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A Nova Funcionária

É o meu primeiro dia como estagiária da Kellan Corp. E, Deus, o chão já pode se abrir agora e me engolir. É tanta papelada administrativa que eu preciso carregar de um lado para o outro que eu já quase esqueci a minha verdadeira missão ali. Bom, talvez esse seja o plano diabólico do Kellan. Me soterrar com os escombros da burocracia. E por falar no diabo...

- Onde está o chefe?

Diana Prescott ergue seus olhos verdes para mim em uma expressão de tédio forçada. Cruzes, que mau humorada. Não acredito que vamos precisar trabalhar juntas nos próximos dias. Mesmo de mentirinha e temporário é algo que me deprime. Desde o momento em que eu pisei no escritório, ficou claro que a mulher me odeia. Com todas as suas forças. Talvez porque eu tenha invadido a sala do seu chefe no dia anterior, vai saber. Ou porque ela tenha uma quedinha secreta por ele.

O fato é que Diana parece um super cyborg de Exterminador do Futuro, com sua voz robótica ao atender o telefone e sem um único fio de cabelo fora do lugar. Hasta la vista, baby.

- Na sala dele. Onde mais? - responde, os lábios virados para baixo. O tailleur marinho parece algo que minha avó teria usado para o trabalho... na década de trinta. Formal e antiquado assim como Diana.

Perto uma da outra, parecemos dois personagens de uma comédia pastelão. O blazer que estou usando se estende até o meio das coxas, em um tom de creme que favorece a cor da ninha pele. Todo em risca de giz, tem um toque profissional, mas ao mesmo tempo é atrevido e moderno. Os rapazes no elevador viraram a cabeça para dar uma olhadinha, quando eu cheguei ao prédio pontualmente às oito, conforme combinado. Talvez por isso Diana esteja tão irritada. Pelo fato de eu estar tão a vontade com as pernas de fora e ela bancando a matrona. Além disso, pensando bem, creio ter violado algum código de vestimenta da empresa, mas como não sou uma funcionária de fato, acho que estou isenta das regras.

Só uma pessoa será capaz de determinar isso, claro. O Chefe Kellan. Sorrio ao imaginar sua reação ao me ver entrando em sua sala sem ser chamada, agorinha mesmo, toda solícita com uma bandeja de café nas mãos. Noite passada, precisei de dois banhos frios para afastar todo tipo de pensamento sórdido envolvendo o maldito idiota. Alguns deles foram bem memoráveis e ainda me perturbavam quando eu acordei pela manhã, toda tensa e suada.

- Sabe se ele está precisando de alguma coisa? Algum documento? - pergunto, patética ao exalar um suspiro.

Diana não me responde, mas o seu silêncio vale mais do que mil palavras. O que há de errado com ela, meu Deus? Quando Kellan me surpreendeu com essa proposta, achei que fosse ser fácil como tirar doce de uma criança. Circular entre os funcionários, fazer amizade, perguntar uma coisinha ou outra aqui e ali... logo eu, que fui talhada para esse tipo de coisa.

Quando criança, todas as minhas amigas queriam ser modelos ou atrizes de Hollywood. Bom, eu não. Eu sempre quis ser uma jornalista. Todas as minhas brincadeiras envolviam crimes, denúncias e investigação, e terminavam comigo sendo premiada pelos meus preciosos serviços a população. Minha busca pela verdade é tão genuína quanto a busca de Kellan pelo poder. E nisso combinamos.

Desde que eu cheguei, tudo o que tenho tentado fazer é ser agradável e criar conexões. Mas com Diana, isso vem falhando miseravelmente. A cada minuto que passa, sua vontade de voar no meu pescoço fica mais evidente.

Quando o telefone toca na sua mesa, ela atende de supetão. Que pessoinha irritante.

- Sim, Sr Kellan, agora mesmo - Diana soa como um cãozinho, de quatro e implorando por outro biscoito. - Não, de modo algum, Sr Kellan. Com certeza é possível.

Reviro os olhos. Odeio esse tipo de empregado que nunca mede esforços para agradar, sabe? O senhor gostaria do seu café agora, Sr Kellan? Com açúcar ou adoçante? Gostaria de uma trepada também? Em cima da mesa ou no sofá? Como for melhor para os seus joelhos, Sr Kellan.

