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Colo de Mãe

Foi uma curta caminhada até o carro. Mas nesse meio tempo, tive tempo para pensar em algumas coisas.

A primeira delas, é claro, foi passar no hospital e visitar Jace. Só que o o horário de visita já havia encerrado. Além disso, eu não tinha mentido sobre uma coisa: eu estava cansada para cacete.

O Bonnie Bar ficava a uma distância de quarenta minutos do Lower East Side, onde eu vivia, e mais longe ainda de Staten Island, onde minha mãe e minha avó moravam. Mas eu me vi pegando o caminho em direção ao segundo.

Não queria passar aquela noite sozinha. Eu precisava de apoio, precisava de uma companhia. Mas não do tipo de companhia que Emma imaginava. Eu não estava precisando de um homem qualquer na minha cama, para tentar aplacar a dor e o sofrimento que me dilaceravam por dentro, um dia depois do outro.

Natalie já estava me esperando, enrolada em um robie de seda, quando eu cheguei ao restaurante.

- Você está fazendo milagres por esse lugar – eu elogiei, me referindo a decoração irlandesa minimalista ao nosso redor. Minha mãe não era muito boa em manter o controle das finanças – nem o controle própria vida -, mas ela tinha um talento inegável para decoração.

- Obrigada, fico feliz que você tenha gostado – ela sorriu, puxando duas cadeiras para nos sentarmos. – Mas estou um pouquinho preocupada em ver você aqui no meio da noite. Aconteceu alguma coisa?

Eram quase dez da noite. Eu nem tinha me dado conta de que aquilo poderia ser um gatilho para ela depois de tudo o que havia passado.

Os olhos de Natalie me encaravam, flamejantes. Ela estava apavorada e eu segurei sua mão.

- Não foi nada, mãe. Eu estou bem, não aconteceu nada – minha voz ficou embargada, quando eu acrescentei: - Acho que eu fiquei com saudades. Acho que precisava de um pouco de colo e um abraço seu, só isso.

Droga, aquela não era eu. Eu nunca, ou quase nunca, chorava.

Pelo menos eu não chorava antes.

Minha vida estava um caos. Uma sucessão de tragédias em forma de avalanche. Primeiro, as coisas tinham chegado bem perto de se resolver. Eu havia feito as pazes com Jace, estava prestes a publicar um livro e colhia os frutos de uma investigação bem sucedida.

Então, as coisas começaram a desandar.

Eu ainda tinha um grande emprego e um belo apartamento, mas todo o resto estava afundando rapidamente. De repente, tudo o que eu possuía não supria as coisas que estavam faltando.

- Ah, querida - ela me abraçou tão forte que eu precisei me segurar para não desabar naquele momento. – Você veio ao lugar certo. Sente-se. Eu vou trazer uma garrafa de vinho.

- Você está bebendo?

- Não. Isso não quer dizer que você não possa tomar uma taça.

Minha família gostava de beber. O sangue irlandês correia forte em nossas veias. Por causa disso, era difícil qualquer coisa com álcool nos derrubar.

Eu concordei e ela voltou com uma garrafa de cabernet e uma taça.

Minha mãe era pequena e leve como um passarinho. O cabelo louro estava arrumado para cima com uma pregadeira e os olhos sugeriam uma leve sonolência. Eu não acredito que ela estivesse dormindo quando eu cheguei, mas estava bem perto disso. Eu tinha aprendido a observar seus hábitos nas últimas semanas e fazia isso melhor do qualquer um.

- Me conte o que você está sentindo – ela pediu, sentando de frente para mim e servindo o vinho.

- Como se você fosse um médico? - sorri.

- Não, como se eu fosse sua mãe, engraçadinha. Me diga o que está se passando dentro do seu coração, agora mesmo.

Eu revirei os olhos, suspirando em seguida. Estava brava. Brava com tudo, com o mundo inteiro. Mas principalmente comigo mesma por ter descumprido minha regra mais importante. Nunca me apaixonar.

