Biblioteca
Português
Capítulos
Configurações

Capítulo 4

O evento foi um sucesso.

Bolas coloridas enfeitavam o gramado, música leve preenchia o ar e as crianças órfãs corriam soltas com sacolas de presentes nas mãos.

Evelyn, com um novo vestido azul suave, andava entre elas com um sorriso solto no rosto, os cabelos presos num rabo baixo, as mangas arregaçadas até os cotovelos. Sentava no chão com os pequenos, distribuía doces, gargalhava com as piadas infantis. Uma câmera registrava os melhores momentos para o site da fundação.

O letreiro “Alexander donate” brilhava em letras douradas na fachada da mansão, uma homenagem delicada e calculada ao marido falecido.

Evelyn havia dito a todos que era uma promessa antiga entre os dois, e por isso jamais deixaria de cumprir.

Na mesa próxima, Conrad observava tudo, sentado em sua cadeira de vime, o rosto sereno.

— Ela é doce com eles. - Comentou, sincero, enquanto via a neta abraçar uma menina de tranças.

Vivienne nem precisou desviar os olhos para responder:

— Ela é astuta. Ingênua é a forma como você quer enxergá-la. Mas você sempre foi um bobo, Conrad.

Ele não retrucou.

Estava acostumado. Só continuou observando Evelyn, seu olhar misto de orgulho e certeza.

Adrian ouviu a conversa à distância, parado próximo à mesa de doces, segurando uma taça de vinho branco.

Analisava Evelyn de longe.

A imagem dela ali, no meio das crianças e da filha, sorrindo como se nada no mundo a corrompesse, era forte, era bela ou era falsa?

Vivienne, ao notar seu olhar, se aproximou com discrição.

— Lembre-se, Adrian, charme demais costuma esconder veneno. - Sussurrou.

Ele não respondeu de imediato. Apenas assentiu com a cabeça. Depois perguntou, em tom casual:

— E se alguém perguntar porque estou aqui?

— Filho de uma amiga como disse. Recém-chegado ao país. Gosta de arquitetura e tem interesse em filantropia. - Ela sorriu: — Nada mais suspeito do que alguém que parece bom demais. Quero que permaneça presente sempre que eu avisar. Quanto mais a conhecer, mais certeza terá e mais provas teremos para inocentar Celeste.

Adrian deu uma risada baixa, terminou sua taça, e desceu os degraus até o jardim.

Chegou até Evelyn no exato momento em que ela girava uma garotinha nos braços e ria como se tivesse esquecido do mundo. Sua filha também ria daquilo. A luz da lua dourava seus cabelos negros e fazia seus olhos verdes brilharem.

Havia algo nela que hipnotizava.

Como um espelho bonito, limpo, que só refletia o que alguém queria ver.

Ele esperou o momento certo e falou:

— Posso ajudar com os brinquedos?

Evelyn virou-se, ofegante pela brincadeira, e o reconheceu.

— Você de novo? Está em todas? - Disse com um sorriso no canto dos lábios, sem sinal de raiva, só uma pontada de ironia.

— Gosto de ajudar. Crianças sempre me lembram do que importa.

Ela arqueou uma sobrancelha, desconfiada, mas não disse nada. Apenas estendeu a ele uma sacola.

— Então comece por essa ala. Elas querem pintar as mãos num mural.

Ele pegou a sacola e, por um instante, encarou o sorriso espontâneo dela.

Por dentro, pensava: Isso vai ser mais fácil do que imaginei.

Aos olhos de todos, Evelyn Ashford era perfeita.

Mas Adrian Blake estava ali para desmontar cada pedaço dessa perfeição.

E sabia exatamente como começar:

Fazendo ela se apaixonar por ele.

E depois, quebrando o coração que ela nem sabia que ainda tinha.

A noite já estava fria, mas o calor da festa ainda permanecia no ar.

Evelyn fazia questão de se despedir de todos com o mesmo sorriso gentil com que os havia recebido. Apertava mãos, abraçava senhoras de chapéu, agradecia doações, agradecia a presença, agradecia tudo.

