Capítulo 5
— Sr. Carter?
Ele olhou para mim, com a expressão confusa mais adorável que eu já havia visto, as sobrancelhas arqueadas, duas piscadas rápidas com seus cílios grossos e escuros. Depois retomou a postura de sempre, com os frios olhos calculistas presos em mim e um nervosismo misterioso assaltou o meu estômago.
—O que você está fazendo aqui? — o Sr. Carter olhou para o relógio caríssimo no pulso. Depois fechou a porta da sua sala e se virou para mim. — São quase sete horas, Srta. Herrera. Você não tem um hotel ou qualquer outro lugar para voltar?
Estava sendo propositalmente grosso e uma onda de frustração avassaladora percorreu minhas veias. É claro que eu tinha um lugar para voltar e, logicamente, deveria ter saído as cinco.
Teria saído... se ele não tivesse bloqueado todas as minhas tentativas ao longo do dia de falar com ele. Isso depois daquele momento... constrangedor... na sua sala. Eu tinha passado o dia inteiro reunindo motivos prováveis para ele ter me tocado daquela maneira, mas nenhum deles parecia verdade.
Tentei me distrair com o trabalho, mas a sensação do seu dedo se arrastando preguiçosamente pela minha pele havia ficado gravada no meu cérebro como uma tatuagem. Por isso, o dia foi, para dizer o mínimo, bastante improdutivo.
— Esteve ocupado o dia todo. Não tive a oportunidade de falar com o senhor mais cedo, por isso precisei esperá-lo terminar o expediente.
— Me esperar para que?
O maço de papéis queimou na minha mão. Do que é que ele estava falando? Que tipo de jogo era aquele? Não era possível que ele não se lembrasse!
Como eu não respondi sua pergunta, o Sr. Carter gesticulou para a cadeira vazia atrás da mesa, parecendo genuinamente confuso.
— Onde está Dayse?
— Ela saiu às seis, senhor.
— Você deveria ter saído às cinco.
Sua reprovação seca não me surpreendeu. Mas a forma como aquilo me impactou, sim. A pressão dos meus dedos sobre o papel aumentou.
Eu não havia largado o manual o dia inteiro. Agora, eu me sentia uma estúpida e, embora tentasse racionalizar minhas emoções, pensar em tudo de maneira clara e objetiva, estava muito perto de falhar. E acabar me excedendo com ele.
— O senhor me pediu que lesse o manual.
—Podemos resolver isso na segunda feira. São dois dias a mais para se preparar, Srta. Herrera — ele me deu um sorriso torto. Era um sorriso errado, que não chegava aos olhos, mas por causa de sua falta de hábito em sorrir, fez um estrago considerável nos meus hormônios. — Não precisa me agradecer pelo bônus.
— Bônus? Eu não preciso de um bônus — minha voz subiu uma oitava. Limpei a garganta, apertando os dentes. — Está tudo memorizado, confie em mim, Sr. Carter. Podemos começar agora, se não tiver nenhum inconveniente.
— O problema é que existe um inconveniente.
— Qual?
— Você — ele enrugou as sobrancelhas, dando um passo para frente. Inclinou-se sobre mim, com seu corpo alto e musculoso me fazendo estremecer. — Está sendo inconveniente, Srta. Herrera. Estou tentando ir para casa e você não está deixando.
Os meus olhos se arregalaram.
— Eu não estou deixando?
Agora sim, havia surpresa estampada na expressão dele. Eu sabia que estava bem perto de perder a postura, mas algo dentro de mim dizia — não, gritava! — que eu precisava manter o autocontrole.
A todo custo.
E foi isso o que eu fiz, me agarrando a um fio de racionalidade que já estava ficando muito estreito, quase inexistente.
— Sinto muito, eu não percebi isso —minha voz saiu baixa. — Podemos recomeçar?
—Eu não vejo como — ele ajeitou a gola do terno. — Saia da minha frente, por favor. Está tomando meu tempo.
— O senhor não pode me dar a porcaria de cinco minutos?!
