desde que papai foi embora e meu inferno particular começou, mas nunca saímos daquele ano. Mamãe nunca se recuperou.

— O que aconteceu? — pergunto, empurrando a lágrima de volta pelo seu caminho. Eu cansei de chorar, de pedir, implorar por uma vida diferente. Não importa mais, de qualquer maneira, mamãe estará iniciando o programa de redução de peso e tudo ficará bem.

— É sobre a dieta que o médico recomendou, não acho que ela seja boa para mim. Estou faminta o tempo todo.

Raiva explode no meu peito.

— É importante para sua cirurgia, querida. A dieta acelerá a perca de peso, então tem os exercícios...

— Não, Dean. — mamãe o corta no meio da frase. — Eu também não farei os exercícios.

Minha boca abriu antes que eu pudesse pensar nas palavras e gritei com ela,com a mulher que me deu a vida e me criou da melhor maneira que pode. E eu, continuei gritando até que Dean circulou minha cintura com os braços e nos levou para fora do quarto.

Eu estava respirando rápido e forte.

Com muita, muita raiva.

— O que você pensa que está fazendo, porra!? — meu padrasto gritou quando chegamos ao meu quarto e me jogou na cama. — Aquela é sua mãe!

Ele bateu a porta atrás de nós, buscando meus olhos quando sua cabeça virou na minha direção.

De repente, eu não podia mais segurar as lágrimas, então eu chorei.

— Eu a odeio. — gritei, esmurrando o colchão e atirando os travesseiros na parede. — Odeio.Odeio. Odeio.

Com um rosnado baixo, ele agarrou meus ombros e sentou ao meu lado.

— Não,você não odeia. — ele sussurrou contra meu cabelo. — Você só está triste, Vallie.

Balancei a cabeça.

— Eu odeio. — repeti, subindo no seu colo e mergulhando no abraço. Apoiei minha cabeça em seu ombro e funguei, repetindo o quanto odiava sua mulher.

Dean ficou em silêncio, permitindo que eu colasse toda minha raiva para fora, acariciando meu cabelo.

Dez minutos depois, eu não estava mais chorando, mas ele não me tirou do seu colo.

— Olhe para mim.

Meus lábios franziram.

Eu não queria olhar para ele, eu sabia que o tinha decepcionado e não queria lidar com isso agora.

— Vamos, Vallie. — sua voz brinca contra meu pescoço, seus lábios tocando a pele do meu ouvido enquanto sussurra para que eu o encare.

Desde o momento que vi Dean pela primeira vez, no meu aniversário de oito anos, eu sabia que ele era diferente de alguma forma, não apenas mais um aluno prodígio que admirava o trabalho da mamãe, então quando eles anunciaram seu romance para mim um ano depois, fiquei tão feliz por poder vê-lo todos os dias que contei para todas as minhas amigas que teria um novo papai.

Eles se casaram três anos depois. Dois anos após a formatura dele na faculdade.

Uma cerimônia simples, apenas para os mais íntimos e no nosso quintal.

Mas eu não estava mais feliz, mamãe estava pesando mais de cem quilos e quase não conseguiu andar até o altar. Eu culpei Dean.

A culpa tinha de ser dele por ela ter engordado tanto.

Só descobri o verdadeiro culpado duas semanas depois, quando meu pai verdadeiro foi até minha escola buscar seu novo filho.

— Vallie. — meu padrasto fala, agarrando a parte de trás do meu cabelo e puxando em um ângulo que faz nossos rostos se alinharem.

— Isso dói. — resmungo.

Ele solta uma risadinha, porém não diminui o aperto.

Algo dentro de mim se movimenta, causando um reboliço no meu estômago.

Dean adota uma expressão séria e me coloca de volta na cama.

— Sobre o que foi aquilo?

Aquilo.

Ele precisa realmente perguntar?

— Você não está chateado? — questiono.

— Isso não é sobre mim.

Eu bufo.

— Aquela é sua mulher, então corte o discurso e jogue com a verdade se quiser mesmo conversar.

— Vallie.

— Ela vai se matar, Dean!

Silêncio.

Respirando fundo, eu me afastei, desci da cama e abri a porta.

— Quero ficar sozinha. — declarei, um segundo depois ele levantou e veio até mim.

— Ela sabe disso, princesa. Sua mãe estava lá quando o médico apontou todos os riscos do seu sobrepeso, porém forçá-la não vai adiantar nada. — seu tom revelava sua descrença, Dean estava tão cético quanto eu sobre as intenções de mamãe e resolveu não fazer nada a respeito.

— O que eu devo fazer? Ela é minha única família. — declarei, mais uma vez, chorando contra minha vontade.

— Não tem sido fácil, Vallie. Nós dois sabemos disso. — seu olhar deixou meu interior gelado. Eu reconheci aquele olhar. Pobre Dean. — No entanto, gritar e desafiar sua mãe não mudará a situação, preciso que você seja compreensível, tudo bem?

No fundo, o não queimava minha língua em busca de libertação, mas por alguma razão eu concordei e ele partiu.

Eu não falei com mamãe pelo resto do dia.

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