O amor era um risco que eu não precisava correr. Um empecilho, um contratempo. Eu havia ousado me apaixonar e tinha terminado com uma corda no pescoço, a gravidade me puxando para baixo.

- Você sabe muito bem o que é, mãe. Por que quer me ouvir falar?

- Porque falar faz bem e eu acho que você está precisando.

Eu não gostava de falar. Bom, na verdade, eu adorava, mas não sobre os meus problemas reais. E não tinha desenvolvido o hábito de fazer aquilo com a minha mãe.

Durante muito tempo, eu estive certa de que a minha função era protegê-la do mundo, perdoar suas falhas e acobertar os seus erros. Agora, Natalie vinha tentando destruir aquela imagem. Mas ela ainda era frágil, delicada e cheia de cicatrizes. Não era fácil simplesmente abrir a boca e atropelar aquele pequeno beija flor com todas as merdas contra as quais eu vinha lutando.

Os olhos de Natalie ainda estavam atentos sobre mim quando ela perguntou:

- Por que não fazemos como quando você era pequena, então?

- Do que você está falando, mãe?

- Vamos falar sobre bolo.

Antigas lembranças me atingiram em cheio. Algumas boas, outras nem tanto. Algumas bem ruins. Problemas escolares, namoros frustrados, o divórcio dos meus pais. Eu nunca tinha sido boa em desabafar. Era como ter um nó entalado na garganta e não conseguir desfazê-lo.

Por isso, Natalie tinha um método nada convencional, mas que sempre dava certo. E receitas de bolo eram sua especialidade.

Ela puxou a cadeira para o meu lado e me envolveu pelos ombros com um dos braços. Eu aconcheguei a cabeça na curva do seu pescoço. Fechei os olhos, sentindo o conhecido cheiro de patchouli na sua pele.

A voz dela chegou aos meus ouvidos, me embalando com doçura, enquanto contava sobre a nova receita de bolo que havia aprendido. Chocolate belga e nozes.

De olhos fechados, eu imaginei aquele bolo tomar forma. Primeiro a massa, depois o recheio. Ingrediente por ingrediente, uma camada após a outra. Eu me concentrei no sabor do chocolate amargo, na textura densa e fofa, na sensação levá-lo até a boca e prová-lo.

Quando Natalie terminou, eu estava quase dormindo.

E nem tinha tocado no vinho.

- Vamos subir? – ela beijou minha cabeça e eu concordei, me espreguiçando devagar.

Tinha acabado de me levantar, quando o celular tocou dentro da bolsa. Peguei o aparelho, achando que ouviria uma enxurrada de reclamações de Emma, mas o número no visor fez meu coração parar.

- É do hospital.

Natalie abriu a boca e fechou, balançando a cabeça.

- É melhor você atender, Olivia.

Eu não queria atender. Não estava preparada para o que poderia ouvir do outro lado da linha. Meus instintos mais básicos gritavam que nenhuma notícia boa era dada aquela era da noite. Eles estavam ligando para partir o meu coração em pedaços e eu nunca mais conseguiria me recuperar daquilo.

Ainda assim, não havia muito o que eu pudesse fazer. Eles estavam ligando a respeito de Jace e eu precisava atender.

Apertei o botão, aceitando a chamada, e levei o aparelho ao ouvido.

- Alô?

- Srta Olivia Goode? – era uma voz masculina.

Estava tão silencioso no Hospital Presbiteriano, quanto no restaurante.

Eu podia escutar as batidas do meu próprio coração, tentando sair do peito.

- Sim.

Os olhos de Natalie não desgrudavam de mim. Minha mãe era absurdamente expressiva. Olhos arregalados, mãos trêmulas, enquanto puxava mais o hobbie para cobrir o conjunto de dormir.

- Desculpe ligar tão tarde – a voz disse do outro lado, de modo automático. – Esse era o único telefone de contato no prontuário do Sr Jace Kellan. Você poderia confirmar se vocês são familiares?

- Nós somos namorados.

- Certo, então. Estamos ligando para informar que o Sr Kellan acordou.

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