A Entrevista
São os tipos como Jace Kellan que tornam impossível a extinção do Complexo de Cinderela.
A ferocidade emana dele como uma energia pulsante e inesgotável. É fácil se ver atraída por seus olhos de ônix e se perder dentro deles. E mais fácil ainda sonhar com a maciez dos seus lábios e com a sensação de tê-los percorrendo toda a extensão do meu corpo, estimulando um a um os meus pontos mais sensíveis e me levando a um orgasmo intenso e arrebatador.
O homem é uma espécie de deus. Além de sexy, bonito e absurdamente excitante, é o cérebro por trás de uma corporação poderosa que dá as cartas em Nova York, a Kellan Corporation.
Olho ao redor, tentando não parecer muito deslumbrada. A suíte de cobertura no Plaza nos esmaga como um colosso de concreto. Um tom de marfim bem discreto veste o chão e as paredes cobertas de obras de arte de procedência genuína - pelo menos é o que eu imagino. As poltronas são brancas em couro autêntico refinado. Nada das porcarias que você vê pelas lojas de departamento. As cortinas e a tapeçaria transbordam elegância em um tom fascinante de verde imperial. Mas ainda capaz de superar tudo isso, janelas de vidro panorâmicas permitem uma vista estonteante do Central Park.
Estamos rodeados pelo luxo que apenas uns poucos privilegiados podem pagar. Para pessoas normais como eu é mesmo uma grande coisa. Mas a forma como Kellan olha ao redor só revela seu desprezo e indiferença.
De repente, eu me sinto invadida por uma onda de indignação. Estamos vinte andares acima do solo, na cobertura do hotel mais sofisticado de NY. O cara deveria se sentir um deus. Mas, aparentemente, controlar um império em constante ascensão e ter o mesmo tratamento destinado a realeza não são suficientes para que ele deixe a sua armadura.
Foram esses privilégios, aliás, que nos trouxeram hoje até aqui. Na realidade, os segredos obscuros que estão por trás deles.
Quando meu chefe Ron Howard reuniu a equipe, a cerca de dois meses, com a notícia de que a Prime estaria fechando as portas, eu entrei em pânico. Embora já tenha terminado de pagar o meu financiamento estudantil, o custo de vida em Manhattan não tolera desempregados. Além disso, ajudo minha mãe a manter o restaurante que ela tanto ama, o que me permite um total de zero chances de me sustentar sem emprego na grande metrópole de NY, mesmo que temporariamente.
Jace Kellan era nossa melhor chance. Quando prometi a Ron que conseguiria obter informações preciosas daquela boca carnuda, os seus olhinhos cintilaram de pura cobiça.
- A senhorita está pronta para começar? - Kellan pergunta, com uma expressão que faria medo ao próprio diabo.
Eu concordo com um gesto, olhando-o de cima a baixo. O deus moreno e delicioso a minha frente é conhecido por raramente conceder entrevistas. Quando abre exceções é para veículos aclamados como o Times, o NY Post ou a Forbes, que já o elegeu "Um dos 5 homens mais ricos no Ocidente com menos de 35 anos". Uau. Uma legenda como essa, por natureza, já soa excitante.
Desde que eu o encontrei pela primeira vez, uma semana atrás, no baile de caridade, não posso negar as faíscas que explodem entre nós sempre que nos olhamos. Ou tocamos. A princípio, depois que ele cancelou nossa primeira data, achei que estivesse me dando o golpe para fugir do compromisso. Todo mundo sabe muito bem que Jace Kellan é avesso a responder perguntas sobre sua vida íntima e detalhes sobre sua subida meteórica no ramo das finanças. No entanto, seu assistente mandou um convite para remarcarmos, e eu devo admitir, posso ter me precipitado no meu julgamento.
- Quer ajuda, Srta Goode? - a expressão de Kellan é impenetrável. Em vez de frio como gelo, no entanto, o seu olhar é aceso e mais do que levemente interessado.
