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Capítulo 1

CARLA

— Não pode me controlar assim, Levi. Eu trabalho com o que amo e você já sabia disso quando decidiu se casar comigo! — afirmei, continuando a arrumar meus croquis, sem me importar se meu marido continuava a gritar para que eu não fosse trabalhar.

A cada dia que passava, nossas brigas estavam ficando mais frequentes, e eu não podia deixar de ouvir a voz da minha mãe e do meu irmão me avisando disso quando quis me casar um ano atrás.

Eu era jovem e estava começando meu próprio ateliê de design, tinha o sonho de construir uma marca que se consolidasse no mundo da moda. Até que me apaixonei pelo policial mais lindo da corporação e coloquei o casamento à frente de todos os meus sonhos.

— Quando vai entender que não tem que trabalhar? Eu sustento essa casa, pago por tudo o que você precisa — ele gritou, chegando mais perto de mim. Mas, assim que me viu continuar a organizar meus papéis para sair, sua mão agarrou meu braço. — Por que quer pegar um maldito trânsito e atravessar a cidade só para trabalhar e se cansar?

— Eu amo o que faço, sempre amei desenhar e costurar roupas. Construí aquele ateliê sozinha antes de você aparecer na minha vida! — gritei de volta, agarrando seu punho para me livrar do aperto. — Não pode me pedir para abrir mão do que amo fazer.

— Posso, porque sou a porra do seu marido! — Levi grunhiu, apertando ainda mais os dedos em torno do meu braço, de uma forma como nunca havia feito antes.

O olhar dele já não era o mesmo de quando acordamos naquela manhã. Estava escuro, quase como se ele estivesse possuído por algo ruim.

Sacudi a cabeça em negação. Aquele era o pensamento mais bobo que eu poderia ter. Ele só estava nervoso, como costumava ficar sempre que a chance de ser promovido se aproximava.

Eu já havia lidado com aquele humor azedo várias vezes. Aguentava bem suas palavras duras e suas grosserias, revidando todas elas porque meu sangue fervia e não havia sido ensinada a engolir calada.

— Pare com essa loucura de querer me impedir de trabalhar. Isso nunca vai acontecer. E agora, largue o meu braço. Está começando a me machucar, Levi! — exclamei, sentindo meu coração começar a bombear pura raiva para dentro das minhas veias.

Ser criada com três irmãos e uma mãe latina durona havia me deixado ainda mais forte, me feito mais determinada em momentos como aquele. E homem nenhum me faria desistir da minha carreira.

Uma risada seca ecoou entre nós. Ele riu debochando de mim, ao invés de me soltar. Então, sem que eu esperasse, ele agarrou meu outro braço mais acima, apertando com ainda mais força seus dedos em volta da minha carne, como se realmente quisesse me machucar, me causar dor.

— Eu estou te machucando? Eu? — me questionou, arregalando os olhos e trincando o maxilar, parecendo completamente fora de si, enquanto eu lutava contra seu aperto, puxando meus braços e sacudindo meu corpo.

— Levi, pare com isso! Está me machucando!

— Não é assim que você gosta? Não é assim que o filho da puta que te fode no trabalho faz? — suas palavras me trouxeram ainda mais espanto que sua ação.

Do que diabos ele estava falando? Como podia pensar algo assim de mim, depois de tudo o que abri mão por ele, depois de todos os sonhos que atrasei?

— Que merda é essa agora? Perdeu o juízo?

— Acha que sou idiota? Pensou que conseguiria me fazer de bobo, que eu ficaria rendido por ter uma mulher mais nova e tão bela ao meu lado que não pensaria direito? — ele jogou as palavras sacudindo meu corpo. — Você sai apressada, não responde minhas mensagens, passa horas e mais horas trancada naquele ateliê. E quando chega... ah, quando minha bela esposa chega, está cansada demais para olhar pra mim, com sono para transar, sequer se importa comigo!

Senti um peso se abater em meu peito, dificultando a respiração enquanto eu era obrigada a encarar a realidade do que havia se tornado o nosso relacionamento desde o casamento.

Eu não queria enfrentar isso, porque sabia que só havia uma forma de acabar, e não estava preparada para encarar o fim. Não até agora.

— Quer saber o culpado disso? É você mesmo! — gritei, tentando colocar minhas mãos contra seu peito para me livrar dele. — Você chega em casa bêbado sempre que quer, não faz nada para me ajudar, sequer lembrou do meu aniversário! Uma flor, Levi! Nem mesmo uma maldita flor você me deu desde que nos casamos. Acha mesmo que tem como manter uma mulher interessada quando não faz o mínimo para cuidar dela? Quando não demonstra interesse pelas coisas que ela gosta de fazer ou tentar surpreendê-la?

Minhas palavras pareceram surtir algum efeito sobre ele, já que senti seus dedos perdendo a força em volta de mim. E com um único puxão, consegui me livrar de uma vez por todas.

— Onde você vai? Vamos terminar essa conversa!

— Trabalhar. É isso o que eu vou fazer. E nós já tivemos essa conversa, três meses atrás, quando você me jurou que iria mudar. — o lembrei, cansada demais para continuar com aquela conversa, tentar manter aquele casamento em ruínas de pé, quando era a única a fazer esforço. — Eu fui gentil, Levi, usei as melhores palavras para que você entendesse, e não houve efeito nem por um dia!