Os olhos dele se estreitaram lentamente.
Merda.
O calor que emanava dele, em ondas de fúria, atravessou minhas roupas e incendiou minha pele.
— Eu só estou pedindo para o senhor... — fechei meus olhos, a cabeça rodando. — Cinco minutos.
— Não.
Os meus olhos se injetaram.
— Por quê?
— Porque não deveria estar aqui. Não depois do seu horário. E há uma tempestade caindo lá fora.
— É, ouvi dizer.
Ele piscou uma vez e depois outra. Eu sabia que, em breve, acabaria chorando ou gritando com ele, e não queria fazer nenhum dos dois. Eu não tinha motivo para me preocupar com a tempestade lá fora.
Havia uma se formando dentro de mim nesse momento.
— Olhe, há regras com relação a horários e elas existem por um bom motivo.
— Não deixar que os funcionários importunem seus chefes?
A expressão dele se intensificou. Eu tinha certeza de que ele queria me matar, mas não me importava, porque, a essa altura, eu queria fazer o mesmo com ele. E não estava mais me importando.
Os seus olhos vasculharam meu rosto a procura de alguma coisa. Ficamos envolvidos naquela disputa de egos durante algum tempo. Depois, ele balançou a cabeça para os lados.
— Pensou mesmo que eu testaria você?
Aquelas palavras foram como cinco dedos estalados no meu rosto. Apertei os dedos com tanta força que um som de crec ecoou pela sala junto ao meu último fio de sanidade se rompendo. Os olhos dele se moveram para o maço de papéis amassados em minha mão.
Eu cheguei mais perto dele e elevei os meus olhos até o mesmo nível, sentindo cada terminação nervosa se esticar dentro de mim até arrebentar.
— Seu... cretino.
O rosto dele ficou vermelho.
— Como é que é? Do que me chamou?
— Com esse nariz em pé, bancando o todo poderoso da sua sala com vista para o Central Park — o documento escorregou das minhas mãos para o chão, quando eu enfiei meu dedo indicador no peito dele.
As narinas dele inflaram.
— Srta. Herrera, está perdendo muito rápido a noção entre e prudência e a necessidade de alimentar essa sua língua afiada.
Torci o rosto numa careta.
— Não me diga o que eu deveria fazer.
— Sou seu chefe —ele tirou o meu dedo do seu peito.
Uma risada de escárnio escapou da minha boca.
— Afinal, do que é que você tem tanto medo, Logan Carter?
— Não tenho medo de nada.
— Todos temos medo de alguma coisa — a mandíbula dele se contraiu e eu sorri, com raiva. — Por que não admite e, talvez, assim, se sinta mais leve e humano?
— A senhorita realmente não me conhece.
Lambi o lábio inferior e dei um último passo para perto dele, transbordando a raiva que eu sentia. Nossos corpos estavam praticamente colados agora e eu quase podia sentir seu coração pulsar.
O celular dele tocou me despertando daquele transe. Quando se tornou insistente, o Sr. Carter atendeu. Cruzei os braços, me concentrando na raiva para não passar para o estágio do arrependimento. Ele falou por alguns segundos, enquanto admirava seu perfil impressionante, e virou-se para mim, desligando.
— Acabei de receber uma ligação avisando que a tempestade alagou as ruas próximas.
— O que?
— Precisamos ir.
Fiquei paralisada, sem saber que atitude tomar. Mas não havia muito que eu pudesse fazer. Eu tinha pânico de tempestades, não queria passar a noite na empresa sozinha.
Segui seus passos apressados pelo corredor. Agora que o sangue tinha esfriado, minha audácia foi diminuindo. Eu nunca conseguiria outro estágio! Esse homem trataria de fechar todas as portas para mim.
Ele apertou o botão do elevador e, lado a lado, aguardamos em silêncio. Seus olhos estavam grudados na porta. No que estava pensando?
— Eu quero pedir desculpas.
Ele riu sem humor.
— Quer mesmo? Ou precisa?