Ela se vira para mim e, se antes parecia incomodada, agora está realmente brava.

- O Sr Kellan gostaria que você levasse a pasta da Dixon Inc. para ele - grunhe, pegando algo de uma das gavetas e atirando sobre a mesa. - Imediatamente.

Após um breve instante de surpresa, suspiro, recolhendo a pasta em silêncio e partindo para a sala de Jace Kellan. Fico curiosa sobre a importância que pode ter aquele documento, é lógico. A Dixon Inc. é a incorporadora imobiliária mais próspera de NY. E também a mais infame. Sofreu diversos processos jurídicos no ano anterior e agora é a mais recente aquisição da carteira de clientes da Kellan Corp. 

Fecho a porta da sala atrás de mim, vendo o Sr Kellan se empertigar todo atrás da mesa como um pavão se emplumando. Que lindinho. Com seus olhos lascivos, me mede de cima abaixo, julgando cada centímetro do que vê. Ao receber seu olhar de aprovação, eu me aproximo da sua mesa, o som dos sapatos de salto abafados pela maciez do carpete.

Kellan está lindo, tanto quanto sempre. Um maldito tesão. O cabelo de corte impecável e o cavanhaque que envolve a boca carnuda, fazem dele uma mistura do CEO poderoso com qualquer outra fantasia que o meu cérebro devasso possa idealizar. Além disso, eu reparo, está usando uma gravata prateada e outra das suas camisas brancas que reluzem contra a pele bronzeada. Tenho vontade de arrancar um a um todos aqueles botões só para descobrir o que me espera do lado de dentro.

- Aqui está - deixo o documento diante dele, consciente do seu olhar sobre mim o tempo inteiro. - Mais alguma coisa, Sr Kellan?

- Que tal aquele café? - provoca, debruçando sobre a mesa.

Eu abro um sorriso gelado, embora sinta calor no corpo todo.

- De jeito nenhum. Mas valeu a tentativa.

Eu me viro rápido demais, caminhando com pernas bambas em direção a porta. Porra. Não posso deixar que veja que sua proximidade me deixa balançada. Que suas gracinhas mexem comigo. Mais do que isso. Que ele me atiça com aquele olhar safado e faz minha calcinha molhar sem nem ao menos pôr suas mãos em mim. Desgraçado. Como ele faz isso eu não sei, mas preciso dar um fim nessa situação lamentável. Estamos em lados opostos. Eu quero sua cabeça e, dentro de pouco tempo, ele também vai querer a minha.

- Srta Goode.

- Sim? - respondo da porta, o coração disparando.

- Você provavelmente é a pior estagiária de mentira que alguém já teve - é impossível ignorar o sorriso sedutor em sua voz.

Eu sorrio também, mas só porque sei que ele não pode ver.

---

Ao meio-dia, o Sr Kellan sai para almoçar com um cliente. Parece apressado e, como não é de se estranhar, seu mau humor retornou. Não olha na minha direção, muito menos me dirige a palavra. Que gênio insuportável. Quase tenho pena da sua noiva, mas rica e bonita daquele jeito, duvido que esteja com ele por falta de opção.

Diane sai para almoçar também, não antes de se certificar de que eu não possa respirar até que ela volte da rua. Resultado: eu fico sozinha, abarrotada de trabalho e profundamente entediada. Os minutos não passam, se arrastam, enquanto organizo pilhas e mais pilhas de arquivos da Kellan Corp. O pior, já desisti de encontrar alguma coisa interessante ali. São só ficheiros comuns, não há nenhum documento confidencial. É de se esperar que o chefe não vá me entregar o ouro de bandeja assim, mas honestamente já estou ficando de saco cheio.

Me dou de presente um tempo livre e vou até a copa tomar um cafezinho. Lá encontro a simpática secretária de Theodore Armstrong, perdendo de 3x0 para a máquina de capuccino. Bethany é negra, curvilínea e dona de um sorriso capaz de derreter uma geleira. Em cinco minutos, descubro que está na empresa há poucos meses e que adora um papo furado. Entre uma conversa e outra, deixa escapar que seu chefe raramente vem ao escritório, sobrando para Kellan, algumas vezes, cumprir também a parte social, que ele odeia.

