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Uma Proposta Irrecusável

A secretária do Sr Jace Kellan é do tipo alta e loura, com cabelos presos em um coque baixo impecável. Isso é tudo o que posso observar enquanto passo por ela como um furacão antes de entrar na sala do seu chefe.

Assim que atravesso a porta, nossos olhares se cruzam. Envolvido por uma atmosfera de luxo e poder, por trás da mesa perfeitamente organizada, ele fecha devagar a tela do Imac Pro. Seu escritório elegante, todo em branco e em tons de amadeirado, revela pouco sobre sua personalidade. Luminárias tornam o ambiente mais aconchegante, enquanto uma persiana cobre inteiramente a vista da imensa janela panorâmica. Fico imaginando que tipo de sujeito monta uma sala com uma vista suntuosa da Baía de Manhattan para não tirar proveito dela.

Kellan interrompe o fluxo dos meus pensamentos, os cotovelos apoiados sobre a mesa e os olhos cravados nos meus.

- Bom dia, Srta Goode - sua voz quebra o silêncio, em um tom frio e impessoal. - Eu não esperava vê-la tão cedo. Pode deixar, Diana, eu resolvo - acrescenta, dispensando com um aceno a secretária furiosa em meu encalço.

Sua expressão de surpresa, ainda que camuflada, torna o meu dia um pouco mais agradável. Aposto que é a primeira vez que alguém entra assim na sua sala, de supetão. Por um momento, nos satisfazemos em duelar através de olhares, mas Kellan põe fim a este enfrentamento quando se levanta da cadeira e rodeia a mesa, diminuindo consideravelmente a distância entre nós.

- Seu editor conversou com você? - pergunta, enquanto ajeita o nó da gravata azul marinho. Sua refinada camisa branca parece ter acabado de sair da lavanderia e desprende um perfume agradável misturado ao da sua loção pós barba.

- Posso saber o que você ganha com essa palhaçada? Isso é um jogo para você? A minha carreira parece um jogo? - com um movimento discreto, deslizo os dedos para dentro do blazer como se fosse ajeitar a borda do sutiã. O pequeno gravador, preso com fita na parte interna da blusa, aciona sem que Kellan perceba.

Ele se empertiga, ficando pelo menos dez centímetros mais alto e mais intimidante. Observo a compleição dos seus ombros largos e a forma como o terno parece envolvê-los com perfeição milimétrica. Fico imaginando se os seus ternos são comprados ou feitos sob medida para ele. Termino com a última opção. Não seria possível que, de outra forma, lhe caíssem tão bem.

Kellan não parece nem um pouco ofendido enquanto me encara em expectativa. Como não digo mais nada, e certamente parece que vou explodir de tanto ódio, ele decide se manifestar em defesa própria .

- Eu estou oferecendo uma grande oportunidade à sua revista. Não era isso o que você queria? Achei que fosse morrer de felicidade - sorri de canto, transbordando ironia. - Na verdade, eu meio que contava com isso.

Ha ha ha.

- Que engraçado, Sr Kellan.

Ele respira profundamente, enchendo o peito de ar com o movimento. Eu o examino sem medo do que vai pensar. Duvido que não esteja acostumado a ser objeto de desejo das mulheres. Com certeza gosta disso, ou não andaria por aí exibindo esse sorrisinho sexy como está fazendo agora mesmo.

- É porque hoje eu acordei de bom humor - argumenta, o sorriso expandindo ainda mais e roubando o meu fôlego.

- Deve ter sido uma novidade e tanto para você.

Ele me observa, muito admirado. Na certa não está acostumado a ser interrompido ou contrariado. Muito menos ser motivo de deboche. Eu comemoro por dentro por colocá-lo no devido lugar.

Para minha infelicidade, meu comentário não parece irritá-lo. Kellan apenas dá de ombros, coçando o queixo ao fazê-lo.

- Admito que você não me conheceu nos meus melhores momentos...

- Nem pretendo.

Ele balança a cabeça, ainda se divertindo.

- ... mas algumas pessoas diriam que eu posso ser uma companhia agradável.

- Como sua noiva? - deixo escapar.

Kellan franze o cenho, obviamente perturbado pelo meu comentário. O que ele não sabe, nem imagina, é que estou muito mais perturbada do que ele pelo que acabou de sair da minha boca. Quero retirar cada palavra, mas não posso e elas ficam pairando entre nós, tornando o ar diferente, carregado de duplos significados. Foi uma observação fora de hora, a qual simplesmente não consigo explicar. Isso me deixa confusa e incomodada. Por que, diabos, tive que falar sobre a noiva dele no meio de uma discussão?

- Por exemplo - seu sorriso aparece de novo, e desta vez, há algo mais além de pretensão. - O que acha dela? É bonita, não?

Endireito os meus ombros, reagindo à alfinetada.

- Não é da minha conta sua vida pessoal, Sr Kellan. E isso não acrescenta nada a matéria.

Kellan não diz nada, preferindo conferir a dobradura dos punhos da camisa. A aura de poder que desprende dele lembra os romances com mafiosos. Jace Kellan certamente daria um excelente mafioso. Tudo nele, desde o olhar desafiador até o porte imponente, revelam que está acostumado a estar no controle. De tudo e de todos.

Não consigo deixar de relembrar tudo o que escrevi na noite passada, tendo-o como minha fonte de inspiração. Só a lembrança já me deixa acalorada.

