1 - Antes Daquela Noite
Zoé acordou com uma sensação de inquietude no estômago, uma sensação que havia se tornado sua companheira constante nos últimos meses. Sua situação financeira estava a cada dia mais complicada e o medo de ser despejada a perseguia como uma sombra. Mesmo que a depressão a fizesse querer continuar deitada na cama, sem muitas opções, ela se arrumou rapidamente, vestindo o uniforme apertado e infantilizado do Maid Café, onde trabalhava como garçonete. Não gostava do trabalho, mas precisava do dinheiro, por mais insuficiente que fosse.
O caminho até o emprego era tenebroso, necessitando de pegar duas conduções até o bairro de cultura oriental onde trabalhava. Quando chegou ao café, o movimento já estava caótico. As mesas estavam cheias e os clientes faziam pedidos incessantemente.
— Está atrasada! — sua colega de trabalho diz ao lhe ver, precisava trocar de turno com ela para finalmente ir para a casa.
— Só um momento, preciso ir até o...
— Não posso, Zoé! Não posso faltar a audiência, preciso da guarda do meu filho! — a colega tirou o avental, o entregando. Sem mais opções, Zoé encarou seu posto de trabalho.
A jovem forçava um sorriso, mas seu humor estava visivelmente abalado. Ela mal conseguia esconder sua frustração quando seu chefe, o Sr. Yamamoto, finalmente a chamou para o escritório, cumprindo com a reunião que ela havia pedido por mensagem de texto.
— Zoé, não posso antecipar seu salário — disse ele, sem rodeios.
— Mas eu realmente preciso desse dinheiro — insistiu Zoé, sentindo um nó se formar em sua garganta.
— Não posso fazer nada. Agora volte ao trabalho — ele respondeu friamente.
Zoé saiu do escritório tentando controlar as lágrimas. De volta ao salão, encontrou Maya, sua amiga e colega de trabalho. Maya percebeu imediatamente que algo estava errado.
— Zoé, o que houve? — perguntou ela, preocupada.
— Sr. Yamamoto se recusou a antecipar meu salário. E estou prestes a ser despejada — Zoé respondeu, sua voz embargada.
— Talvez devesse pedir ajuda à sua mãe — sugeriu Maya, tentando ser útil.
— Nem pensar — respondeu Zoé, de forma categórica. — Se minha mãe soubesse que larguei a faculdade e ainda por cima trabalho num lugar como esse, eu me sentiria um fracasso total. Ela não pode saber!
Maya suspirou, sabendo que não conseguiria convencer Zoé. Antes que pudesse responder a amiga com ao menos uma palavra de conforto, uma colega de trabalho se aproximou.
— Zoé, seu melhor cliente acabou de chegar. Ele só aceita ser atendido por você — disse a colega, com um tom levemente invejoso.
Zoé respirou fundo, tentando recuperar a compostura. Ela sabia que precisava do dinheiro das gorjetas e Anthony, seu cliente habitual, era generoso. Além disso, a relação deles havia evoluído para encontros fora do café, onde trocavam flertes e muito mais do que isso. A relação era puramente física, mas proporcionava a Zoé uma distração temporária de seus problemas.
Ela se aproximou da mesa de Anthony, forçando um sorriso mais uma vez.
— Oi, Anthony. O que vai querer hoje? — perguntou, tentando parecer alegre.
— O que eu sempre peço, linda — respondeu ele, com um sorriso malicioso.
Zoé anotou o pedido e se afastou, sentindo o olhar de Anthony a seguir. Maya se aproximou novamente, sussurrando em seu ouvido.
— Ele realmente gosta de você. Talvez possa tirar mais do que gorjetas dele.
Zoé apenas balançou a cabeça, não querendo discutir sobre aquilo; a amiga não sabia que ela já oferecia aquilo à seu melhor cliente há meses. O dia passou lentamente, com Zoé atendendo clientes e lidando com a crescente frustração. Quando o movimento finalmente começou a diminuir, ela teve uma ideia ousada, que compartilhou com Maya.
— Maya, acho que eu deveria dar uma lição no Sr. Yamamoto. — comentou casualmente. A amiga a encarou com curiosidade. — Anthony está ali, e você sabe que ele não recusaria uma oportunidade. Que tal uma rápida sessão no estoque? Eu e Anthony, bem perto da câmera. O Sr. Yamamoto merece ver isso. — disse a Maya, com um sorriso travesso.
— Você certamente perderia seu emprego, Zoé!
— Sim... — Zoé hesitou, mas a raiva falou mais alto. — Mas eu sinceramente acho que não me importo!
Decidida, a jovem chamou Anthony e, com um flerte discreto, levou-o até o estoque. A adrenalina e a revolta a impulsionavam. Ela sabia onde estavam as câmeras e fez questão de posicionar-se estrategicamente, pedindo ao parceiro que fosse rápido.
Após o ato, Anthony saiu com um sorriso satisfeito, sem suspeitar de nada. Mais tarde, no mesmo dia, o Sr. Yamamoto a chamou novamente ao escritório.
— Zoé, você está demitida. Pegue seu último pagamento e saia daqui — ele disse, com frieza.
Zoé não esperava uma reação tão imediata, mas não aguentava mesmo mais um minuto sequer naquele emprego horroroso.
Ela pegou o envelope com o dinheiro e deixou o café, sentindo um misto de alívio e desespero, finalmente tinha o dinheiro do aluguel e com um obstáculo a menos, poderia encontrar facilmente um novo emprego; havia diversos estabelecimentos como o de Sr. Yamamoto pela cidade, contratanto qualquer mulher que fosse bonita e Zoé tinha plena consciência de sua boa aparência. Quando chegou ao seu antigo apartamento, encontrou suas coisas do lado de fora. A fechadura havia sido trocada e a proprietária não estava disposta a negociar. Zoé ficou parada, olhando para suas poucas posses: uma mala com roupas e uma cafeteira. Ela não tinha para onde ir.
Com lágrimas nos olhos, Zoé percebeu que sua situação era mais desesperadora do que jamais imaginara. Sem muitas escolhas, ligou para Maya, sua única amiga.
As duas haviam se conhecido no terceiro período da faculdade, eram jovens sonhadoras com muitas esperanças; Maya desistiu do ensino superior quando a mãe adoeceu e no momento trabalhava para ter dinheiro o suficiente e retornar ao curso. Zoé havia desistido por desilusão após um assédio no estágio e se convencera que conseguiria desbravar o mundo de outras maneiras, mas acabou num emprego ruim, por recomendação de Maya, que já trabalhava no Maid Café. Por um ano inteiro elas trabalharam juntas, mas Zoé era uma garota inconsequente e consumista, e ao fazer uma divida grande com o cartão de crédito, acabou atrasando o aluguel, acabando na rua no mesmo dia em que caçara a própria demissão por luxúria.
Maya a acolheu naquela noite em sua pequena habitação de aluguel no porão de uma família gentil. Após acolher a amiga, teve de ser direta.
— Sabe que namoro há alguns anos e vivemos juntos, não faria bem para minha relação com Junior você ficar aqui, a casa é pequena e todos ficaríamos sem privacidade. Precisa ligar para a sua mãe, Zoé.
Sem mais escolhas, após acordar no dia seguinte com o rosto inchado e dor de cabeça, Zoé finalmente ligou para sua mãe, tendo que admitir ter sido um fracasso na vida adulta.
