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Capítulo 2

—Francesca, ela não é sua mãe —disse ele, olhando para mim por mais um instante antes de olhar para a filha—. Venha cá —acrescentou, estendendo a mão e tirando-a de mim com firmeza, mas delicadeza.

—Allesio —disse ele. Supus que esse era o nome do homem que estava atrás de mim. Ele largou a arma.

—Saia —ordenou o pai de Francesca enquanto embalava a filha nos braços de forma protetora—. Agora.

Não esperei que me dissessem duas vezes. Caminhei com cuidado até me afastar dos homens e das armas antes de me dirigir ao elevador. O meu coração batia tão forte que tinha a certeza de que conseguia ouvi-lo.

O ponto de vista de Alaric.

Vi a garota correr em direção ao elevador, com o cabelo solto do coque em que estava preso e a horrível saia que usava balançando atrás dela.

As portas do elevador se fecharam atrás dela e eu a vi desaparecer, sua figura engolida pelas portas de aço. Apertei a mandíbula, reprimindo a irritação que fervilhava sob a superfície. Nicol... Aquela mulher era uma complicação, uma espinha que não estava lá esta manhã e, no entanto, de alguma forma, havia se infiltrado no meu dia.

— Tem certeza de que não é a mamãe? — A voz de Francesca era baixa, quase como se ela estivesse perguntando a si mesma em vez de a mim.

Olhei para ela, com lágrimas brilhando em suas bochechas e o lábio inferior tremendo. Eu estava acostumado com as perguntas de Francesca e com a forma como sua curiosidade se fixava nas coisas mais estranhas, mas isso... essa fixação em uma mulher que ela acabara de conhecer? Incomum, mesmo para ela.

—Sim, querida —respondi, mantendo a voz firme, mas suave o suficiente para ela, embora pudesse senti-la se afastar de mim enquanto falava—. Ela não é sua mãe.

—Mas ela olhou para mim como a mamãe olharia —sussurrou Francesca, agarrando-se à minha camisa com força enquanto baixava o olhar para o chão. Uma lágrima teimosa escorreu por sua bochecha. Ela estava se contorcendo e eu não conseguia controlá-la. Isso não era o que eu havia planejado. Eu disse àquela mulher para ir embora, para sair de nossas vidas tão rápido quanto havia entrado nelas.

—Vamos, Francesca. —Eu avancei, mas ela se contorceu entre meus braços, seus soluços começavam a sacudir seu pequeno corpo. Ela se controlava, tentando se conter, mas era apenas uma questão de tempo antes que a situação saísse do controle. Fiz um sinal para Allesio, que ficava perto, com seu olhar penetrante, sempre atento.

—Tudo bem, chefe? —ele perguntou, desviando o olhar de mim para Francesca.

—Por enquanto — murmurei, embora soubesse que não estava. Os olhos de Francesca estavam cheios da confusão e da angústia que só uma criança pode sentir, cruas e sem filtro. E, por um segundo, senti uma pontada indesejada no peito. Eu estava falhando com ela, de uma forma que não conseguia expressar em palavras.

—Papai —sussurrou Francesca novamente, com a voz entrecortada—. Podemos voltar para ela? Por favor? Quero vê-la de novo. Só mais uma vez.

— Francesca — suspirei, sentindo minha paciência se esgotar. Vamos para casa. Agora.

Ela me olhou fixamente; seu rosto era a imagem perfeita da teimosia. Eu já tinha visto aquele olhar antes, com frequência suficiente para saber que seria preciso mais do que palavras para acalmá-la. E então, aconteceu o inevitável. Sua vozinha se quebrou, transformando-se em um gemido ensurdecedor que ecoou pelo corredor.

—Francesca —sibilei, apertando-a com mais força enquanto seus pequenos punhos batiam no meu ombro. Seus socos pequenos, mas insistentes, eram mais fortes do que deveriam ser para alguém do seu tamanho. Olhei ao redor, meio preocupado que seus gritos chamassem a atenção, algo que eu não podia permitir.

—Allesio —disse em tom de ordem—. Traga Nicol de volta.

