Capítulo 5 O olhar de Kael se fixou em mim
— Seraph, você está bem? — A voz preocupada de Evelyn ecoou do outro lado da porta do meu quarto. Já eram mais de nove da noite, ela provavelmente tinha acabado de voltar das atividades do clube.
— Estou me sentindo bem melhor — respondi, abrindo a porta com um sorriso tranquilo. Dormir realmente tinha ajudado a acalmar os ânimos, como se eu tivesse voltado do inferno pro mundo dos vivos. Mas não era o suficiente. Precisava de mais formas pra recuperar a energia rápido e sair daquele estado.
— A propósito, meu veterano do clube me deu dois ingressos pro combate do Clube Eagles. Bora junto? — Evelyn deu um tapinha no meu ombro antes de puxar os convites da bolsa. — Vai ser Kael contra o Daniel. O Daniel é de outro clube da cidade e também é dos bons.
O Clube Eagles tinha ficado famosinho por causa do Kael. Toda vez que ele entrava no ringue, o povo lotava pra ver, principalmente as meninas, que ficavam completamente piradas. No final, o clube teve até que criar um sistema de convites exclusivo. Só entrava quem tivesse ingresso.
Um combate com o Kael! De repente, minha tristeza não parecia mais tão pesada. Me veio na memória a noite anterior, aquela intimidade selvagem que a gente tinha compartilhado. O peito largo e musculoso dele, aquele cheiro forte de colônia e o calor que emanava do corpo dele estavam cravados na minha mente. Meu coração disparou e aquele zumbido esquisito nos ouvidos voltou, mas não tão forte quanto quando eu o tinha visto mais cedo. Mesmo assim, fiquei toda agitada.
O que estava acontecendo comigo? Será que eu estava mesmo me apaixonando pelo Kael? Mas aí lembrei da cara fria que ele fez aquela tarde e cortei o pensamento. Eu não devia nem estava pensando no Kael, muito menos como alguém que pudesse dar emoção. A gente tinha sido só um caso de uma noite. Então qual era o problema de ir ver um combate?
Decidi dar uma relaxada. Precisava me expor a coisas novas para me livrar daquela melancolia. Os combates do Kael eram sempre os mais concorridos, então não tinha motivo para recusar o convite da Evelyn. Olhei pro ingresso preto na minha mão e dei um abraço nela.
— Valeu mesmo, Evelyn. Eu estava precisando disso.
Na noite seguinte, chegamos na arena do Clube Eagles. Era minha primeira vez lá. Nem quando namorava o Lucian eu tinha ido. Ele sempre dizia que era preocupação com minha identidade exposta, que eu não ia aguentar a exposição. Agora entendi que era só mais um jeito dele me controlar. Só uma menina boba para acreditar num papo tão doce de homem.
A arena não era lá muito grande. Era redonda, com uns duzentos lugares em volta de um ringue quadrado cercado por cordas pretas. Os holofotes do teto iluminavam direto o ringue, destacando cada movimento dos lutadores. O lugar estava uma balbúrdia, e a gente teve que suar para achar nossos lugares - lá no último canto da plateia.
Mal nos acomodamos, senti o peso de um olhar me atravessando. Ao seguir o rastro, dei de cara com Kael. Seus olhos castanhos profundos cravados em mim como flechas. O guerreiro, prestes a entrar no ringue, trajava apenas uma túnica negra folgada que delineava o torso escultural e a pelagem dourada que lhe cobria o peito. Uma verdadeira usina hormonal ambulante, aquele cara, capaz de magnetizar os olhares de todas as moças no recinto. Porém, naquele instante, seu olhar era só meu.
O coração apertou como se mãos invisíveis o tivessem comprimido. Estaria mesmo me mirando? Será que tinha me reconhecido? A intensidade daquele olhar me transformava em presa acuada. Coisa impossível - nosso cantinho era o mais escondido da arena, um formigueiro humano visto do palco. Se ele conseguia me distinguir nesse mar de gente, não seria prova de que ele era fora do comum?
O zumbido nos ouvidos voltou com força total, as batidas cardíacas acelerando de novo. Aquela sensação estranha reaparecendo! Travamos um duelo ocular, mas logo os amigos o chamaram.
Evelyn se aproximou e perguntou:
— Seraph, viu que o Kael estava olhando para cá?
O sexto sentido dela era de meter medo, coisa que devia às habilidades psíquicas que tinha. Neguei rápido com a cabeça:
— Nem fodendo. Estamos no canto mais distante. Como ele ia enxergar a gente?
Nem com supervisão daria para me identificar no meio de duzentas almas. Fora que eu era a personificação do comum: camiseta azul, jeans preto e óculos de aro negro - um visual básico que fazia contraste com as outras garotas todas produzidas para ver o espetáculo do Kael.
Pegue a Vivienne, por exemplo. A deusa vestia uma blusa rosa, minissaia e os cabelos soltos em ondas perfeitas. O corpitcho dela dava um show à parte, com aqueles seios generosos. Quando entrou, arrancou olhares cobiçosos de todos os rapazes. O trio de amigas seguia o mesmo estilo - puro fogo e ousadia. Vaia e assobios pipocaram para turma dela, mas Vivienne cagou, indo direto pro assédio ao Kael.
