Capítulo 2 *A Farsa da Rotina*
Levantei-me com um suspiro de tédio, peguei meu celular e comecei a verificar meus e-mails. Logo franzi a testa, surpreso, ao notar duas mensagens que, além do meu polegar, chamaram minha atenção mais do que o necessário. Desde quando minha mãe me envia e-mails? Ela tinha meu número de telefone anotado em algum lugar, mas nunca se preocupou em ligar. Cerrei os dentes, sentindo uma pontada invisível perfurando meu crânio, esmagando meu cérebro. Sem pensar muito, ignorei os e-mails e guardei o celular no bolso. Aquela mulher era o último membro vivo da minha família, mas era veneno para mim. Eu ficava muito mais tranquilo quando ela estava longe.
Mordi o lábio nervosamente, olhando para a tela do celular, me perguntando o que diabos a teria levado a me escrever, depois de meses de silêncio absoluto. No entanto, não tive coragem de olhar novamente. O primeiro pensamento que passou pela minha cabeça foi que talvez ela estivesse doente ou algo grave tivesse acontecido, o que me deu um nó no estômago por um instante. Claro! Porque alguém que está doente envia um e-mail sabendo que o destinatário pode não perceber ou apagá-lo acidentalmente. Suspirei mais uma vez, pensando em como aquela mulher era estranha e, conhecendo-a um pouco, convenci-me de que devia ser algo trivial, como algum evento idiota que ela havia organizado para seus livros miseráveis e baratos. Deixei para lá.
Como sempre, cheguei atrasado. Achei melhor arrumar minha camisa branca, deixando-a bem aberta no peito, e calçar os sapatos. Depois de dar uma última olhada no espelho ao lado da porta de saída, agradeci a Dolores, o anjo que alisou meu cabelo, evitando que eu parecesse um vagabundo. Abaixei a maçaneta e, em um piscar de olhos, me vi debaixo da varanda. Era agosto e ainda fazia bastante calor, apesar da chuva constante que tinha sido um problema.
— Que dia de merda! — murmurei, caminhando em direção ao Mustang preto estacionado no jardim. Para falar a verdade, tirando a chuva, eu não estava tão mal assim. Eu morava perto de Southampton, em um luxuoso loft de um único andar com quase duzentos metros quadrados, com jardim, piscina coberta e, como cereja do bolo, vista para o mar. Eu não tinha ganhado nada, tudo era dinheiro que meu pai me deixou pouco antes de morrer. Ele e minha mãe, Sharon, se divorciaram quando eu era muito jovem, mas, apesar da minha pouca idade, decidi ficar com ele. Para mim, meu pai era um herói; um homem íntegro que sempre serviu dignamente à segurança do seu estado até o seu último dia, quando foi morto por uma bomba colocada debaixo do seu carro, devido ao velho óxido que ainda restava. Quanto à minha mãe, sempre achei que ela não amava meu pai e que, sinceramente, não se importava muito ou nada comigo.
Ela conheceu seu atual companheiro, Owen, em Londres, há cerca de oito anos, quando eu tinha pouco mais de dezesseis anos. Desde então, pelo pouco que eu sabia, eles nunca se separaram. Quando o relacionamento deles ficou sério, vendemos todos os nossos bens. Ela, seu “príncipe encantado” e seu filho Nathan se mudaram para um apartamento duplex no Upper East Side de Nova York. Fiquei com os pertences restantes do meu pai, aproveitei a oportunidade e me mudei para Long Island para nunca mais tê-los por perto.
Liguei o carro que meu padrasto me deu no meu aniversário de 24 anos: um Ford Mustang Bullitt de duas portas, último modelo, uma verdadeira joia. Liguei o limpador de para-brisa e engatei a marcha à ré para sair para a avenida principal e ir para o trabalho bem cedo.
— Que cheiro é esse? — murmurei, enojado com um estranho aroma de vômito vindo de quem sabe onde, provavelmente dos tapetes dos bancos traseiros. — Ah, merda! — exclamei, abaixando um pouco a janela para que pequenas gotas flutuassem delicadamente sobre meu rosto, coberto por uma leve penugem.
Sorri ao ver uma criança gordinha descendo a rua.
— Jorge, gordo! — gritei, vendo-o correr como um saco de lixo com revistas publicitárias na cabeça. — Este condado tem mais de um milhão de pessoas que pagam impostos, e em Southampton há cerca de trinta mil, mas a única coisa que vejo são buracos no asfalto. Como é possível? —
— Estilos! — sorriu em sinal de saudação. — Definitivamente vou entregar sua mensagem ao meu pai.
