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Capítulo 2

Quando Vivienne chegou na mansão Ashford, a entrada estava tomada por flores brancas, toalhas de linho sendo estendidas, garçons sendo instruídos por mulheres apressadas. O salão era preparado para o evento beneficente mensal. Evelyn organizava tudo pessoalmente, como sempre fazia desde que Alexander falecera.

Ela estava no centro do espaço, segurando um catálogo de decoração. Usava um vestido creme justo, salto alto e o mesmo sorriso impecável de sempre, o tipo de sorriso treinado para não rachar mesmo com a alma em frangalhos. Mas Evelyn não tinha frangalhos, só pose.

— Olha, mãe... - Disse, apontando para o alto: — acha que aquele lustre combinaria melhor com o tom do veludo nas mesas?

Vivienne nem parou de andar. Passou por ela como quem atravessa uma nuvem incômoda.

— Você não deveria estar gastando dinheiro que não te pertence. E eu nunca te dei liberdades para me chamar de mãe!

— Perdão? - Evelyn arqueou uma sobrancelha.

— Lembre-se de que, quando meu filho morreu, você deixou de ser esposa dele. Só está aqui por… caridade do meu marido Conrad. Então, lembre o seu lugar e pare de gastar dinheiro sua puritana.

A voz da matriarca saiu firme, sem esforço, mas com o peso de uma sentença.

Alta o suficiente para silenciar garçons, decoradores, até o pianista de ensaio.

Todos olharam.

Evelyn sorriu com os olhos semicerrados.

— Para uma mulher que se gaba tanto da própria fineza, sua boca é tão suja.

— E você é tão falsa quanto esse seu sorriso. - Falou a mais velha com nojo evidente.

— Deveria ser mais humana com quem precisa. Diferente da senhora, eu faço algo útil. Trabalho. Uso meu tempo e a fortuna da família para ajudar quem precisa. Não fico sentada julgando os outros com taças de cristal na mão. Para quem nunca precisou trabalhar na vida, é natural não saber o valor de um tênis social. A senhora se casou por dinheiro, eu não me vendi como a senhora. Só se casou com o seu Conrad, porque foi abandonada pelo homem que dizia amá-la.

Vivienne nem hesitou.

O som do tapa foi seco e inesperado.

Plaft!

— Você é uma caipira. Casou com meu filho por dinheiro. Que direito tem de me dar lição de moral?

Evelyn segurou o rosto de lado, o rubor do tapa já surgindo na pele impecável.

Mas nem gritou, nem chorou.

Sorriu com um canto da boca.

— Talvez a senhora devesse se olhar no espelho. Seus julgamentos constantes não são sobre mim, são sobre você. Sobre essa culpa escondida de não ter amado o suficiente o próprio filho enquanto ele estava vivo. Sobre o medo de ter apostado na mulher errada. E agora… precisa me destruir pra se provar útil.

Nesse momento, Lena apareceu correndo pelo corredor lateral, assustada com a cena.

— Vó! Para! O que está acontecendo aqui?

Vivienne virou-se com a expressão ainda vibrando de raiva, mas não respondeu à neta.

— Um dia, quando a máscara desse abutre cair, você vai ver que eu sempre estive certa.

— Ou... - Evelyn respondeu, limpando o canto da boca com os dedos: — a senhora vai descobrir que passou a vida inteira apostando na pessoa errada. De novo.

Vivienne encarou Evelyn por um longo instante, depois virou-se com o que lhe restava de dignidade e saiu do salão.

Lena ficou entre as duas mulheres, confusa, tentando entender qual das duas dizia a verdade. Evelyn, por sua vez, apenas ajeitou o cabelo e sorriu para os empregados como se nada tivesse acontecido.

O evento começaria em uma hora.

Mas o que ninguém sabia era que, em outro ponto da cidade, Celeste Langdon se vestia para seu novo turno no clube, com um envelope antigo em mãos.

Dentro dele, uma foto. Atrás, uma assinatura: Alexander H. Ashford. Para sempre, C.

