Capítulo 3
A noite caía em tons azulados sobre a cidade.
O vento frio fazia os galhos das árvores balançarem como sombras inquietas.
Evelyn dirigia a van preta com os vidros fumê, impecável como sempre, unhas feitas, cabelo preso num coque elegante. Usava um sobretudo bege sobre um vestido justo e botas de salto fino.
"Sim, Senhor Conrad. Eu sei o quanto isso significa. Vou chegar com as crianças em trinta minutos. Elas estão empolgadas", ela falava ao telefone pelo bluetooth, voz firme, enquanto seus olhos se dividiam entre o trânsito e o retrovisor.
Ela desligou a chamada.
As luzes dos postes refletiam no vidro do para-brisa quando, de repente, o sinal à frente ficou vermelho num piscar inesperado.
— Droga. - Ela pisou no freio com força.
O carro à sua frente freou mais devagar.
O impacto foi inevitável.
Bum!
Um estalo seco ecoou pelo ar.
A van bateu levemente na traseira do sedã escuro desgastado à frente. Evelyn soltou um suspiro irritado, fechou os olhos por um segundo. O som de uma porta batendo veio logo em seguida.
— Parabéns, motorista do ano. - Disse uma voz masculina, carregada de ironia.
Evelyn abriu a porta com calma, como quem não se abala. Desceu da van com uma postura ereta e indiferente. O vestido moldava sua silhueta, e a luz do farol realçava seus traços: pele clara, olhos verdes afiados, maquiagem impecável. Um tipo de beleza que parecia ter saído de um editorial de moda e caído por engano em ruas normais.
O homem à sua frente parecia o oposto: jaqueta de couro escura, barba mal feita, cabelo bagunçado, mas com um charme perigoso e beleza única.
Ela o encarou por um breve segundo e desviou o olhar como se ele fosse irrelevante.
— Desculpa. Foi o sinal. Eu não vi a mudança tão rápida. - Disse ela, retirando a carteira.
— Ah, entendi. A culpa é do sinal agora?
Ela respirou fundo.
— Moço, desculpa. Qual o valor? Eu pago. Foi erro meu.
Ele arqueou uma sobrancelha, surpreso com a praticidade.
— Acha que pode resolver tudo com dinheiro?
— Sim. É um carro. Vou pagar com o quê? Com o corpo?
A frase seca caiu como uma pedra entre os dois.
Ele a olhou fixamente.
— Seu corpo não pagaria nem meio salário meu carro.
Ela arregalou os olhos, surpresa com o atrevimento.
— Sei. Como se eu não tivesse reparado em como você me olhou. Diga logo seu valor. Todo mundo tem um preço.
Ele riu, mas havia algo amargo no riso.
— Experiência própria?
Ela virou de costas, bufando, e entrou no carro sem dizer mais nada.
— Então pague com sua arrogância. - Disse ela, alto, quando ligou a van.
Evelyn arrancou o carro com força.
A água acumulada da calçada respingou em cheio nas pernas do homem. Ele gritou, xingando:
— Sua mal-educada!
A van sumiu na esquina.
Ele ficou parado por alguns segundos, ensopado, depois soltou um riso de canto de boca.
— Bonita, geniosa. Mas mal-educada Srta. Ashford. - Disse entrando no carro e partindo.
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Meia hora depois, ele seguia para seu apartamento, quando avistou uma van estacionada no acostamento.
Faróis apagados.
A silhueta de uma mulher ajoelhada ao lado do pneu furado era visível.
Ele freou o carro.
Desceu devagar e se aproximou com calma, as mãos nos bolsos da jaqueta.
— Quer ajuda com minha arrogância?
Ela ergueu os olhos, ofegante, suja de graxa, cabelo bagunçado. A elegância agora mais real, menos distante.
— Está me seguindo?
Ele sorriu.
— Não se ache tanto, senhorita Ashford. Eu sei quem você é. A viúva do herdeiro dos Ashford.
Ela terminou de apertar a última porca, levantou-se sem pressa.