Levantei uma sobrancelha com ironia. — Mas eu te conheço há três anos e você sempre diz a mesma coisa. Diga ao seu pai que esqueça minha nota este ano e pare de rabiscar o rosto! Você parece a minha mesa do colégio. — Eu o repreendi brincando, apontando para as tatuagens que cobriam seu rosto jovem. Jorge era um cara legal, embora um pouco traficante de drogas. No entanto, entre meus clientes, seu material era sinônimo de qualidade e honestidade. Seu pai era o prefeito da cidade e seu tio, o xerife do condado, o que me tornava intocável e meu negócio também.
Eu o ouvi rir. — Você gostou das coisas que Santi e Jefferson trouxeram ontem? Sei que você deu uma festa e não me convidou. Como sempre! — Ele revirou os olhos com uma expressão ofendida, enquanto eu não conseguia evitar rir de suas caretas engraçadas. — Tinha muitas garotas?
— Muitas, mas achei que você gostava de pau! — brinquei, virando-me para a garota de cabelos longos e cacheados enquanto pegava meu celular para avisar Dolores, a faxineira, para vir à minha casa arrumar a bagunça, que já parecia um bordel.
Seus olhos se arregalaram. — O que você está fotografando? Não!
— Te convido quando seu pai usar o dinheiro dos nossos impostos para consertar esses malditos buracos em vez de ir a prostitutas. — Pensei nos pneus ruins do meu carro. — Já estou indo, você está me atrasando!
— Você pode me levar à livraria antiga?
— Mas você nem sabe ler.
Ele sorriu. — Eu tenho que lidar com isso, não ir comprar um livro!
— Só se você admitir que gosta de chupar pau.
— Ahhh, esquece! — exclamou ele, levantando a barra das calças, agora encharcadas, para cobrir o traseiro, enquanto eu sorria antes de acelerar novamente, embora não fosse uma boa ideia. Passei por uma poça e toda a sujeira e água espirraram na lateral do meu carro, sujando as janelas laterais.
— Merda! — bufei ao ver Jorge rir pelo espelho retrovisor. Estava chovendo e eu estava com pressa; caso contrário, teria descido e o teria obrigado a limpar a carroceria com a língua. Embora, de qualquer forma, eu teria que levá-lo para lavar.
Merda.
“Conta-me tudo!”, respondi ao telefone assim que ouvi tocar. “Tudo bem, estarei aí em breve, obrigado, Cooper”. Desliguei com o barman da boate, que me informou que os pedidos estavam atrasados devido à enchente. Ele disse que também havia várias inundações nas principais estradas, o que complicava as entregas. Merda, a última coisa que eu precisava era fechar o Love. Afinal, era o lugar mais movimentado do condado e as pessoas esperavam ansiosamente pelo fim de semana.
O dia tinha começado mal e, por nenhuma razão no mundo, poderia ter sido pior... ou pelo menos era o que eu pensava. Estacionei o Mustang o mais perto possível da entrada para evitar me molhar mais do que o necessário. Depois de pegar o que precisava, corri para dentro.
— Cooper! — murmurei, ao não vê-lo dentro do local, o único funcionário que eu realmente respeitava. Eu amava todos os rapazes que trabalhavam para mim, mas ninguém jamais poderia ocupar o lugar de Cooper. Trinta anos, sereno, não fumante, abstêmio, de poucas palavras e feliz no casamento. Era um homem honesto e um pai exemplar. Nunca o apanhei a fazer-se de morto com os clientes ou com as raparigas a dançar em cima do balcão, apesar de ter todas as oportunidades para o fazer. Talvez fosse essa uma das razões pelas quais o ouvia tanto. Ele lembrava-me o meu pai; reconhecia a sua generosidade, o respeito e a honestidade nos seus olhos.
Olhei ao meu redor e notei que o lugar estava quase vazio, exceto por algumas mesas no fundo, ocupadas por grupos de estudantes cheios de espinhas, decididos a fumar alguns cigarros em segredo enquanto bebiam Red Bull e se comportavam calmamente com as garotas.
— Pirralhos — murmurei baixinho antes de colocar um cigarro entre os lábios. Acendi-o e respirei fundo, apreciando a primeira baforada do dia.
