Capítulo 3 — Sol, Yoga e Primeiros Passos
O sol da Cidade do Cabo acordou Sofia antes mesmo do despertador. Luz dourada invadia o quarto por entre a cortina leve, tocando seu rosto como um lembrete gentil de que ela estava, de fato, do outro lado do mundo.
Pela primeira vez em dias, ela acordou sem a pressa de checar o celular. Nada de e-mails. Nada de lembretes do antigo emprego em Madri. Nada do Tomás. O ar da manhã trazia um cheiro de sal, madeira e liberdade.
Ainda sonolenta, Sofia se espreguiçou, e a primeira coisa que ouviu foi um latido animado do lado de fora da porta. Em seguida, um leve arranhado. Sorriu.
— Tô indo, Beyoncé — murmurou, calçando o chinelo.
Abriu a porta e, como um foguete dourado, a golden retriever atravessou o quarto, rodopiando até jogar o corpo no chão, de barriga pra cima.
— Entendi. Carinho primeiro, café depois — disse, agachando-se para fazer cafuné.
A casa ainda estava silenciosa, mas ao descer as escadas, Sofia ouviu uma música suave vindo dos fundos. Passou pela cozinha, onde a chaleira já estava no fogão e uma tigela com frutas cortadas dava boas-vindas sobre a mesa.
Seguiu o som até o quintal e encontrou Sky de cócoras sobre um tapete de yoga. De olhos fechados, ela mantinha uma mão sobre o coração e outra sobre o ventre, respirando profundamente. Sofia ficou ali por um instante, observando. O cabelo de Sky estava preso em um coque alto e bagunçado, e a expressão em seu rosto era de paz absoluta.
Quando Sky abriu os olhos, sorriu como se já soubesse que ela estava ali.
— Bom dia, española! Dormiu bem?
— Como uma pedra. Essa casa é silenciosa, tirando a empolgação da Beyoncé, claro — respondeu, sentando em um dos degraus da varanda.
Sky puxou o elástico do cabelo e deixou os fios caírem pelos ombros.
— Ela leva o cargo de recepcionista muito a sério.
— Acho que você também acordou com o sol, hein?
— Sempre. Gosto de fazer minha prática cedo, antes das aulas. Hoje tenho uma turma na praia. Quer ir?
Sofia piscou.
— Na praia? Tipo... areia mesmo?
— Uhum. Pé na areia, brisa no rosto, saudável e meio cafona — brincou Sky. — Você pode só assistir, se quiser.
Sofia sorriu. Não sabia se queria ver gente se contorcendo em poses impossíveis, mas a ideia de caminhar até a praia, ver o mar, talvez tomar um café diferente... soava bem.
— Por que não? Melhor do que ficar me perguntando o que eu tô fazendo aqui.
Sky deu um joinha, recolheu o tapete e se despediu para tomar banho.
Sofia voltou à cozinha e encontrou uma caneca com seu nome escrito em caneta permanente.
— Já me marcaram? Isso que é eficiência — disse em voz alta.
Preparou um café forte e serviu-se de frutas. Sentou-se à mesa e olhou ao redor. A cozinha tinha azulejos coloridos, imãs de lugares exóticos na geladeira, e uma lousa com recados que iam de “comprar rápis para a Beyoncé” a “não esquecer de ser gentil”.
Enquanto comia, ouviu passos descendo a escada. Leo apareceu com uma camiseta cinza amassada e olhos ainda meio fechados.
— Bom dia — disse ele, direto ao armário.
— Já é... metade da manhã, tecnicamente.
Ele grunhiu algo parecido com um "hmm" e passou por ela com uma caneca.
— Você sempre é assim animado de manhã? — perguntou Sofia.
— Só quando tem gente nova fazendo perguntas.
Ela riu, pegando mais um pedaço de mamão.
— Não vou me ofender. Sou da publicidade, já ouvi coisa pior.
Leo a encarou por um segundo, depois abriu um sorriso discreto.
— Publicitária? Achei que fosse artista ou algo do tipo. Tem cara de quem fala com plantas.
— Eu falo com plantas. E com cachorros. E comigo mesma.
— Confirmado, então.
Os dois riram, e pela primeira vez, Sofia teve a sensação de que talvez ele não fosse tão antissocial assim. Só demorava a descongelar.
Sky surgiu, agora vestida com uma calça larga, top esportivo e um turbante colorido, segurando um tapete de yoga debaixo do braço.
— Partiu praia? Você vem, Sofi?
— Tô dentro!
Leo balbuciou um "boa sorte" antes de sair pela porta dos fundos.
Minutos depois, Sofia e Sky caminhavam por ruas arborizadas em direção ao mar. As casas tinham muros baixos, flores nas janelas, e a vista da Table Mountain ao fundo parecia uma pintura.
— Esse bairro parece tirado de um filme indie — comentou Sofia.
— Bem-vinda ao Muizenberg. Aqui a gente vive devagar, mas com estilo.
— E você, sempre morou aqui?
— Quase. Cresci em Durban, mas vim pra cá estudar. Me apaixonei pela calmaria e fiquei. E depois de encontrar a Casa 43 não quis mais ir embora.
— Isso é bem... esotérico.
Sky riu.
— Talvez seja. Mas tem coisas que a gente não escolhe racionalmente, sabe? Tipo... aceitar um convite pra morar numa casa onde mora um engenheiro que mal fala, uma surfista e yoga freak e uma cadela chamada Beyoncé.
Sofia sorriu.
— No meu caso, eu diria que fui expulsa do plano original e caí de paraquedas aqui.
Sky a olhou de soslaio.
— E talvez esse paraquedas tenha te salvado.
Sofia não respondeu. Mas pela primeira vez desde que embarcara naquele avião, considerou que talvez tivesse mesmo algo a descobrir ali. Algo dela mesma, que tinha ficado pelo caminho.
E com o mar se abrindo à frente, azul e largo como uma promessa, ela deu o primeiro passo nessa nova vida.