E ela prometera a si mesma que, naquela cidade, nenhuma máscara duraria para sempre.

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— Mãe, você precisa ser mais amorosa com a vovó. - Disse Lena, segurando o braço de Evelyn com delicadeza.

A moça estava séria, olhos fixos na mãe, mas sem hostilidade.

Evelyn respirou fundo, tentando não deixar a frustração subir de novo.

— Lena, eu te amo mais do que qualquer coisa nesse mundo. Mas eu não sou mulher de baixar a cabeça pra ninguém. Sua avó sempre me odiou. Nunca aceitou que Alexander tivesse se casado comigo. Ela queria aquela… mulher. Porque ela era educadinha, recatada, pobre, mas toda certinha. Não aguentava a ideia de ver o filho ao lado de uma mulher tão caipira como eu. Mas ele me amava. Me amava pelo que eu era. Pela minha coragem, pela minha garra.

Lena a abraçou.

Apertou forte, como quem tenta proteger dos dois lados ao mesmo tempo.

— Eu sei, mãe. Mas só toma cuidado. Às vezes, ser impulsiva demais faz a gente tropeçar. E o vovô, ele não pode se estressar. Você sabe.

— Eu sei. - Evelyn suspirou, cansada, mas ainda firme: — Não vou prometer nada. Mas por Conrad… eu vou manter a compostura. Só não espere que eu me deixe pisar. Ainda tenho minha dignidade. E sua avó vai aprender que, mesmo odiando, ela vai ter que me engolir.

Elas se separaram do abraço. Evelyn recompôs o cabelo, pegou a pasta com os detalhes do evento e voltou a caminhar com os saltos marcando cada passo.

Lena ficou alguns segundos parada, olhando a mãe se afastar com a postura que tentava disfarçar o orgulho ferido.

Lá em cima, atrás das cortinas pesadas do segundo andar, Vivienne observava a cena com olhos frios.

Evelyn, sorrindo, ajustando flores com Lena.

Postura perfeita.

Tudo ensaiado.

Mas para Vivienne, não passava de performance e disfarce.

Ela se virou devagar, caminhou até a escrivaninha, pegou o telefone e discou um número memorizado.

— Senhor Blake.

— Senhora Ashford. - Respondeu a voz do outro lado, grave, contida: — A senhora precisa de algo?

— Sim. Preciso que vá até o endereço que vou lhe enviar. Quero que converse com Celeste Conrad amanhã pela manhã.

Houve uma breve pausa.

— A senhorita Conrad está fora?

— Sim. Em liberdade. Mas precisa de ajuda. - Ela disse.

— O que exatamente a senhora espera de mim?

— A verdade. Quero que investigue o que não foi dito. O que ficou mal explicado. Aquilo que todos esconderam. Mas com total sigilo absoluto. Você me entendeu?

— Entendi. Estarei com ela amanhã, nove da manhã.

— E venha ao evento conhecer a sua investigada.

Vivienne desligou o telefone.

Não disse mais nada.

Caminhou de volta até a janela.

Evelyn estava lá embaixo agora abraçando Lena, sorrindo, rindo com os empregados ajeitando os detalhes do lustre.

A velha Ashford apertou os lábios, sem emoção, como quem já viu esse teatro mais vezes do que gostaria.

Com os dedos, fechou suavemente as cortinas.

E pensou consigo:

"A cortina sobe, mas um dia o espetáculo termina. E quando terminar, quero estar na primeira fileira."

Lá embaixo, Evelyn entregou a pasta para a filha e disse:

— Okay, meu amor. Vou até o orfanato, buscar as crianças. Avise seu avô que eu ligo para ele no caminho.

Lena assentiu e sorriu feliz.

Evelyn entrou na van e partiu enquanto a noite se aproximava.

Ela tocou no rosto, lembrou do tapa e disse a si mesma

"Só não revidei, porque mesmo me odiando, é como uma mãe pra mim."

Ela sabia que tinha tudo e não ia permitir cair sem lutar.

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