Observo como o terno azul marinho realça os seus ombros largos e atléticos. Ele malha com certeza e não é pouco. Suas pernas são longas dentro da calça social e eu posso apostar que também são musculosas.
Minha imaginação febril me atira em uma fantasia onde estas mesmas pernas se flexionam ao redor das minhas, joelhos apoiados sobre a cama, seu corpo quente e suado...
- Srta Goode?
Eu despenco mil metros em direção a realidade. Puta merda. A fantasia foi tão realista que eu me sinto enjoada ao ser arrancada dela tão de repente. E fico horrorizada - mas não inteiramente surpresa - quando sinto a umidade se espalhar pela minha calcinha.
Abro a boca, mas não sei o que dizer. Kellan espera por uma resposta. Eu também. Através do seu olhar vidrado me mim, nítido como em uma tela de tv de última geração, eu vejo cada um dos meus pensamentos indecentes sendo exibidos.
Limpo a garganta e controlo a vontade de me abanar. Quando começou a ficar tão quente aqui?
- Certo, vamos lá - mal posso reconhecer minha voz, calorosa e passional, tão diferente da versão que eu assumo quando estou a trabalho.
É difícil recordar que, poucas horas atrás, eu estava na cama com Eric Lance, o irmão da minha melhor amiga e um antigo amigo dos tempos de faculdade. Eric é sexy, inteligente e divertido, e me conhece como poucas pessoas. Temos uma química incrível, o sexo sempre me deixou nas nuvens. Ainda assim... devo dizer que, ontem a noite, foi decepcionante.
Kellan se ajeita na poltrona em frente a minha e os meus olhos se movem na sua direção, como se estivesse ligada a ele por uma dúzia de fios invisíveis. A sensação é desconfortável e me deixa incomodada, como não poderia deixar de ser. Sou dona de mim e das minhas vontades há tempo suficiente para saber que detesto ser controlada.
Antes que eu me levante da poltrona e literalmente pule sentada no seu colo, trato de ocupar minhas mãos e vou logo abrindo e vasculhando a bolsa em busca do gravador. Dinheiro, habilitação, óculos escuros, batom Rouge Coco da Chanel... trinco os dentes. Não sou uma pessoa que preza pela organização, mas, quando o assunto é trabalho, costumo estar sempre no controle da minha bagunça. No entanto, parece que algo deu errado essa manhã e não estou achando nada do que preciso dentro da minha bolsa.
- Desculpe. Não estou achando... - meus dedos esbarram na superfície metálica do gravador de bolso e creio que ele também pode ouvir o meu suspiro de alívio, quando digo: - Pronto. Podemos começar.
Kellan é como uma lenda do esporte ou um astro do rock. Mas sua área de atuação envolve números, cálculos e estimativas. Pode parecer nem um pouco charmoso, mas acredite em mim quando eu digo que charme é uma coisa que não falta no homem sentado a minha frente.
- Sr Kellan, o senhor foi responsável por erguer empresas a beira da ruína, transformando em algumas das marcas mais rentáveis do mercado atualmente. Chamam você de Magnata das Finanças e não é a toa. O que você acha desse título?
- Eu acho que as pessoas têm a necessidade de rotular coisas e também outras pessoas - ele responde, a voz grave. - Tanto nos negócios, quanto na vida pessoal.
- Você não?
Ele dá de ombros.
- Eu prefiro manter as coisas o mais simples e objetivas possíveis. O preto no branco.
A resposta evasiva de Kellan prova que eu terei que ser um pouco mais objetiva caso queira arrancar alguma informação mais concreta dele.
Eu balanço a cabeça, cruzando as pernas e ajeitando o vestido branco de linho que recobre parcialmente as coxas. É uma das minhas peças favoritas no guarda roupa, porque faz um belo contraste com o tom da minha pele.
- Entendo. Você é um homem prático - arrisco dizer.
- Você não?
Sorrio, bem humorada.
- Pode-se dizer que sim.
