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Capítulo 6

— Oi, cariño, que bom ouvir sua voz! Tem um minuto?

Segurei o telefone entre a cabeça e o ombro, enquanto registrava sem parar anotações no computador. Era bom escutar a voz da minha mãe, mesmo que eu estivesse atolada em trabalho até as orelhas.

— Para você, é claro. Aconteceu alguma coisa?

— Primeiro quero saber como anda e o que tem feito? Já se cansou de Nova York ou ainda está flutuando em uma bolha?

Meus dedos paralisaram. Engoli um suspiro, encarando o cursor que piscava na tela. Tive vontade de confessar a ela que minha bolha havia sido estourada pelas minhas atitudes imprudentes. Mas a última coisa que eu queria era decepcionar minha mãe, por isso, forcei um sorriso em minha voz.

— Minha bolha anda flutuando com tudo. Mas não sei se vou aguentar de saudades de você...

— Também estou sem suportar, Isabel. Não sabe a falta que me faz! —ela suspirou alto. — Meu consolo é saber que você está bem. Deixe te dizer, lembra daquele favor? Para o meu amigo?

— Sim. O que houve?

— Ele me ligou. Precisa muito da sua ajuda.

Suas palavras foram o empurrão que eu precisava para o fundo do poço. Desde o beijo no elevador, o Sr. Carter andava me ignorando solenemente. Eu também não havia tentado me aproximar dele de novo. Depois de ter tomado a iniciativa, achava que a atitude deveria partir dele agora.

A última coisa que eu queria era ter que pedir favores a ele. Ou qualquer outra coisa humilhante.

— Para ser sincera, as coisas se complicaram um pouco — baixei a voz, envergonhada.

— Como assim se complicaram?

— Não é nada, não se preocupe, eu vou dar um jeito.

— Como assim dar um jeito, Isabel? Jeito em quê?

Enterrei o rosto na palma da mão. Eu deveria imaginar que minha mãe ficaria preocupada. Era praticamente tudo o que ela fazia da vida há muitos anos: se preocupar e desejar um futuro melhor para mim. E agora eu respondia como? Com ingratidão, impulsividade e todos os sentimentos idiotas que borbulhavam dentro de mim.

Olhei de novo para o maldito cursor. Eu já havia esquecido completamente o que estava digitando. Consultei o relógio no canto inferior da tela, sabendo que deveria ir embora em duas horas, mas nem tinha tido tempo de almoçar. Terminei de engolir meu sanduíche e limpei as mãos com o guardanapo.

— Considere o favor feito. Do que ele precisa?

— Seu chefe está prestes a fechar um contrato importante. Muitos milhões de dólares —ela enfatizou. — Meu amigo quer descobrir o nome desse parceiro.

— E para quê?

— Ele quer fazer uma proposta para o Sr. Carter —ela explicou. Eu conseguia ouvir o som alto do vizinho, do outro lado, e o meu peito foi inundado com as saudades de casa. — Se souber quem é o outro candidato, as coisas ficam mais fáceis.

— Ele quer estudar a concorrência...

— É assim que as grandes parcerias se formam, não? Com empurrõezinhos, você sabe.

— Bom, se é só isso, acho que posso conseguir. Tem uma pilha de contratos esperando pela assinatura do Sr. Carter, mas ele ainda não chegou —usei o elástico que tinha no pulso para prender o cabelo na altura da nuca. O ar condicionado havia quebrado mais cedo e o funcionário ainda não havia aparecido para consertar. — Deve levar algum tempo, mas sei que consigo.

— Perfeito, mi amor. Ligue-me quando tiver notícias — a voz dela ficou meio tensa. — Isabel, está tudo bem mesmo? Sua voz está um pouco estranha. Não se atreva a mentir para mim, eu conheço você, minha filha. Como a palma da minha mão direita.

— Mami...

— Querida, às vezes, tudo o que precisamos é falar com alguém. Falar alivia os nossos problemas.

Minha garganta queimou.

Meu Deus, como ela estava certa... eu precisava mesmo desabafar! Mas não com ela, não àquela distância. Eu não queria encher sua cabeça com ainda mais preocupações, por isso sorri.

—Estou ótima, não se preocupe. O trabalho é mais puxado do que eu imaginava e a falta que sinto de você não ajuda nada, sabia?

— Ah, meu bebê! — a voz dela soou cheia de melancolia. — Te quiero tanto! Sabe que, se ficar ruim demais, você pode voltar para casa, não é?

— Sim, eu sei. Para os seus braços — sorri, mas a garganta estava apertada. — Eu também te amo, mamãe. Fique tranquila, eu ligo para você mais tarde.