Adrian a observava de longe, de braços cruzados, encostado discretamente numa das colunas.

Não havia se aproximado.

Só observava.

Cada gesto, cada palavra, cada feição como quem estuda uma peça de teatro e tenta descobrir onde começa o roteiro e termina a verdade.

Vivienne não resistiu e se aproximou da nora com seu típico ar de desdém:

— Você sempre gosta de parecer imaculada, não é? - Murmurou com um meio sorriso: — Isso é tão nojento. Promove caridade para pensarem que realmente se importa com essas crianças.

Evelyn ia responder.

Uma daquelas respostas afiadas que deixariam qualquer um sem chão. Mas lembrou-se das palavras da filha. E de Conrad, que vinha se aproximando com um sorriso sereno e andado lento.

Ela engoliu a resposta e virou-se para ele:

— Então, senhor Conrad.. o que achou?

Conrad beijou o rosto dela com carinho.

— Como sempre, minha neta, você foi brilhante. É por isso que amo tanto o seu jeito. Você não tem falsidade. Só verdade.

Vivienne riu seca.

— Com essa máscara, é fácil arranjar qualquer personalidade.

E subiu sem esperar resposta.

O mais velho suspirou e disse baixinho:

— Perdoe a Vivienne.

Evelyn forçou um sorriso:

— Tudo bem, estou acostumada com ela. Contanto que o senhor nunca deixe de me amar e fique saudável, eu estou bem.

Ele riu, com os olhos úmidos.

— Então vou te amar pra sempre, minha neta.

Abraçou-a com firmeza. O abraço de quem via nela não só a nora, mas um apoio, um porto.

Após o abraço, ele perguntou:

— Vamos subir? Lena ja foi dormir.

Ela negou com a cabeça, suavemente.

— Não. Vou ajudar os empregados a limpar essa bagunça.

Ele arqueou as sobrancelhas.

— Eles são pagos pra isso, minha filha.

— Eu sei. Mas nada como facilitar o trabalho deles. Boa noite, senhor Conrad.

Ele beijou o rosto dela novamente e partiu.

Tudo foi assistido por Adrian.

Ele não esperava aquilo.

Havia algo mais complexo ali do que o script que imaginava.

Evelyn Ashford não era só imagem.

Ou pelo menos sabia interpretar bem demais.

Ele se aproximou.

— Bem... eu vou indo. - Disse ele, casual, com as mãos no bolso.

Ela revirou os olhos, ainda limpando uma mesa com um pano úmido:

— Você ainda estava aqui? Nem vi você.

Ele deu um passo à frente, sorrindo.

— Amanhã eu até te ligaria pra pagar pelo carro.

Ela não olhou, só rebateu:

— Ué... achei que não gostava de dinheiro. Pensei que sua arrogância teria consertado o carro.

Ele riu.

— Bem... depois de ver todo esse luxo, é claro que dinheiro pra você é brinquedo.

Ela bufou e foi até a porta, abrindo-a como quem expulsa alguém com elegância:

— Boa noite.

Mas ele ainda teve tempo de dizer:

— A propósito... esse vestido te deixa extremamente sexy.

Ela bateu a porta na cara dele sem responder.

Do outro lado, ele riu.

Lá dentro, Evelyn ficou parada, olhando para o nada.

Depois se olhou no espelho da sala.

Sorriu, por um segundo.

Aquela frase havia mexido com algo que ela não queria nomear.

Mas então franziu o rosto, furiosa consigo mesma.

— Idiota. - Sussurrou para o próprio reflexo.

Um homem medíocre como aquele não deveria ter esse efeito.

E ainda assim, teve.

E ela odiava isso.

Ela prometeu ser leal ao amor que tinha por Alexander e isso bastava durante todo esse tempo.

Baixe o aplicativo agora para receber a recompensa
Digitalize o código QR para baixar o aplicativo Hinovel.