— Parabéns. Pelo menos tem cérebro. Agora saia daqui.
Ela vasculhou a bolsa e puxou um cartão branco com letras douradas. Entregou com nojo.
— Ligue se precisar de dinheiro. Pelo que vejo, é pobre e medíocre.
Entrou na van, sem dizer mais nada. Arrancou com firmeza e sumiu estrada adentro.
Ele ficou olhando para o cartão.
— E mais uma vez ela me deu as costas.
Girou o cartão entre os dedos, pensativo e disse:
— Ah, mulher… mulher. Vou me aproximar de você. Mas não como você pensa. A senhora Ashford quer a verdade. E eu vou conseguir. Nem que isso me custe aguentar sua língua afiada.
Blake sorriu com diversão e seguiu em frente.
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O salão principal da mansão Ashford estava impecável.
Tecidos brancos caiam das colunas em ondas suaves. Arranjos de orquídeas decoravam as mesas e crianças corriam rindo entre os convidados enquanto garçons discretos passavam com taças de suco e bandejas de doces. O evento beneficente organizado por Evelyn era, como sempre, um sucesso.
Ela mesma estava perto do palco, orientando uma funcionária sobre o microfone e checando se o telão funcionava bem.
Foi quando viu ele.
Entrando pelos fundos do salão, usando um terno escuro, o cabelo mais bem arrumado, o rosto barbeado, o porte impecável. Era o homem do acidente, agora com outra presença.
Discreta, mas inegável.
Evelyn apertou os olhos e foi direto até ele. Seus saltos ecoavam no piso de mármore.
— O que está fazendo aqui? - Perguntou sem disfarçar a irritação.
Ele sorriu com calma.
— Achei que todo convidado era bem recepcionado pela anfitriã.
— Está invadindo uma propriedade privada. Saia antes que eu peça segurança.
— Eu fui convidado. - Disse ele, e desviou o olhar para trás dela.
Vivienne surgiu, elegante num vestido cinza grafite, colar de pérolas antigo, o cabelo preso em um coque baixo. Caminhou até os dois.
— Algum problema? - Perguntou com voz cortante.
Evelyn se voltou para ela, tensa.
— Esse homem invadiu o evento. Disse que foi convidado, mas...
Vivienne interrompeu com firmeza:
— Ele foi convidado. Por mim. É Adrian Blake. Filho de uma amiga.
Evelyn ficou em silêncio por alguns segundos. Depois virou-se para Adrian com frieza.
— Tente não causar outro acidente, senhor Blake. Essas crianças já passaram por traumas demais.
Ele sorriu com calma, sem dar importância.
— Farei o possível, senhora Ashford.
Ela se afastou sem dizer mais nada, olhos fixos à frente. Mesmo com toda a beleza física de Adrian, agora evidente, era como se ela se recusasse a notar.
Ou fingisse não notar.
Vivienne se virou para ele, com expressão neutra.
— Ela vai dificultar. Está sempre tentando manter tudo sob controle. Mas o controle está escorrendo pelos dedos dela.
— Ótimo. Eu trabalho melhor quando ninguém me quer por perto. - Ele tirou do bolso um pequeno bloco de notas: — Tenho alguns endereços antigos de funcionários da época do acidente e nomes que posso começar pelas testemunhas que depuseram naquele tribunal.
Vivienne assentiu.
— Faça o que for preciso. Prove o que todos aqui têm medo de admitir.
Adrian olhou de canto para Evelyn, que agora sorria para fotógrafos ao lado de Lena.
— Eu vou fazer muito mais do que provar. Eu vou desmontar a imagem perfeita dela. Parte por parte.
Vivienne sorriu de leve.
— Então seja bem-vindo à mansão. Só cuidado para não se queimar com a luz dela. Por mais falsa que seja, ainda cega.
Ele guardou o bloco e respondeu:
— Eu não sou de me cegar. Mas sei muito bem reconhecer uma cobra que brilha.
Evelyn deu início ao evento, ela era como uma luz.
Uma luz que acende e brilha demais.
