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Capítulo 3

3 - Mia Lauren Hudson

Existe um tempo para ousadia e um tempo para cautela, e o homem sábio sabe o momento de cada um deles.

- Sociedade dos poetas mortos

Eu estava ensaiando com vigor e repetidas vezes o que falaria ao meu esposo.

- Oi, Bradley, você me permite sair hoje? Preciso ir para reunião de uma assessora de filmes concorrente a sua.

Não, claro que não. Eu não poderia falar aquilo. Pra falar a verdade, nada que eu conseguisse falar soaria bem aos seus ouvidos e sabia que nesse caso, eu iria ouvir coisas que me machucariam.

Mas que saco! Já eram quase três da tarde e eu estava pronta ao encarar o espelho. Meu cabelo loiro brilhante, cheio e ondulado caia ao redor de meus ombros e busto. Eu pensei tantas vezes em cortá-lo, pintá-lo, mas Bradley nunca me permitiu. Falara que era algo inaceitável para uma mulher, e ainda mais para sua mulher que carregava seu nome. Um sorriso forçado passou sobre meus lábios ao voltar admirar o reflexo da minha figura no espelho. Eu usava um grande casaco de frio sobre uma blusa rosa de um tecido quente e calça jeans. E foi com muita conversa que Bradley aceitou que eu usasse calça jeans. Era insuportável viver de saia sempre que o inverno chegava.

- Oi, Bradley. - Voltei a ensaiar. - Você lembra daquele sonho que sempre lhe falei? Eu estou prestes a realizar. Você está feliz por mim?

Então, de maneira frustrante eu imaginei o silêncio que ele deixaria no ar.

Meus pais iriam ficar tão felizes...

Ah... Eu queria tanto que meus pais estivessem comigo. Eu gostaria tanto que eu não tivesse sido quase obrigada a me casar com um homem que eu não amava tanto na época, mas agora sim, e mesmo assim nem um mínimo afeto era correspondido a mim. Se eu tivesse ao menos uma chance... Uma única chance, eu não teria jurado tal coisa a minha mãe enquanto ela estava entre a vida e a morte. E nem ao meu pai que me deixou oito dias depois.

Então eu comecei a tremer, não sei se era o frio lá fora ou os meus pensamentos, a causa. Os pensamentos que eu tanto tento evitar e só pensar nos momentos bons. Nos momentos que Bradley me ajudava, mas não havia um único momento desses.

Notei que os cantos dos meus olhos estavam úmidos, e eu não podia chorar. Se eu chorasse, não iria conseguir parar e era para eu estar feliz. Eu tenho que estar feliz. Eu tenho que lutar pra ser feliz. E com esse pensamento, olhando nos meus olhos esverdeados que continha um prateado quase puxando para um azul mesmo sem vida, eu tomei coragem e segui até o escritório que Bradley se trancou desde que acordou uma hora antes.

Respirei fundo e pedi que minha coragem não voltasse atrás. Pedi que ele entendesse que era apenas meu marido. Eu não era propriedade dele. Apesar de eu querer que ele me chamasse de sua, mas por orgulho e não por status.

Com as mãos trêmulas, eu bati na madeira escura da porta. Ouvi sussurros dele ao falar no telefone. Eu não queria atrapalhá-lo e assim eu achei uma oportunidade ótima para que tudo aquilo não se prolongasse.

- Bradley? - Eu chamei.

Ouvi quando o silêncio voltou e quase consegui ouvir também quando ele bufou.

- Entra. - Sua voz incrivelmente grave me deixou ainda mais nervosa.

Passei as mãos sobre minhas roupas e fechei o casaco escuro depois de girar a maçaneta. Com os lábios já secos e o frio sobre minha espinha, eu achei o meu marido atrás da sua mesa. Seu olhar se levantou a mim, igual sua sobrancelha arqueada ao me olhar dos pés à cabeça.

Eu fiz o mesmo, tentando adivinhar qual era a versão do meu marido naquele dia. Ele usava uma camisa de mangas brancas, o seu cabelo comprido e castanho escuro estava alvoroçado, os olhos apertados de um azul quase negro. A barba por fazer. Os lábios cerrados.

- Pra onde você vai? - Sua voz fez minhas pernas ficarem bambas.

- Eu... É.. - O que eu iria falar? Eu fiquei parada na porta, como se eu fosse uma criança.

Bradley revirou os olhos e voltou o olhar para as folhas em sua mesa, como se eu fosse uma idiota que só queria atenção do marido. É, talvez eu fosse sim.