Vi Kael conversando com Vivienne. Ela até tentou enlaçar a cintura dele, mas levou um fora educado. Mesmo assim, aquela proximidade fez meus olhos queimarem. Quando ia desviar o olhar, senti de novo a ferroada do olhar de Kael. Travamos contato visual outra vez. O coração disparou e, mesmo naquela distância toda, tinha certeza de que ele mirava especificamente em mim. Dessa vez, o encaramento durou só dois segundos antes dele desviar.
O combate começou. Kael tirou o roupão, exibindo o torso esculpido em granito e o short de boxe preto. Cada músculo desenhado com precisão anatômica - braços, peitoral, abdômen trincado, até as pernas pareciam colunas de mármore. A selva dourada no peito brilhando sob os holofotes, emanando virilidade crua. Parecia uma força da natureza, com músculos que contavam histórias de batalhas. Não deu para não lembrar daquela noite de fogo, quando aquele corpo atlético me dominou completamente, me rendendo sem condições de defesa.
A ideia deixou meu corpo todo esquentado. As meninas ao redor da gente berravam e vibravam para ele. A luta começou rápido. Kael era o melhor lutador do Clube Eagles, e o adversário dele, Daniel, o craque de outro clube. Eu quase nunca assistia a lutas de boxe, só dava uma olhada rápida na TV. Esperava que fosse violento, mas ver ao vivo era surpreendentemente bom.
Daniel era um cara gigante, cheio de músculos, com uns braços que pareciam carregar saco de cimento. A cara dele era de matar, os olhos cheios de maldade encarando o Kael. Meu coração estava saindo pela boca e as mãos viraram punho no meu colo.
Quando o juiz deu o sinal, Daniel partiu para cima primeiro com um soco, mas o Kael nem tremeu. Deu uma gingada, aparou o golpe e revidou com precisão. Enquanto Daniel brigava na força bruta e na velocidade, Kael ficou tranquilo, desmontando os ataques do cara com método.
Foi rápido pro nervosismo passar. A confiança do Kael era absurda, como se a luta fosse brincadeira pra ele e ele mandando em tudo. Sem entender como, eu já estava certa que o Kael ia ganhar. Os movimentos dele eram lisos, desviando dos socos do Daniel com uma facilidade. Mesmo grandão, o Kael era rápido pra caramba, com reflexo muito melhor. Era de cair o queixo. Eu pensava que um cara bombado assim não ia ter essa agilidade toda. Mas ele surpreendeu, a cintura larga e musculosa dele girando com uma flexibilidade doida.
— Está vendo isso, Seraph? Esse é o golpe característico do Kael. Não é aquele vai-e-vem de sempre. Ele desvia sem esforço, pega o ritmo do cara e manda um direto pra dormir! — disse Evelyn, toda animada.
Na mesma hora, como se fosse combinado, Kael acertou um cruzado, jogando a cabeça rápido para escapar do contra-ataque. Aí mandou um gancho de esquerda potente. Cada golpe parecia fácil, mas deixou o Daniel todo bambo. O gigante, que antes estava se achando, agora estava se protegendo, encurralado nas cordas. Kael não deu trégua, soltando uma sequência rápida de socos, cada um acertando em cheio. Quando acabou o primeiro round, Kael já estava ganhando de lavada - 10 a 7.
A plateia irrompeu em aplausos. As lutas amadoras normalmente tinham cinco rounds de três minutos cada, mas como Kael e Daniel eram os melhores lutadores de cada clube, o combate foi estendido para dez assaltos.
Após um minuto de intervalo, começou o segundo round. Dessa vez Daniel ficou mais cauteloso, soltando um jab rápido antes de recuar na guarda. Kael, porém, mudou de tática. Ao invés de esperar, partiu para o ataque. Passou a usar combinações de jabs frontais com ganchos de direita, encurralando Daniel na defensiva. O rival até tentou reagir, mas Kael esquivava de todos os golpes.
Ficou evidente para todos que Kael estava levando vantagem enquanto Daniel perdia o controle. Sem surpresas, Kael levou o segundo round. Os dois rounds seguintes repetiram o mesmo padrão. Mesmo com os esforços de Daniel, Kael mantinha o domínio.
No quinto round, Kael pareceu perder a paciência. Aproveitou a brecha e desferiu um gancho potente no queixo de Daniel. O rival desabou no canvas. Aos dezesseis segundos do round, Kael venceu por nocaute técnico. Daniel não conseguiu continuar, e a vitória foi de Kael.
O público foi às palmas. Evelyn e eu nos unimos à multidão entusiasmada, incapazes de conter a euforia. Kael foi cercado pelos colegas de equipe, e Vivienne foi a primeira a correr até ele, envolvendo-o num abraço. Apertou seu corpo voluptuoso contra o dele com força, e Kael não a repeliu.
Ao vê-los assim, senti uma pontada aguda no peito que quase cortou minha respiração. Por que aquela cena me doía tanto?
Foi então que Kael olhou para mim de novo. Seus olhos traziam um brilho de satisfação, como se quisesse compartilhar aquela vitória comigo. Senti um choque elétrico percorrer meu corpo e me afastei rápido. Naquele instante, uma onda de amargura me invadiu. Mas a razão insistia: Kael não poderia ter me visto. Devia ser coisa da minha cabeça.