Empurrei a cutícula da unha com o dedo, lembrando como ele havia saído sem ao menos se despedir quando abriram o maldito elevador. Isso aliado aos longos minutos de um silêncio constrangedor haviam feito o que Javier tinha tentado sem sucesso. Atirar o meu orgulho no lixo.

O fato é que, ainda assim, eu não conseguia parar de pensar no Sr. Carter. Eu o detestava? Claro. Mas minha mente se recusava a abandoná-lo. Seria tão mais fácil empurrá-lo para fora da minha cabeça como uma maldita cutícula!

Mas isso não estava funcionando, por isso, eu havia decidido me sufocar com uma quantidade absurda de trabalho. O que vinha dando certo até que Dayse voltou do almoço, claramente irritada e pronta para discutir sobre alguma coisa.

— Você não faz ideia do que aconteceu!

— Não. O que foi?

— O Barbara Clarke desse ano foi marcado para o mesmo dia do aniversário da Maddie —ela confessou, angustiada. — Me diga, agora, o que é que eu vou fazer, Isabel, tendo que decidir entre um compromisso de trabalho e o aniversário da minha filha.

Larguei o teclado, enquanto olhava para ela. Dayse abriu sua bolsa pendurada no cabideiro. Depois, veio para a mesa, com o pequeno espelho redondo que ela usava para retocar o batom às vezes.

— O que é o Barbara Clarke?

— Apenas o evento mais importante do mundo para o seu chefe — ela levantou as sobrancelhas como se fosse impossível eu não saber, mesmo tendo chegado só há uma semana. — Todo ano ele comemora o aniversário da falecida noiva com uma reunião íntima para trezentos convidados. Todos dançam, bebem e comem como reis. Depois disso, gastam algum dinheiro com a caridade para se sentirem melhores.

Um nó se instalou na minha garganta. Um evento com o nome da noiva? O Sr. Carter ainda a amava, aí estava o motivo para ele ter me dispensado. Nada sobre futuros arrependimentos ou sobre ele ser uma pessoa ruim.

Havia alguma atração entre nós? Sim, eu sabia que havia faíscas! Depois daquele beijo, não havia como negar. Mas ele não considerava o bastante para sair de sua vida pateticamente orquestrada.

Eu era uma segunda versão de Caitlin Bellefleur e não estava sabendo como lidar com isso.

— Terra chamando Isabel — Dayse estalou os dedos na frente do meu rosto. — Ainda está aí?

— Claro que sim. Escuta, como você acabou convidada para esse baile?

— Não sou exatamente uma convidada. Como assistente pessoal do Sr. Carter, preciso estar lá para acompanhá-lo. Mas esse ano, ele adiou o baile em uma semana e caiu exatamente no dia do aniversário da minha filha!

Eu endireitei a postura, subitamente mal-humorada. Conseguia entender que ele ainda tivesse sentimentos por Barbara Clarke, afinal, chegaram a ficar noivos, mas decidir espontaneamente interromper sua vida por causa disso? Era uma atitude idiota.

—Sabe o que você deveria fazer?

— O que?

— Dizer a ele que não pode ir porque tem um compromisso.

Ela me olhou séria por cinco segundos antes de cair na gargalhada.

— Nossa, Isabel. Você é ótima, de verdade! Tem um senso de humor impagável.

Olhei para a pobre Dayse, sem saber mais o que poderia dizer. Eu não tinha filhos, mas se tivesse, esse seria o tipo de preocupação que me comeria viva. Eu não saberia abrir mão de um momento precioso como aquele.

Esse, aliás, era o motivo pelo qual eu não queria ter filhos. Sonhava com uma carreira brilhante e crianças não se encaixavam naquela ideia.

— Que complicado, Dayse! Mas não se preocupe tanto.

— Como não vou me preocupar? Estamos organizando há meses! E toda a festa já está preparada, com comida, convidados... levei séculos pagando tudo! Como a vida é injusta...

A expressão no seu rosto dizia tudo. Ela estava desolada, mas já tinha tomado uma decisão. Entre o trabalho e a família, ela, por obrigação, escolheria o trabalho.

— Você não pode desistir tão fácil assim — eu bufei, indignada. — Primeiro, precisa conversar com o Sr. Carter, garantir que ele entenda como isso é importante para você.

— Eu o conheço muito bem, Isabel. Não vai adiantar de nada. É só um aniversário perto de...

— Outro aniversário. E de uma defunta!

Arregalei os olhos, percebendo que havia falado demais justamente quando o Sr. Carter entrava pelo corredor. Dayse e eu nos entreolhamos, chocadas demais para articular palavras. Houve um longo silêncio constrangedor até que ela quebrou o gelo com um sorriso trêmulo.