- Talvez as louras não façam o seu tipo - ele dá de ombros, insistindo no assunto que me aborrece. Olha para mim com uma expressão atrevida no rosto. - Eu compreendo. Também prefiro as morenas.

Sua provocação me faz cerrar os dentes. Respiro fundo e me contenho para outra vez não colocar tudo a perder.

- De volta ao nosso assunto principal, Sr Kellan, o que o senhor pretende? Me deixar humilhada na frente do meu chefe?

- Nunca foi a minha pretensão - diz, relaxando a pose de cretino. - Sinto muito que tenha entendido assim. Eu fiz um acordo com o seu editor e pretendo honrar minha promessa, Srta Goode. Você terá a sua chance.

- Os meus quinze minutos de fama - repito suas palavras de ontem, em tom de deboche.

Ele tem a decência de me olhar, com algum embaraço. Dá um passo adiante, mas se detém por ali mesmo quando eu o encaro em advertência.

- Me desculpe se ontem fui rude. Mas tenho os meus motivos - diz, simplesmente.

- E na semana passada?

Kellan revira os olhos, desviando-os para a parede branca atrás de mim. Outra vez, um calor se espalha pelo meu ventre, mas desta vez estou decidida a me manter inabalável. O cara mexe comigo, não posso negar. Seu belo rosto particularmente. Quase me convenço pela boca emoldurada por uma barba bem feita do tipo que não espeta, mas faz cócegas atrás da sua orelha. Eu poderia passar um dia inteiro mordendo essa boca...

Se não pertencesse a ele, é lógico.

- Já disse que não estava no meu melhor momento - ele se defende, sem entrar em detalhes, aguçando mais a minha curiosidade. - Mas posso garantir que destruir sua carreira nunca foi a minha intenção, Srta Goode. Ao contrário, quero reafirmar o meu compromisso e esclarecer melhor minha ideia. Irei dispor de algumas horas em favor da sua matéria. Deixá-la acompanhar o funcionamento da Kellan Corp, fazer perguntas e fuçar por aí - ele ergue um dedo em sinal de aviso. - Sem exageros. Não gosto da ideia de ter ratazanas da imprensa...

Limpo a garganta, fuzilando ele com os olhos.

- Perdão. O que eu quero dizer é que terá sua liberdade. Com restrições. Para isso, pensei em contratá-la como minha funcionária.

- Sua funcionária? - pergunto, abismada.

- Da Kellan Corp, claro - ele se corrige, o olhar denotando algo que vai muito além da casualidade das suas palavras. - Você pode se passar muito bem por uma simples estagiária.

Eu inclino a cabeça de lado, enfatizando meu descontentamento.

- Quer que eu traga cafezinhos agora?

Ele empina aquele nariz, com ar de superioridade.

- Se você tiver um crachá da Kellan Corp, será mais fácil se integrar - argumenta. - Além disso, poderá conversar com os empregados, fazer perguntas sem gerar desconfiança.

- Sei - procuro não demonstrar, mas cada vez mais a ideia vai parecendo interessante. - E é só isso? Supondo que eu concorde, o que fez você mudar de ideia assim tão de repente?

Ele nem hesita.

- Está na hora de parar de me esconder. Não tenho o que temer.

Pisco algumas vezes, para deixar clara minha incredulidade.

- Parabéns por sair do armário.

Kellan exala um suspiro, entediado.

- Suas piadas não são particularmente engraçadas, Srta Goode.

- Olha, nisso combinamos.

- Não sei se vamos nos entender bem - ele bufa, olhando para o alto.

- Não precisamos - eu prometo, meu olhar atraído para o peito largo que ocupa o meu campo de visão. - Mas quero que saiba que não vou facilitar pra você de jeito nenhum.

- Eu não esperava que fizesse isso.

Eu ergo os olhos, vendo seu sorriso se alargar por ter me flagrado olhando.

Não tenho vergonha. Seria um crime não olhar.

- Eu tenho um compromisso com a verdade - explico secamente, mudando o foco.

- Ah, Srta Goode! Você faz essa bela frase soar tão desagradável - ele se afasta, indo de novo para a sua mesa e de volta para a armadura de gênio das finanças que lhe é de costume. - Deve ser um dom.

Faço uma careta, sorrindo por dentro, e ajeito uma mecha de cabelo que se soltou atrás da orelha.

- É porque a sua presença incita o pior em mim, Sr Kellan.

Ele não sorri, mas seus olhos brilham como se estivesse.

- Então temos um acordo?

- Com certeza temos um acordo - eu respondo.

- Desculpe não apertar sua mão - ele diz, abrindo novamente o Imac e voltando sua atenção de vez para a tela. - Mas não quero correr o risco de ser picado e morrer envenenado.

- Eu entendo - digo, me divertindo com o atrevimento dele. - Até logo, Sr Kellan.

Ele nem levanta os olhos, apenas me dispensa com o mesmo gesto casual que usou com a secretária, enquanto começa a digitar algo.

- Venha amanhã pela manhã. Apresente-se na recepção e Diana irá instruí-la quanto às suas funções.

- Certo - digo, me virando em direção a porta, ainda atônita com o novo rumo das coisas.

Sua voz, entretanto, me obriga a virar novamente.

- Srta Goode?

- Sim?

Ele continua digitando, imperturbável.

- Espero que saiba fazer um ótimo café.

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