- O Sr Kellan é o cérebro por trás da coisa toda - ela diz, usando o reflexo na janela para arrumar o cabelo preto cortado moderninho. - O Sr Armstrong é a miss.

Olho para ela, como se tivesse um chifre nascendo no meio da testa.

Ela ri.

- Você sabe, sorrir e acenar. É basicamente o papel dele aqui - explica. - E, claro, ele entrou com grande parte do capital. E também com o sobrenome da família.

- Eu entendo - concordo, encostada contra o balcão, empolgada com a conversa. - Mas o Sr Kellan também tem muita grana, claro.

- Sim, ele tem - outros dois funcionários entram conversando na copa e Bethany abaixa o tom de voz para um sussurro. - Mas o velho tem mais. Na verdade, a esposa dele. Quando ela bater as botas, aquela menina vai herdar um império.

Eu ergo as sobrancelhas, ouvindo o barulho das engrenagens trabalhando no meu cérebro.

- A noiva do chefe?

Bethany assente com um movimento da cabeça.

- Ele vai passar do top 10 dos ricaços para o pódio, sem dúvida alguma.

Fico em silêncio, pensando no significado do que ela está dizendo. Não quero crer que além de possivelmente encobrir crimes financeiros dos seus clientes, Jace Kellan também esteja planejando dar o golpe do baú em Rose Armstrong. Isso seria desprezível.

De repente, sinto que aquele assunto já rendeu o suficiente. Meu objetivo ali é desmascarar crimes de verdade, não investigar os reais sentimentos de Jace Kellan pela sua noiva. Isso não é da minha conta, nem me interessa de forma alguma.

- Você sabe se esses almoços costumam demorar? - pergunto, terminando o meu café enquanto Bethany se serve do segundo copo. - Eu fiquei devendo um monte de trabalho e nem sei se vou conseguir terminar a tempo.

Ela pisca um olho encimado por um longo cílio postiço coberto de rímel.

- Sei bem como é. O Sr Kellan dificilmente volta antes das duas quando almoça com um cliente, fica tranquila.

Eu agradeço pela conversa e me despeço, retornando para a sala de Diana. Quando chego lá, escorrego para o escritório de Kellan como um rato atrás de um pedaço de queijo. Um pedaço gordo de queijo. Bato a porta atrás de mim e, sem perder tempo, vou diretamente até a pilha de papéis sobre a sua mesa. Vasculho tudo, sempre olhando em direção a porta, consciente do risco que estou correndo. Folheio tudo às pressas, procurando não tirar nada da ordem que estava. Em sua maioria são arquivos de clientes, históricos, mas existem também alguns gráficos financeiros, orçamentos e planilhas de gastos.

A adrenalina inicial diminui a medida que eu corro a papelada sem encontrar nada suspeito. Kellan não é bobo. Pode ser um babaca, mas não é bobo. Ele não deixaria algo realmente importante assim ao meu alcance e agora sei disso. A não ser...

Passo para o outro lado da mesa, onde o imac de Kellan me encara em seu delicado design prateado. Hesito um pouco. Será que eu devo? A moral e o bom senso me dizem que não, mas ninguém nunca venceu uma guerra sem um pouco de trapaça, então apenas abro o imac e, para o meu deleite, descubro que está na conta do administrador. Logado. Kellan deve ter esquecido de bloquear antes de sair. Eu mal posso acreditar, minha sorte está mudando. No entanto, eu me espanto ao notar que o único documento salvo no desktop tem o meu nome. Srta Olivia Goode. Franzo a testa, com medo de clicar e descobrir o que existe nele. É de gelar os ossos. Respiro até os meus pulmões doerem antes de mover o cursor.

A porta da sala se abre e eu dou um salto para trás, com o estômago embrulhado. Kellan me olha com tanta frieza que faz o meu sangue congelar. Eu paraliso, assustada demais para dizer qualquer coisa, enquanto o ar a nossa volta vai se tornando cada vez mais pesado.

Olivia Goode, agora sim, você está realmente fodida.

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