— Não sei. Provavelmente os dois —suspirei, culpada.
—Isso anula o seu pedido de desculpas.
— Por quê?
— Está sendo feito com base no bom senso... — abri a boca para tentar protestar, mas ele não deixou — ... que você nem tem.
Eu me virei para ele, indignada.
— Sei que o senhor não me tem em alta conta...
— Sabe?
— Desde aquela entrevista... —minha voz vacilou.
Ele me olhou furtivamente. A porta, que havia acabado de abrir, começou a fechar novamente. O Sr. Carter a segurou para que eu entrasse primeiro.
— Não vamos falar da entrevista, Srta. Herrera.
Ele entrou depois de mim. Com os olhos voltados para o chão, pensei em algum argumento para convencê-lo, mas desisti antes mesmo de tentar. Esfreguei o peito quase como se pudesse aplacar uma dor física dentro dele, mesmo sabendo que era impossível.
Minha mãe, Nova York, meus sonhos... estava tudo acabado.
O elevador estava vazio. O Sr. Carter cruzou os braços e, entre o terceiro e o segundo andar, o elevador parou de se mover com um tranco bruto. Por um segundo, nos entreolhamos, em expectativa. Então as luzes se apagaram e eu comecei a entrar em pânico.
— Quieta, Srta. Herrera. Ninguém vai escutar os seus gritos. Ninguém além de mim, infelizmente.
— Como vamos sair daqui?
— Ainda deve ter alguém da manutenção de serviço — eu vi sua sombra se mover no escuro em direção ao painel luminoso. — Vou acionar o botão de emergência.
Um minuto se passou, enquanto esperávamos em silêncio.
Eu me virei para ele, aflita.
— E então, qual é o plano?
— Esperamos virem nos resgatar.
— Não pode fazer uma ligação do seu celular e pedir ajuda? — insisti, começando a ficar realmente apavorada. — Você é rico e influente. Tenho certeza de que apareceria gente do Japão para salvá-lo!
— E para quem eu ligaria no Japão? —ele riu sarcástico. — Ouça, Srta. Herrera. Toda empresa tem protocolos de segurança que precisam ser respeitados.
Fechei os olhos, inspirando brevemente. Quando tornei a abri-los, uma ideia se passou pela minha cabeça e eu tratei de dizê-la em voz alta antes de perder totalmente a coragem.
— Bem, por que não aproveitamos esse tempo, então, para sermos sinceros um com o outro?
— O que quer saber?
— Vai me desculpar ou me demitir?
O Sr. Carter respirou tão fundo que até os meus pulmões doeram em solidariedade. Os segundos de passaram lentamente, enquanto eu aguardava a sua resposta, com a respiração presa na garganta.
—Tecnicamente, você não pode ser demitida. Só dispensada. E não pretendo dispensar você, a não ser que você queira isso.
Virei na direção da sua voz, surpresa.
—Por isso, me fez ler todas aquelas coisas? Para me fazer desistir?
— É uma forma de encarar as coisas.
Cravei as unhas nas palmas das mãos. Que filho da mãe! Ele tinha o poder de me deixar atordoada, sem ar e sem palavras. Como tinha coragem de confessar aquilo em voz alta?
— Pode dizer por quê?
— Eu não sei se você gostaria de ouvir.
— Sr. Carter, eu garanto que quero saber.
O meu cérebro ficou todo atrapalhado quando sua voz soou rouca e grave.
— Honestamente?
— Por favor.
Sua sombra se moveu em minha direção. O calor se desprendia do seu corpo como uma energia forte, pulsante, que me arrastava para ele. Naquele espaço tão apertado, o ar foi sugado e tudo o que me restou foi ele — o cheiro dele e sua voz quando falou.
— Você é teimosa e impulsiva.
—Não sou nada disso!
— ... e não entendeu nada ainda.
—Não entendi o que? —senti um calorzinho na barriga.
— Quero te afastar de mim porque é a coisa mais decente a ser feita.