- Eu vou sair. - O tremor de minha voz finalmente saiu.

Observei a forma lenta que ele abandonou os papéis e levantou os olhos nos quais um dia eu me apaixonei perdidamente. E se ele me ajudasse, seria assim para sempre. Mas cada dia que passava eu me via cansar, eu me via perdida e tentando encontrar um lugar que eu pudesse repousar meu coração.

- Vai? - O sorriso curto e irônico saiu do canto de seu lábio.

- Vou. – Umedeci os lábios e dei um minúsculo passo a frente. - Sei que você não gosta quando eu saio, principalmente nos finais de semana, mas eu... - Ele levantou a sobrancelha. - Eu tenho que encontrar a Kayla.

O quê? Eu tinha que encontrar a Kayla? Eu não fazia ideia de onde Kayla estava. Mas se eu conhecia bem a minha amiga, ela pararia tudo pra me socorrer. E ela tentou muito me socorrer, até de Bradley. Ela o odeia. Ele corresponde esse sentimento a ela.

- Você não vai. - Sua voz foi decidida e ele se levantou da cadeira. E eu me senti ainda menor com o homem a minha frente. Alto como Golias. - Eu não suporto essa vadia e você não vai sair com ela.

A raiva pareceu crescer em mim. Eu odiava quando ele me proibia as coisas e odiava quando ele falava da minha amiga. Mas eu entendi que a culpa era minha. Kayla não estava envolvida nisso e eu coloquei seu nome. Me desculpa, minha amiga... implorei mentalmente.

Mas eu sabia que teria que sacrificar muitas coisas pelo meu sonho, e eu iria. Eu iria até onde Bradley nunca pensou me conhecer, se isso significasse conseguir meu objetivo. Tinha uma parte de Mia Lauren que ele não conhecia. Tinha uma parte de mim que eu escondia, mas eu sabia bem o momento de soltar tudo aquilo e me permitir. Acreditar em mim.

- Ela poderia vir aqui, mas você a proibiu. - Deixei o medo de lado e dei boas-vindas a coragem. - E ela não vem aqui porque eu não quero que vocês briguem, porque ela também não gosta de você, Bradley.

O rosto do meu marido pareceu incrédulo ao me ver pela primeira vez, destemida.

- Mais um motivo pra você não ir. - Ele enfiou as mãos no bolso da calça. - Não quero que ninguém encha sua cabeça de assuntos negativos sobre mim.

- E não precisa. - Cruzei os braços. - Eu conheço você o suficiente, eu sei quem você é.

Bradley abriu a boca.

Está vendo? Eu não sou mais uma menina despreparada que você insiste em me lembrar.

- Esse batom está ridículo. - Ele olhou fixamente em meus olhos.

O quê? A confusão me atingiu e eu me vi sem palavras novamente. O meu batom era rosado, eu gostei... Todas as mulheres tinham cor em seus lábios. Não um brilho caro e grudento que Bradley me comprara.

Ele nunca havia dito que eu era bonita mesmo, (o nunca foi depois que ele conseguiu o que queria) mas doía não o ouvir me direcionar um elogio, e quando falava, eram coisas desse tipo e minha única saída era acreditar. Acreditar na pior parte de mim que ele me mostrava.

- E você não vai. - Ele seguiu em direção a porta.

Não! Eu não iria ficar naquele inferno quando um paraíso me esperava às cinco da tarde.

- Eu vou. - Eu disse, com coragem e muito perto do seu rosto assim que me coloquei em sua frente no corredor.

Bradley arregalou os olhos e quase vi quando ele serrou os punhos. Um medo me atingiu profundamente, mas não deixei transparecer.

- Se você for...

- Você vai o quê? - Perguntei dando de ombros e me afastando dele. Sua respiração, seu perfume, seus olhos ainda me desconcertavam. - Vai me bater?

Bradley forçou a mandíbula.

- Tudo bem, Bradley. - Eu disse. - Suas palavras e como você me trata doem mais que isso. Mas eu vou.

Então eu desci em passos largos pela escada. Abri a porta e sai. O frio quase conseguiu afastar o fogo e raiva sobre meu corpo. Peguei o celular no bolso traseiro da calça e telefonei para minha amiga, de verdade.

- Kayla? - Sussurrei quando ela atendeu.

- Oi, Lauren. - Sua voz estava animada. - Já desistiu dessa ideia idiota de mudar aquele filho da puta?

- Quase. - Eu disse e não me reconheci naquele instante. - Quase.

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