- Eu imaginei - ele relaxa contra o encosto da poltrona, olhando de relance para o tecido que marca as minhas coxas. - No dia em que nos conhecemos, tive a certeza disso.
Arqueio as sobrancelhas e vou ainda mais fundo, movida pela curiosidade.
- Aposto que você não é do tipo que age por impulso.
- Meu trabalho exige assumir riscos, Srta Goode - ele me encara com a expressão de um leão faminto . - E eu não hesito em me arriscar pelo que me atrai.
Noto que a conversa está se desviando do assunto principal. Embora excitante, preciso levar em consideração a hipótese de Kellan estar agindo assim de propósito. Se quiser vencê-lo, preciso ser mais esperta do que isso e manter o foco.
Enrolo o cabelo, atirando-o sobre o ombro para espantar o calor que sobe pelo meu pescoço como labaredas.
- Como você diria que ser o dono de uma corporação desse porte ajudou a moldar o homem que você é?
Uma ruguinha aparece bem no no meio da sua testa.
- Não me ajudou. O homem que eu sou não tem nada a ver com o meu trabalho.
A resposta dele acende um alarme na minha cabeça.
- Verdade? - pergunto, com uma pequena dose de cinismo indisfarçado. - Está me dizendo que o profissional Jace Kellan não tem influência alguma sobre o caráter do homem e vice versa? Isso é mesmo fascinante.
O empresário fica em silêncio e o clima descontraído entre nós evapora por completo. A mudança no seu comportamento é tão brusca quanto imprevisível para mim. A tensão entre nós é tão real que poderia ser cortada por uma faca.
Ele se inclina para frente na poltrona, com os olhos cravados nos meus.
- Fico feliz por me achar fascinante - responde com ironia. - Mais alguma pergunta ou vamos ficar batendo nesta tecla até o fim dos seus trinta minutos?
Ele consulta o relógio de pulso, parecendo entediado.
Babaca temperamental.
Eu abro um sorrisinho ardiloso. Estou confiante no meu taco e não vou deixá-lo escapar tão fácil.
- Certo, como quiser, Sr Kellan - digo amavelmente. - O que pode me dizer sobre o seu último trabalho com a Herman & Herman?
Ele suspira, aborrecido. Está prestes a se levantar da poltrona, me tomar nos braços e encher a minha bunda de palmadas. A expectativa causada pela imagem me faz fervilhar por dentro.
Kellan se levanta realmente, mas todo o resto não passa de imaginação. Ele caminha até o buffet e pega duas garrafinhas de água Perrier, então volta a sua poltrona, estendendo uma na minha direção. Por um momento ínfimo, nossos dedos se tocam. Eu sinto um arrepio subir pela coluna desde a base, eriçando os pelos da minha nuca.
Nossa.
- Vou dizer a você o mesmo que venho dizendo nos últimos quatro meses a todos os jornalista com quem tive o desprazer de conversar - seu olhar é de censura, mas sua voz sai ligeiramente enrouquecida. - Herman & Herman é gerido por Albert Herman, cuja inocência ficou comprovada após uma investigação minuciosa por parte da polícia.
- Uma investigação de fraude.
- Uma investigação que não deu em nada - ele grunhe, lambendo o lábio inferior onde uma gotinha de água foi se alojar. Suas sobrancelhas escuras e grossas formam um arco perfeito acima dos olhos. - A senhorita deve saber disso.
- É claro, mas esse tipo de investigação nem sempre é conclusiva. Eventualmente algumas arestas podem ser aparadas.
- Então deixe que a polícia apare - Kellan faz um gesto vago com as mãos, cruzando as pernas em uma tentativa forçada de parecer casual. - Srta Goode, eu sou apenas um consultor de finanças. Não tenho autonomia para responder esse tipo de questionamento. Fale com os policiais. Eles vão informá-la muito melhor sobre a Herman&Herman.