— Sr. Carter, boa tarde. Tenho o contrato da Mckenzie que o senhor pediu.

— Leve para mim — ele não se moveu. Em vez disso, cravou em mim os seus olhos gelados. — Ou melhor, deixe que a Srta. Herrera se encarregue disso.

O Sr. Carter saiu marchando para a sua sala e eu fechei os olhos, com a sensação de que minha alma abandonava o corpo. Dayse passou para trás da mesa, pegou o contrato e entregou a mim.

— Mantenha a calma, garota — ela me empurrou pelos ombros para que eu tirasse meus pés cravados no chão. — Eu diria que a situação não é tão ruim quanto parece, mas ela é. Vai ter que lançar mão do seu charme cativante para acalmar a fera.

Lançar mão do meu charme cativante?

Ah, Dayse não fazia ideia...

Eu me aproximei da porta da sua sala, alisando rugas imaginárias na minha roupa. Como de costume, bati duas vezes e entrei em seguida. Ele já estava recostado em sua cadeira, mostrando que me aguardava. Apertei a pasta nas mãos e mantive o rosto virado para baixo, evitando assim o seu olhar esmagador.

— Trouxe os documentos que o senhor me pediu.

Eu me aproximei, encolhida sob o seu olhar glacial, e deixei a pasta sobre a mesa. Ele não disse uma palavra, queixo apoiado na mão, cotovelo sobre a mesa.

— Com licença, senhor —pedi me afastando.

— Ainda não, Srta. Herrera. Quero dizer uma coisa a você.

Engoli em seco. Sua voz grave me causava arrepios. Dos mais diversos tipos.

— Se for sobre o que o senhor ouviu...

— Sei que dei a entender uma coisa, no outro dia. E, talvez, tenha ficado com uma impressão equivocada da nossa relação.

Senti meu fluxo sanguíneo mudar de direção. Meu rosto ficou vermelho.

— Sr. Carter, não precisa...

— Sim, eu preciso — ele discordou. — Como seu chefe, preciso manter as coisas claras para que não haja nenhuma confusão sobre o tipo de ligação que nós temos.

Suas palavras foram um perfeito cala boca. Pisquei diversas vezes, tentando voltar ao foco, mas minha garganta queimava. Diante da sua expressão determinada e impassível, eu ergui o queixo, levantando minha armadura.

— Não precisa. De verdade. Sei que nosso relacionamento é estritamente profissional.

— Eu quero que você, definitivamente, esqueça o que aconteceu entre nós dois naquele elevador — ele ordenou. — Porque aquilo nunca, em hipótese alguma, voltará a ocorrer. Você entendeu? Para mim, você é só uma funcionária, Srta. Herrera. Mais nada.

Continuei sustentando o seu olhar, fingindo que não estava abalada, quando o meu orgulho e dignidade tinham sido feridos profundamente. Lágrimas se acumularam no canto dos meus olhos, mas eu as ignorei completamente.

— Sim, senhor. Eu entendo.

Eu não sabia por que ele estava sendo tão grosseiro, mas estava. O Sr. Carter se levantou, voltando as costas na minha direção. Espalmou as mãos no parapeito da janela aberta. Sua janela estúpida com vista para o parque, pensei com desgosto.

Enxuguei uma lágrima teimosa no olho direito, sem que ele pudesse ver. Melhor assim, estava claro que para ele eu não significava nada, então me recusava a ter sua piedade.

Como eu imaginava, o beijo no elevador também não tinha sido nada importante. Mas a forma como ele lidou com aquilo fez o meu coração sangrar.

Dei meia volta, sentindo que o céu desabava sobre a minha cabeça. Eu estava presa naquele lugar com um homem que abalava meu mundo, mas que tinha deixado claro que nunca aceitaria ter nada comigo.

Coloquei a mão na maçaneta, girei, então me detive.

— Tem uma coisa que eu gostaria de dizer, Sr. Carter.

— Então fale, Srta. Herrera.

— Quando o senhor chegou, estávamos falando sobre o evento na sua casa — hesitei antes de concluir. — O baile.

— O quem tem o baile?

— Ele foi remarcado para o dia do aniversário de Maddie, a filha de Dayse. Há uma festa programada, com convidados, buffet e todas essas coisas.

— Faço questão de ressarcir qualquer prejuízo que ela tenha.

Seu tom de voz era seco e direto, e o meu coração se partiu. Dayse tinha razão. Não havia qualquer chance de fazê-lo mudar de ideia. Ele já havia tomado uma decisão.

“Nunca me arrependo de uma decisão”.

Eu deixei a sala sem dizer mais nada.

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