O encontro
Antes que eu pudesse processar a cena, ele apareceu.
Os passos dele se aproximavam com uma calma calculada, cada batida dos sapatos contra o mármore parecendo parte de uma coreografia silenciosa. Era como em um daqueles filmes antigos em que a expectativa é tão bem construída que a simples aparição de um personagem altera o ar ao redor. E foi exatamente isso o que senti.
Octavio Rinaldi.
Aquele nome já vinha carregado de peso — de poder, de arrogância, de controle. Mas vê-lo pessoalmente foi como ser atingida por um impacto silencioso. Alto, imponente, vestindo um terno perfeitamente ajustado ao corpo musculoso, ele surgiu na porta como se o ambiente inteiro o pertencesse. Como se o próprio escritório fosse apenas uma extensão natural de sua presença.
O corte preciso dos ombros do paletó realçava sua estrutura atlética, o relógio reluzente no pulso esquerdo não era só caro — era uma declaração. Seus olhos, porém, foram o que me prenderam. Intensos, escuros, inquisidores. Tinham aquela capacidade irritante de olhar direto através das pessoas, como se buscassem descobrir não o que você mostra, mas o que você tenta esconder.
E quando seu olhar pousou em mim, percorreu todo o meu corpo em um exame silencioso e sem pressa. Dos meus pés até os olhos, com uma pausa proposital nas minhas pernas cruzadas. O calor subiu pelas minhas bochechas, mas eu não desviei. Respirei fundo, escondendo o nervosismo atrás de uma postura firme e profissional.
Levantei-me da cadeira com a compostura que me restava, estendi a mão e anunciei, com o máximo de calma que consegui reunir:
— Luana Ramirez. Estou aqui por indicação de Giovanni Marzano e Elena.
O nome dos dois causou um breve estremecimento em sua expressão — pequeno, mas perceptível. Um lampejo de incômodo passou por seus olhos antes que ele apertasse minha mão com firmeza. A palma dele era quente, forte… e contrastava de forma brutal com o olhar frio e calculista que sustentava. Era como tocar um corpo em brasa coberto por gelo.
— Entre — disse ele, seco, sem rodeios, como quem não está acostumado a ser questionado.
Obedeci. Senti seus olhos me acompanharem em silêncio enquanto caminhava, e mesmo de costas, era como se seu olhar tocasse cada parte do meu corpo, arrancando camadas invisíveis da minha armadura.
A porta se fechou com um estalo que ecoou como um selo. Algo havia sido selado ali. Um espaço de silêncio e tensão, um campo de guerra discreto entre chefe e nova assistente. Entre um homem que estava acostumado a dominar... e uma mulher que tinha aprendido a resistir.
Ele se acomodou atrás da mesa, cada gesto medido, ensaiado, como se o próprio corpo obedecesse a comandos de hierarquia.
— Então, a senhorita sabe falar italiano? — perguntou, com um tom quase preguiçoso, mas carregado de sarcasmo.
A provocação era clara. Uma tentativa de me desestabilizar.
Cruzei os braços, erguendo o queixo com a mesma naturalidade com que ele exibia o relógio de luxo.
— Estudei italiano. E, além disso, só minha mãe é colombiana. Meu pai era italiano.
Ele riu. Não uma risada leve, mas algo seco, zombeteiro, como se eu tivesse contado uma piada.
— Se seu pai era italiano, deveria ter documentação. O que, claramente, não tem, já que seu passaporte é colombiano.
A raiva queimou sob minha pele. Respirei fundo, sentindo o gosto amargo da lembrança.
Inclinei-me ligeiramente para frente, sustentando o olhar dele com firmeza e deixando minha voz sair como um açoite frio.
— Quando um homem é canalha, engana a mãe de sua filha e desaparece no mundo, fica um pouco difícil conseguir reconhecimento paterno no registro, não acha?
A frase cortou o ar entre nós como uma lâmina. Por um segundo, ele não disse nada. Os olhos escureceram, talvez por surpresa ou desconforto — ou os dois. Mas não desviei.
A tensão que se instaurou era densa. Não havia barulho algum, apenas respirações contidas e um campo magnético invisível que nos mantinha presos em um duelo sem armas.
Ele quebrou o silêncio com um suspiro discreto, como quem recalcula uma estratégia. Puxou uma planilha da mesa e a empurrou na minha direção com um gesto brusco.
— Organize isso.
Peguei o papel, sentei-me novamente e comecei a trabalhar. Meus dedos percorriam os dados com precisão, enquanto o silêncio entre nós gritava. Senti que ele me observava, mas não levantei os olhos. Não permitiria que ele lesse qualquer fraqueza.
Assim que terminei, empurrei a planilha de volta. Levantei o olhar e o encarei com firmeza, sem hesitar.
Octavio examinou o documento rapidamente e, ao erguer os olhos para mim, havia algo novo neles. Um brilho de surpresa, um recalcular silencioso.
— Rápido — murmurou, neutro. Mas o olhar não combinava com o tom.
— Não vim aqui para perder tempo, senhor Rinaldi — respondi, mantendo minha voz firme, carregada de algo que só uma mulher endurecida pela vida sabe carregar: resistência.
Ele me observou por longos segundos. Seus olhos agora pareciam menos interessados em me intimidar e mais focados em entender o que exatamente havia diante dele. Como se tivesse encontrado algo inesperado.
— Vamos ver quanto tempo você dura.
A provocação estava ali. Mas não vinda de um chefe. Soava mais como um desafio entre duas forças.
Endireitei os ombros e, com um leve sorriso, respondi com naturalidade:
— Espero superar suas expectativas, senhor Rinaldi.
O canto de sua boca se curvou em um sorriso quase imperceptível — não de simpatia, mas de quem percebe que o jogo não será tão simples quanto esperava.
— Você começa na segunda-feira. Passe na recepção e forneça tudo o que for necessário.
— Obrigada, senhor Octavio.
Ao me virar para sair, ouvi sua voz atrás de mim, mais baixa, mas carregada de algo indecifrável.
— Não me agradeça ainda.
Aquelas palavras me seguiram como um sussurro ameaçador. E ao cruzar a porta, com o coração acelerado, soube com todas as certezas silenciosas que minha vida acabara de mudar.
Porque aquele emprego não era só trabalho. Era um campo minado.
E eu acabava de pisar com os dois pés nele.
