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Na Corda Bamba

Acordo às onze da manhã com uma ressaca braba. Sei que Ron vai me ligar a qualquer momento para saber por que não cheguei ao trabalho e, principalmente, dar um piti porque ainda não disse nada sobre a entrevista. Pensar nisso e em como ferrei com tudo, só faz a dor de cabeça piorar. Que desastre! Eu fui infantil e imatura e agora me resta saborear o amargo da derrota. Como vou explicar isso ao meu chefe? Como vou dizer que fodi com as nossas chances de salvar a revista?

Meu estômago embrulha só de pensar nisso. Ficar frente a frente com Ron e dizer a ele que falhei miseravelmente? É demais para mim! Mas fui pretensiosa, arrogante até para os meus padrões, por achar que sozinha conseguiria salvar a revista. Fazer aquela promessa foi como pendurar uma corda ao redor do pescoço. Meu Deus! Por que eu sou do jeito que eu sou? Emma tem razão quando diz que eu sou incapaz de manter minha língua enfiada dentro da minha própria boca.

Tomo uma aspirina e vou direto para o banho. A água quente não ajuda a relaxar. Pelo contrário, ela evoca pensamentos nada condizentes com meus verdadeiros sentimentos por Jace Kellan. Pensamentos do tipo bem safados. Ontem a noite, o vinho me fez ter um surto admirável de inspiração e acabei escrevendo coisas demais sobre ele. Coisas que certamente eu não pensava, nem desejava. Capítulos inteiros de fantasias eróticas tão realistas, que eram como imagens se desenrolando dentro da minha cabeça. Todas elas permeadas por aquele rosto esculpido pelo próprio demônio.

Saio do banheiro, ainda de toalha, e vou até a sala. Ligo o notebook para ver se tem algum e-mail do traste, mas na minha caixa de entrada há apenas propagandas que o provedor não conseguiu mandar para o Spam. Fico irritada porque o babaca não teve a decência de colocar meu e-mail entre as suas propriedades da manhã, mesmo se tratando de uma estúpida matéria de uma única folha.

Eu me arrumo para o que pode ser o meu último dia na revista e, com isso em mente, não economizo nos detalhes. Escolho uma camiseta preta decotada e combino com meu jeans favorito, de cintura alta, que modela minha bunda e minhas pernas como nenhum outro. Prendo parte do meu cabelo, ajeitando com um finalizador para deixá-lo sedoso e brilhante. Óculos escuros modernos, argolas douradas, meu batom Rouge Coco da Chanel e voilá. Pronta para o combate.

Pego um blazer preto no guarda roupa e saio do meu apartamento com uma postura tão confiante que faria inveja a qualquer modelo de sucesso. Ela nada combina com a insegurança que está me matando por dentro, no entanto. Penso em minha mãe, minha avó, meu pai e no resto da minha família, todos que sempre aplaudiram o meu sucesso, aqueles que de alguma forma dependem de mim. Trato de afastar esse sentimento antes que ele me sufoque.

Entro no elevador do prédio. Derek, o  adolescente do 303, arregala os olhos para mim. Sorrio na direção dele, lembrando de todas as vezes que o peguei me espiando fazendo alongamentos no parque com meu uniforme de corrida.

Nós descemos em silêncio. Eu penso em Jace Kellan e se, algum dia, ele também foi um adolescente tímido com uma paixonite boba por alguma vizinha. Franzo a testa. Pra puta que pariu com o Kellan. Se ele pensa que estou derrotada, não sabe que uma boa vingança é um prato que se come frio.

Saio do elevador, batendo os saltos dos sapatos contra o assoalho de pedra e chamando a atenção do porteiro para o meu mau humor.

- Quer que chame um táxi? - ele pergunta em seu uniforme azul, entendendo o meu aceno e providenciando o  veículo que poderá me conduzir de uma jornalista, com um futuro brilhante, a mais uma desempregada perambulando pelas ruas de Manhattan com um currículo nas mãos.

Sigo para a redação com a mente em turbilhão. Aos poucos minha confiança vai ressurgindo. Sei que posso descobrir uma forma de compensar o fiasco do dia anterior, provar que o meu potencial ainda é enorme e que  faço a diferença naquela revista. Dei meu sangue e suor por ela nos últimos anos. Não é justo que um único deslize roube o meu posto.

Penso, penso, mas nenhuma grande ideia aparece. Eu bufo, frustrada, enquanto nos aproximamos do Edifício North  que abriga, em seu vigésimo segundo andar, a Purpose, minha adorada revista. Então pago o motorista e desço do táxi, me desafiando a me jogar de cabeça no trabalho, passar o dia tão mergulhada na papelada, que o Sr Kellan não será nada além de poeira sob os meus sapatos.

