A boate chama
Luana Ramirez
Elena me contava sobre como estavam as coisas entre ela e Giovanni. A relação deles estava em uma encruzilhada, repleta de desafios e obstáculos que pareciam intransponíveis. Mas, no meio de toda aquela tempestade, havia uma certeza absoluta: Giovanni a amava de uma forma desesperada, feroz. Um homem capaz de mover o mundo por ela, de enfrentar qualquer inferno apenas para vê-la feliz.
— Me desculpe… — murmurou do outro lado da linha, mas antes que eu pudesse responder, ela continuou apressadamente: — Não deveria te encher com os meus problemas… estou tão feliz por você estar trabalhando para Octavio.
Eu estava grata por Elena ter me conseguido aquele emprego. Se não fosse por ela e Giovanni, eu provavelmente ainda estaria vagando de um trabalho precário para outro. Mas, apesar de ser oficialmente contratada, meu chefe me desprezava imensamente. Sentia isto sobre mim a cada olhar frio e desdenhoso que ele me lançava. Ele não escondia que me queria fora dali. Me desafiava diariamente, testando meus limites, esperando que eu desistisse, que jogasse a toalha.
Coisa que eu jamais faria.
Afinal, o que eu segurava em minhas mãos naquele momento era o motivo pelo qual eu suportava seu temperamento arrogante e suas exigências absurdas. Olhei para o documento de permissão de trabalho na Itália, aquele pedaço de papel que, embora frágil, era minha garantia de permanência. Finalmente, eu estava legal naquele país.
— Amiga, pode falar o quanto quiser sobre sua vida e seus problemas, sempre estarei aqui para você. Mas tenho certeza de que tudo ficará bem entre vocês. São desafios que vocês enfrentarão juntos. Giovanni te ama, e isso o faz mover o mundo por você.
Eu podia sentir o sorriso de Elena do outro lado da linha, o que aliviou o aperto que eu sentia no peito por vê-la tão confusa e sobrecarregada.
— Obrigada, Lu. Mas agora me conte... como está sendo o trabalho no escritório?
Eu poderia contar a batalha fria e silenciosa que travava com Octavio todos os dias. A forma como ele me testava, me desafiava, me irritava com aquele olhar superior, como se estivesse sempre esperando que eu cometesse um erro. Poderia descrever o quanto ele era insuportável, arrogante, prepotente... e, para minha infelicidade, absurdamente lindo. Mas isso, jamais admitiria em voz alta.
Não queria dizer uma mentira a Elena, então, me limitei ao que podia dizer.
— Estou me saindo bem. Ele me paga muito mais do que eu esperava conseguir, para ser sincera. Quando fui procurar emprego, imaginei que conseguiria uma vaga na limpeza, talvez para servir café ou arquivar papéis. Mas acho que tive sorte de sua secretária ter se demitido minutos antes.
Sorri ao lembrar da ex-funcionária mandando Octavio se foder e batendo a porta na cara dele. Um momento glorioso.
— Ele te contratou por indicação, mas você está lá por mérito. Nunca se esqueça disso — Elena reforçou. — Você sempre foi incrível nesse trabalho, mesmo quando ainda estávamos na Colômbia...
— Sim, mas você sabe o quanto é difícil exercer nossa profissão em outro país quando somos imigrantes.
— Sei bem disso. Mas agora você está legalizada. E quando Octavio conseguir regularizar a situação da sua mãe, tudo será perfeito.
Elena sempre foi uma sonhadora, e eu admirava isso nela. Mas eu era mais prática, mais realista.
Meu documento não era definitivo. Não era um passaporte italiano, não era dupla nacionalidade. Minha legalidade na Itália duraria enquanto eu trabalhasse para Octavio. Depois disso, nada era garantido.
Era por isso que eu estava disposta a suportar tudo, todas as exigências, todas as provocações. Porque, no fim, aquilo ainda era melhor do que as exigências de Donatello me explorando na boate.
Como se sentisse meus pensamentos pesados do outro lado da linha, Elena perguntou hesitante:
— Você parou de ir para a boate...?
Eu queria poupá-la, mas nunca mentíamos uma para a outra.
— Não. Ainda estou dançando lá. Como Rosalia, a Latina...
— Deus, Lu. Você deveria parar. Esse homem é um explorador, um veneno...
— Eu sei. Mas tenho aquela maldita dívida de quando ele nos trouxe para a Europa. Você sabe que se eu não pagar, as consequências não serão nada boas. Com Donatello não se brinca.
— Eu posso falar com Giovanni...
— Não. Por favor, não faça isso ou eu realmente ficarei muito chateada.
Meu tom foi mais duro do que eu pretendia, mas eu precisava que ela entendesse. Aceitei sua ajuda para sair da cafeteria que me pagava mal e me humilhava diariamente. Com Octavio, eu estava ganhando três vezes mais e tinha um emprego digno, apesar de tudo. Mas a boate ainda era necessária. Eu precisava ficar lá por mais alguns meses... foi o que expliquei para ela para amenizar como havia falado com ela antes.
— Tudo bem, eu te entendo. Mas se mudar de ideia, me avise. E o cliente misterioso...?
Elena sabia do mascarado. O homem enigmático que exigia momentos comigo na sala VIP. Com ele, as coisas eram diferentes. Não havia sexo forçado, não havia submissão indesejada. Ele era delicioso e generoso. Principalmente, financeiramente.
Ele achava que estava me ajudando ao me manter exclusiva, pagando pelas minhas noites, garantindo que eu não fosse para outras mesas, para outros toques. Mas, no final, isso não mudava tanto minha situação. Minha faturação ainda era cobrada, e Donatello fazia questão de aproveitar os dias em que o mascarado não aparecia, me forçando a fazer companhia a outros homens, a atendê-los como ele bem entendesse.
— Ele está indo com mais frequência. Mantendo seu silêncio. O que tenho dele são seus pagamentos generosos... e poucas palavras sussurradas.
Minha voz vacilou um pouco, e meu rosto esquentou ao lembrar de certos momentos. Elena percebeu e soltou uma risadinha do outro lado da linha.
— Dania me disse que nunca viu aquele cliente ir para a sala VIP com ninguém. Ele sempre esteve ali, mas só bebia com os amigos, por sinal todos sempre optaram pelas máscaras. Ele assistia a algumas danças, mas nunca se envolvia como a maioria de seus amigos. Até ele ver você dançar. Esse homem tem um interesse especial em você.
Sorri diante da inocência de Elena.
Ah, ele com certeza via algo em mim. Mas não era romântico, não era conto de fadas. Era desejo. Era a necessidade de me possuir de uma forma que eu ainda não entendia completamente.
Conversamos um pouco mais, e com eficiência, mudei de assunto. Conduzi a conversa para as novidades da vida dela, deixando a minha de lado.
Quando nos despedimos, coloquei o telefone para carregar e me preparei para ir para a cama. Mas, antes que pudesse sequer me deitar, a tela do celular se iluminou com uma nova mensagem.
"Venha para a boate. Tem trabalho para você, Rosalia."
Meu estômago se revirou.
Era de Donatello.
E não tinha nada a ver com o mascarado, com o homem que eu gostava de encontrar. Hoje não era um dos dias dele.
O que significava que Donatello tinha algo diferente para mim.
E isso nunca era um bom sinal.