Minhas costelas doeram com a pressão do ar se esvaindo. Olhei para ele, que parecia ter o dobro do meu tamanho e estava virado para mim. Estava tão escuro... eu podia ouvir sua respiração.
Mais do que isso, eu era capaz de senti-la.
— Então tomou deliberadamente essa decisão? E não tem medo de se arrepender dela?
— Nunca me arrependo de uma decisão.
Eu tive pena dele. Era um homem triste e cheio de certezas que não significavam coisa nenhuma, pensei, mas não tive coragem de dizer em voz alta. Meu emprego ainda estava em jogo e, agora, algo mais.
— E por que a tomou?
— Porque eu não sou um homem bom, Srta. Herrera. De jeito nenhum. E você é uma garota boa.
—Como sabe disso?
— Bom, vamos lá —havia sarcasmo na sua voz. —Agora mesmo, ainda que estejamos no escuro, tenho certeza de que sua pele está corando. E, apesar de eu imaginar que não se trata apenas da sua timidez, o motivo de estar tão... acalorada, tenho certeza de que boa parte envolve isso também.
Segurei a respiração.
Merda, ele tinha razão. Toda razão.
Eu estava muito acalorada e só uma parte disso tinha a ver com a minha timidez. Ele ficou em silêncio e, quando voltou a falar, senti que o meu corpo se desintegrava.
—Não quero fazer algo estúpido do qual venhamos a nos arrepender para sempre. Será que você consegue entender agora?
— Acho que sim.
— Ótimo.
Aquela sua revelação era mesmo surpreendente. De todas as coisas, eu não imaginava que ele fosse dizer aquilo. Estava sendo honesto e isso eu apreciava. De verdade.
— Eu disse que eu acho.
— E o que falta para você ter certeza?
Mordi o lábio inferior. Logan Carter esteve sendo hostil esse tempo todo, quando na cabeça dele, estava só me preservando? Que interessante. Por que os homens tinham que ser tão complicados?
O mais prudente seria ignorar aquela informação e seguir com a minha vida, não era? Mas a atração que eu sentia por ele? Era forte demais. Agora que eu sabia que aquela raiva incontida que ele demonstrava por mim era, na realidade, o mesmo desejo que eu tinha refletido, não me restava outra solução.
Eu me aproximei, ficando na ponta dos pés bem diante dele, e vi quando sua musculatura se contraiu.
— Srta. Herrera?
— Quieto — eu me equilibrei com as mãos no seu peito. — Estou tentando me certificar de uma coisa.
Virei a cabeça para cima e aproximei o meu rosto, torcendo para não ser rejeitada, do contrário aquilo magoaria para caramba.
Para o meu espanto, as mãos do Sr. Carter se espalmaram na curva da minha bunda. Ele me puxou para mais perto, até que não houvesse mais nenhum centímetro entre nós. Ele tinha inclinado a cabeça para baixo. O rosto estava tão perto que eu encostei meus lábios nos seus suavemente.
— Tem certeza? — ele sussurrou contra a aminha boca.
— Tenho.
Movi a cabeça, nossos narizes se tocando, e deixei que ele se encarregasse do resto. Eu não podia ver o seu rosto, mas os lábios eram firmes e suaves. Eles se esfregaram contra os meus, então sua língua forçou passagem para dentro da minha boca, enquanto seus dedos se enterravam na minha pele.
Eu nunca havia sido beijada daquele jeito. Como se ele tivesse fome e necessidade de mim. Minhas mãos foram parar no seu cabelo. Eu o puxei entre os dedos até ouvi-lo gemer baixinho: “Srta. Herrera”.
Delicioso...
Dei minha língua a ele, que chupou, todo ávido, enquanto seu corpo me empurrava em direção a parede do elevador. Meu corpo foi esmagado contra o metal frio, mas eu não liguei nem um pouco.
Então uma vez irrompeu pelo autofalante.
— Fiquem calmos. Aqui é o Bobby, do serviço de manutenção. Só mais um minuto, por favor, que a porta vai abrir.