Mas quando eu chego, mal tenho tempo de colocar minha bolsa sobre a mesa e Lisa Corner, a assistente de Ron, vem até mim com seus passinhos saltitantes e o sorriso dissimulado no rosto.

- Bom dia - grasna com sua vozinha irritante e o olhar malévolo. - O chefe quer falar com você. É melhor se apressar, a coisa não parece nada boa para o seu lado...

Eu deslizo para fora da cadeira, tentando manter os ombros eretos enquanto ignoro a petulância de Lisa, e então caminho devagar para a sala de Ron, como se não estivesse em meio a um incêndio com meu traseiro pegando fogo. A sala dele fica no final do corredor, o que me dá tempo para pensar nos mais diversos argumentos estúpidos para não ter conseguido nada daquilo a que me propus. 

Jace Kellan é um bastardo. Não vale nem um centavo, muito menos o chão que ele pisa ou o prato que come.

Jace Kellan é um verme rastejante. Se o planeta terra fosse dizimado, provavelmente só sobraria ele. E as baratas.

Jace Kellan tem problemas de natureza sexual. E está descontando toda a sua raiva e frustração acumuladas em cima de mim.

Quando entro em sua sala, meu chefe me encara da sua cadeira giratória por trás da mesa, com a mão sob o queixo e o cotovelo apoiado no tampo de vidro.

Ron Howard é a imagem da elegância modesta, em seu terno cinza pálido da Bloomingdales, que realça a pele negra e faz seus olhos escuros acenderem como dois faróis. O cavanhaque bem aparado envolve o maxilar estreito. Ele parece reflexivo enquanto me olha de cima a baixo com aprovação.

- Seu look é fabuloso - elogia e eu abro a boca para agradecer, mas ele me interrompe. - Mas você, honestamente,  me magoou.

Eu respiro fundo, exalando um suspiro que faz meu peito se comprimir dolorosamente.

Eu abro minha boca, mas Ron ergue a mão direita, adornada por uma brilhante aliança de noivado, para protestar. Então decido aguardar em silêncio o meu mais do que merecido castigo.

Ele se levanta da cadeira e caminha até mim em passos lentos, provocando uma agonia crescente que me dilacera por dentro. Por fim, pousa as mãos nos meus ombros e me olha no fundo dos olhos antes de falar outra vez.

- Como você consegue um acordo de exclusividade com a Kellan Corporation e me deixa saber disso pelo próprio Príncipe das trevas? Pelo amor de Deus, querida! Eu estou até agora aturdido - ele exclama, chacoalhando os meus ombros com um sorriso triunfante. - Francamente, como você me deixou por fora disso? Achou que eu iria tirar a matéria de você? 

Eu fico paralisada, absorvendo aquela notícia que não pode ser real, concordando com a cabeça enquanto Ron atira sobre mim toneladas de informações que não fazem qualquer sentido. Sei que devo interrompê-lo, dizer que deve ter havido um engano. Por que não existe outra hipótese, não é mesmo? Claro que não. Mas a alegria de Ron é contagiante e não quero que seja eu a quebrá-la. Ele se equivocou no que ouviu, é isso. Mas, por um segundo, quero embarcar naquela fantasia junto com ele.

- Você disse que foi o Kellan que disse isso? - pergunto, quando de repente um sinalzinho de alerta acende dentro da minha cabeça.

- Sim - Ron assente, eufórico. - Não é uma loucura? O todo poderoso Jace Kellan me telefonar, em pessoa, para dizer que fechou com a Purpose uma série de entrevistas exclusivas? E que vai falar sobre o escândalo da Herman & Herman apenas para nós?

Meus olhos se arregalam e eu engasgo com a própria saliva.

- Ele disse isso? Disse que vai falar...?

- Disse - Ron segura as minhas mãos, saltitando como um passarinho.- Sei que nunca disse isso, querida, nunca como deveria, mas... você é o máximo! Fabulosa, a melhor que nós temos - ele olha dentro dos meus olhos sem soltar as minhas mãos nem por um segundo - E depois dessa matéria, um Pulitzer vai ser pouco para você. Vai merecer pelo menos três, um de cada cor - ele brinca, estalando um beijo na minha bochecha antes de sair da sua sala aos pulos e me deixar estatelada ali, pensando qual será o plano maquiavélico de Jace Kellan para acabar comigo.

E como posso acabar com ele antes.

Um minuto depois, sei exatamente o que preciso fazer e estou saindo do Edifício North com minha bolsa no ombro e uma idéia maluca borbulhando na mente.

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