—Tem certeza, chefe? —Allesio arqueou as sobrancelhas, mas não esperou por uma resposta. Eu o conhecia há tanto tempo que não precisava de mais explicações. Ele simplesmente deu meia-volta e desapareceu pelo corredor sem dizer mais nada.

Francesca continuava soluçando, com o rosto enterrado no meu ombro enquanto eu a levava pelo corredor. Seus gritos, implacáveis e dilacerantes, destruíam a paciência que me restava. Eu queria simplificar as coisas. Eu disse a Nicol para ir embora para nos poupar todos esses problemas, para garantir que não tivéssemos problemas desnecessários em nossas vidas. E, no entanto, lá estávamos nós.

O caminho para casa foi um turbilhão, os gritos de Francesca incessantes, seu pequeno corpo destruído pelos soluços no banco de trás. Tentei persuadi-la, tentei distraí-la com tudo o que me vinha à cabeça, mas nada parecia chegar até ela. A cada poucos segundos, ela soluçava, e sua voz se quebrava ao pronunciar o nome da mãe, embora nem mesmo a conhecesse. Apenas uma fantasia à qual ela se agarrava, uma que mal conseguia compreender.

Uma vez dentro de casa, tentei acomodá-la na sala, sentando-a em seu sofá favorito, pegando o ursinho de pelúcia que ela sempre tinha por perto, com seus dedinhos percorrendo suas costuras gastas enquanto suas lágrimas finalmente começavam a diminuir. Ela estava em silêncio, mas ainda dolorida, com a respiração ofegante.

—Francesca —disse eu, agachando-me na frente dela—. Ele não vem. Você entende?

Ela me olhou fixamente, com os olhos vidrados, e assentiu, mas eu sabia que ela não acreditava. Ela já estava construindo uma história em sua mente, uma em que Nicol entraria pela porta, a abraçaria e lhe prometeria tudo o que ela queria ouvir.

—Você pode me dizer o que está acontecendo, querida? —perguntei, com a voz mais suave do que antes. Eu me sentia como um estranho para mim mesmo naquele momento, quebrando camadas que havia construído com tanto cuidado durante anos.

Ela esfregou os olhos, tentando encontrar as palavras, e então sussurrou: “Pensei que era a mamãe”.

—Francesca... —Suspirei, sentindo o peso da minha própria frustração. Não sabia como explicar, não sabia como convencê-la a largar algo que nem existia.

Levantei-a e levei-a para o quarto. Era o único lugar onde ela se sentia segura; as paredes pintadas de um suave tom de lavanda a acalmavam quase todos os dias; a cama estava cheia de todos os peluches que ela amava. Deitei-a na cama e cobri-a com um cobertor enquanto ela permanecia ali deitada. A respiração dela estava entrecortada enquanto as lágrimas começavam a secar lentamente.

Ela olhou para mim, com os olhos inchados e vermelhos, e perguntou: —Por que ela não pode voltar, papai? —.

“Porque...”, hesitei, sem saber o que dizer, como expressar isso de forma que sua jovem mente pudesse entender. “Porque ela não é sua mãe, Francesca. Às vezes, as pessoas entram em nossas vidas e depois vão embora, e é assim que deve ser.”

— Mas e se ela quiser ficar? — sussurrou ela, com uma voz quase inaudível.

— Não, querida. Ela não faz parte da nossa família.

As palavras soaram frias, até para mim. Odiava o tom clínico, o quão duras soavam. Mas era a verdade. E sabia que, se a deixasse acreditar no contrário, acabaria por magoá-la ainda mais.

Sentei-me na beira da cama, acariciando seus cabelos prateados com uma mão, sentindo sua suavidade sob meus dedos. Ela fechou os olhos; seu pequeno corpo finalmente relaxou enquanto o cansaço de seu acesso de raiva começava a passar.

— Você vai ficar comigo até eu dormir? — ela perguntou, com a voz quase um sussurro.

— Claro — murmurei, deitando-me ao seu lado. Envolvi-a com o braço, sentindo o calor de seu pequeno corpo junto ao meu enquanto sua respiração se acalmava e as últimas lágrimas secavam em suas bochechas.

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