Eu trinco os dentes, frustrada. Extrair informações de Jace Kellan é o mesmo que arrancar leite de pedra. Não é a toa que todos os outros antes me mim falharam, e se eu vacilar aqui, serei apenas mais um numero no total de fracassos.
- O senhor tem outros clientes notórios. A JP Morgan, por exemplo...
- O que tem a JP Morgan? - ele passa uma mão pelo rosto, coçando a barba que começa a crescer - Eles também estão envolvidos em algum processo que eu não saiba?
Balanço a cabeça, negando.
- Ainda não, Sr Kellan. Mas existem boatos.
Kellan bufa com desprezo total pela opinião pública.
- Uma jornalista que se baseia em boatos. Por que eu não estou surpreso?
- Eu só estou atrás da verdade, Sr Kellan - digo com firmeza.
- Vá atrás do que quiser, Srta Goode. Eu não dou a mínima. Além disso, uma história sempre tem muitos lados, e a verdade pode assumir uma versão diferente sob outro aspecto.
- Isso não é muito ético - protesto, com um sorrisinho irônico. - E o preto no branco do qual falamos?
Sua expressão endurece. Não precisa dizer mais nada. Ela diz que eu brinquei com o fogo e agora estou prestes a sair queimada.
Kellan olha para o relógio outra vez e, quando volta os olhos para mim, eles brilham com toda a sua fúria.
- Você teve o tempo que queria e o desperdiçou com perguntas irrelevantes sobre assuntos tediosos - sorri, maldosamente. - Eu esperava mais de você, Olivia, mas vejo que é somente outra descerebrada em busca dos seus quinze minutos de fama. Mais alguma pergunta interessante?
Eu me empertigo na cadeira, sentindo o peso das suas palavras como uma bofetada. Nunca ninguém foi tão direto comigo. Nunca de uma forma tão negativa. Se eu fosse do tipo que chora certamente estaria me debulhando em lágrimas. Em vez disso, sinto a raiva abrir caminho pelos meus pulmões.
- Só mais uma, Sr Kellan.
- Sou todo ouvidos - seus olhos são cheios de veneno.
- Por que aceitou conceder essa entrevista se sabia que não iria responder a nenhuma das perguntas.
Kellan me encara com ódio mortal.
- O seu tempo acabou, Srta Goode.
Ele se ergue da poltrona, alongando os músculos antes de se encaminhar para a porta de saída. Está me expulsando. Eu não vejo outra alternativa que não seja segui-lo, contrariada.
- Espero que tenha sido... satisfatório para você - ele abre a porta, apontando na direção do corredor.
Eu passo por ele, tentando pensar em um argumento esperto e convincente, mas tudo o que me vem a cabeça é a recriminação por ter sido estúpida o suficiente para confrontá-lo de forma tão aberta. Sou franca demais e costumo esperar reciprocidade das pessoas.
Kellan é como um livro fechado em capa dura.
- Nem um pouco - arrisco dizer, dando um passo adiante para surpresa dele. Ergo o meu rosto e, apesar de Kellan ter uns bons quinze centímetros a mais de altura, fico satisfeita que a proximidade dos nossos rostos derreta momentaneamente o seu olhar de aço. - Mas não é a última vez que nos vemos.
- Ah, pode apostar que é - o som da sua risada sai como um rosnado e o seu hálito chega quente ao meu rosto, a proximidade das nossas bocas quase irresistível. - Srta Goode, quero o documento oficial dessa entrevista antes que você a publique.
- Como é? - dou um passo atrás, boquiaberta.
- Você achou, francamente, que eu permitiria a publicação da sua matéria sem uma avaliação rigorosa? - sua respiração sai mais controlada e aquele sorriso cruel se estende pelo seu rosto. - Espero que não se ofenda, mas não confio na sua raça.
- Não ofendeu - sorrio também, o sangue subindo a cabeça. - Até logo, Sr Kellan. E obrigada pelo seu tempo.
- Adeus, Srta Goode.
Ele fecha a porta. Bem na minha cara.