— Não vai jogar isso em mim, Carla! A verdade é que você só queria um otário para pagar suas contas, alguém que você pudesse usar enquanto fodia com algum garotão por aí!

Ouvir aquilo foi como receber um balde de água fria. Eu paralisei no meio da sala, olhando para o homem que acreditei amar, mas que agora via que não passou de uma fantasia que criei em minha mente.

Levi nunca foi protetor, amoroso, dedicado. Tudo isso era o que eu esperava que ele fosse. Eram as qualidades que eu admirava em Alejandro, meu irmão — o único homem que esteve ao meu lado enquanto eu crescia. E eu acreditei que estivesse me casando com uma versão desse tipo de homem.

Mas era libertador finalmente ter a verdade escancarada para mim. Ouvi-lo falar aquelas insanidades me fez encarar a realidade e arrancar um peso das minhas costas, porque, naquele momento, eu soube que sairia daquela casa e jamais voltaria.

— Tudo o que você quer é que eu abra as pernas quando pedir, e que sempre esteja em casa à sua disposição, com uma cerveja na mão e um prato de comida quente — respondi com a voz bem mais calma, porque não havia mais motivos para brigar. Não havia nada ali que valesse a pena lutar. — Mas não se importa em fazer o mínimo para apreciar tudo o que faço em casa ou fora. Não admira meu trabalho, nem o esforço que tenho para cuidar da casa e de você. Para mim já chega, Levi.

Então tudo aconteceu rápido. Rápido demais para que eu pudesse me dar conta.

Só percebi o que ele havia feito quando senti o impacto contra meu rosto, me jogando para o lado com força e me deixando completamente desnorteada.

O som da pancada zuniu em meus ouvidos, deixando tudo ao meu redor abafado, enquanto o gosto metálico invadia minha boca.

Ergui a cabeça lentamente, ainda sem conseguir acreditar no que havia acontecido, e meus olhos se encontraram com os dele. O mundo já não parecia o mesmo, ou talvez eu já não fosse a mesma.

Então vi os punhos ainda fechados, como se alguém quisesse me avisar que ainda não havia acabado. E, antes que eu pudesse dizer algo ou correr, Levi acertou outro golpe em meu rosto, me levando ao chão, minha mente tentava processar o que estava acontecendo e meu corpo assimilava a dor que se alastrava em minha mandíbula e bochecha.

Ofeguei, me arrastando no chão, sentindo o desespero no peito ao ouvir o som dos passos dele chegando mais perto, sem que eu conseguisse sequer ficar em pé.

— Você não vai me fazer de bobo, Carla! Não vou deixar que me faça de vilão nessa sua história fantasiosa, quando a única culpada é você! — ele gritou, e eu tateei o chão em busca de algo que pudesse jogar contra ele. — Não vou perder tudo por sua causa.

A dor se alastrava, como um lembrete de que aquilo era real. Estava mesmo acontecendo. Eu precisava reagir, mesmo com o medo se apossando de cada pedacinho meu.

Então senti seu pé perto demais, até que ele estivesse sobre mim, com as mãos agarrando meu pescoço. Meus olhos se abriram com esforço, mas o desespero venceu a dor e o inchaço que já começava.

— Le…

Me debati, encarando Levi de joelhos ao meu lado, com uma expressão perturbada. Os olhos pareciam prestes a saltar das órbitas, vermelhos e esbugalhados, e suas mãos continuavam o trabalho, apertando meu pescoço com força, querendo me arrancar todo o ar.

Eu queria poder gritar, socá-lo ou qualquer coisa, mas a necessidade de ar me fez raciocinar mais devagar do que queria. Meus pulmões queimavam, buscando por ar, e todo o meu corpo sacudia no chão. Minhas pernas se mexiam freneticamente, como se, daquela forma desesperadora, eu fosse conseguir me livrar dele.

A pressão em meu pescoço aumentava e o ar se tornava cada vez mais escasso. Minha garganta ardia como se estivesse em chamas, enquanto eu lutava para respirar. O desespero tomou conta quando um zumbido surdo invadiu meus ouvidos, abafando os gritos dele e os sons ao meu redor.

Minhas mãos, trêmulas e fracas, tentavam encontrar algo. O calor sufocante em meu peito se transformava em um frio gélido que percorria meus membros, enquanto meu coração martelava descompassado. Pânico crescia em ondas, um medo primitivo de que aquele seria meu último suspiro. Eu precisava reagir. Precisava me salvar antes que fosse tarde demais.

Foi quando, enfim, senti algo gelado e duro contra meus dedos. Agarrei sem pensar duas vezes e mirei no braço à minha frente, cuja mão estava prestes a me matar. Cravei em sua pele, rasgando-a e arrancando um grito de dor.

Levi soltou meu pescoço, tentando arrancar a pequena tesoura de ponta de seu braço. E isso me deu a chance que precisava para fugir.

— Volte aqui, sua vadia! — o ouvi gritar dentro da casa, enquanto eu corria aos tropeços, me apoiando nas paredes para conseguir sair dali.

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