Capítulo 4: Noite longa
Sophia Blanco
— Você não pode ir embora agora. Está tarde e pode acontecer algo… — Lucas insiste, pela milésima vez, com aquele tom firme e protetor.
— Tá bom, tá bom. — respondo, revirando os olhos, já cansada da discussão. Mas ele está certo. É noite, já passa da meia-noite e, mesmo que eu não queira admitir, mesmo tendo meu motorista não é seguro sair agora.
O problema é outro: o arrepio que sinto só de pensar em passar a noite sob o mesmo teto que esse homem. O pai da minha melhor amiga. Um homem que me tira do eixo só com o olhar.
— Que bom. Onde você prefere dormir? — ele pergunta, com naturalidade. Mas o modo como ele me olha, a pausa entre as palavras… tudo parece carregado de um duplo sentido.
Franzo a testa, lançando-lhe um olhar de quem está dizendo “Você tá brincando, né?”
— Digo, num dos quartos de hóspedes ou… no quarto da Cris. — ele corrige-se rapidamente, levantando as mãos como quem se defende. Dou um suspiro, aliviada.
Acho que sou eu quem está imaginando coisas demais. Talvez ele só esteja tentando ser gentil, como qualquer anfitrião faria. Mas, com ele… tudo parece algo mais.
— Quarto de hóspedes. — respondo seca, tentando colocar um muro entre nós, nem que seja só por palavras. Preciso parar com isso. Ele é o pai da Cris. Só isso. Ponto final.
Ele me acompanha até o quarto. Insiste para que eu vá na frente. E durante todo o caminho, mesmo que eu não me vire, sinto — com cada fibra do meu corpo — que os olhos dele estão grudados em mim.
Na minha nuca.
Nos meus ombros.
Na… minha bunda?
Meus pensamentos estão me traindo. Tento me convencer de que é coisa da minha cabeça, mas não consigo ignorar a tensão que vibra no ar entre nós dois. Algo que não deveria existir, mas está ali, pulsando.
[…]
O quarto é enorme. Lindo. A cama é macia, os lençóis cheiram a lavanda e o travesseiro é fofo como nuvem.
Mas eu não consigo dormir.
Viro de um lado. Viro do outro.
Olho o teto.
Conto até cinquenta.
Nada.
Minha mente não sossega. Lucas. Seu nome ecoa. Sua imagem reaparece. Seus olhos. Seu sorriso torto. A forma como me olhou, como se quisesse me devorar…
E o pior? Em todas as imagens que minha cabeça cria, eu não o impesso. Eu… deixo.
— Para com isso, Sophia! — sussurro para mim mesma, cobrindo o rosto com o travesseiro. Isso é loucura. Uma linha fina que eu jamais posso cruzar.
Mas estou com sede. Talvez seja o calor, talvez só uma desculpa pra levantar e me distrair.
Fico me perguntando se realmente devo sair, já que estou vestindo apenas um dos baby dolls da Cris — ele é branco, delicado, com detalhes em renda. Curto. Muito curto. Sexy demais para essa situação.
Mas era isso ou dormir com roupa molhada, já que minha outra roupa ainda está secando.
Saio do quarto pé ante pé, tentando não fazer barulho. A casa está silenciosa, quase sombria. A cozinha tem uma luz fraca acesa e sigo direto até a geladeira, sirvo um copo de água e dou alguns goles.
Estou de costas, concentrada em beber devagar, quando sinto: Braços me envolvendo por trás. Quentes. Firmes.
Assustada, largo o copo que se espatifa no chão, espalhando cacos e água gelada.
— Mas que droga! — viro-me num pulo.
E dou de cara com Lucas. Só de cueca.
— Você ficou maluco?! — falo, sem conseguir decidir se estou mais assustada, nervosa ou… mexida. A luz da cozinha realça os músculos do peito dele. Há uma segurança no seu jeito que me desarma, mesmo que eu não queira admitir.
— Desculpa, não queria te assustar. — ele diz com aquele maldito sorriso malicioso. — Mas, sinceramente… não sei o que se passa comigo quando estou perto de você.
Arregalo os olhos. Antes que eu consiga responder, noto… o volume na cueca dele.
Engulo em seco.
— Na verdade, se passa muita coisa, tipo como uma garota pode ser tão linda e gostosa como você é! — ele diz como se fosse a coisa mais natural do mundo.
Dou dois passos para trás, mas não há mais espaço. As costas batem contra a parede. Ele se aproxima com calma, com confiança, como se soubesse exatamente o que fazer — e o que eu estou sentindo.
Sua mão toca minha cintura. A outra sobe pela minha nuca.
Ele me beija.
E eu… correspondo.
Minha mente grita “não”, mas meu corpo diz “sim”. O beijo é quente, cheio de desejo. Meu coração bate como um tambor. Meus dedos apertam o peito dele, mas não para empurrar. Para sentir.
E então…
— Lalalaaa, eu voltei, amor da minha vidaaa… — a voz da Cris ecoa pela casa.
Pânico.
Empurro Lucas com força e corro para me esconder atrás da bancada. Meu coração ameaça explodir.
Ele se recompõe rápido. Tão natural quanto um ator experiente.
— Oi, filha. — diz com voz calma, quase sonolenta.
— Oi, pai. O que o senhor está fazendo aqui embaixo? — pergunta ela, que parece ter bebido mais do que devia.
— Estava com sede. Quebrei um copo. Estou limpando antes que alguém se machuque.
Mentira perfeita. Ele diz isso enquanto pega os cacos do chão com uma expressão serena. Impressionante. Eu mal consigo respirar e ele está lá, agindo como se fosse só mais uma noite normal.
— Ah, tá. Vou ver a Sophia. Ela me mandou várias mensagens. — diz Cris, subindo as escadas.
Socorro.
Espero alguns segundos até ter certeza de que ela já não está por perto. Saio correndo da cozinha sem olhar para trás.
Chego ao quarto, abro a porta e lá está ela, sentada na cama, com o celular na mão.
— Eh… oi. — digo, tentando parecer natural.
— Onde você estava? — pergunta, sem desviar os olhos do celular.
— Fui ver se você estava no seu quarto. — digo rapidamente, forçando um tom de despreocupação.
Ela me encara por um segundo e depois dá de ombros.
— Humm. Tá. — parece ter acreditado. Graças a Deus.
— Quero dormir. — aponto para a porta com um sorriso forçado. Não consigo mentir olhando nos olhos dela por muito tempo.
— Ok. — ela levanta e caminha em direção à saída. Nos despedimos com um aceno breve e ela sai.
Fecho a porta atrás dela, encosto e suspiro profundamente. Me jogo na cama, ainda tremendo.
O que foi aquilo?
O beijo. O toque. O desejo.
E mais do que tudo: por que eu retribuí?
Lucas está brincando com fogo — e eu também. Mas ao contrário dele, eu não tenho o menor controle da situação.
Revivo cada detalhe do que aconteceu na cozinha, tentando entender meus sentimentos. Ele é o pai da minha melhor amiga, alguém que deveria ser um exemplo de responsabilidade… e mesmo assim, ele me olha como se eu fosse uma tentação.
Pior: eu estou começando a gostar disso.
Mas sei que não posso continuar assim.
Tenho que parar.
Fecho os olhos, tentando bloquear a imagem do corpo dele, da forma como ele me tocou, do gosto do beijo.
Respiro fundo.
E pela primeira vez em muito tempo, tenho medo de onde essa história vai dar.
