Capítulo 2
2 - Apollo Castiello
Há dores impossíveis de ignorar.
- Instinto selvagem 2
A neve em meus pés causava passos curtos. O início de tarde coberto de gelo e frio me fez voltar novamente pra casa.
Eu havia saído para encontrar meus amigos, e no meio do caminho, eu simplesmente desisti. Eu sempre fazia isso. Não gostava de sair tanto, porque sabia que quando chegasse perto deles nenhum assunto me envolveria, e eu ficaria excluído. E eu não fazia questão de sair em finais de semana. Ultimamente eu não fazia questão de nada.
As botas em meus pés estavam cobertas de gelo assim que cheguei na porta de minha casa. Bati meus pés sobre o tapete e entrei. A casa pequena e bem arejada estava silenciosa. Um silêncio quase destruidor. O silêncio que se instalou desde um mês atrás, quando minha mãe resolveu partir. Quando minha mãe abandonou meu pai e eu, nos tornando solitários e quase desconhecidos dentro de nossa própria casa. Tirei as luvas e a touca que estava me protegendo do frio lá de fora. Graças ao aquecedor eu já não tremia e minha respiração estava menos ofegante.
- Pai? - Eu gritei ao passar pela sala. O silêncio continuou. - Pai, eu voltei. - Gritei novamente dessa vez sentindo uma leve preocupação.
Subi as pequenas escadas e tentei olhar em seu quarto. A porta estava encostada e por isso fui rápido ao ver sua mão pendurada sobre o colchão. Abri a porta de vez.
- Pai. - Corri até ele.
- O que você quer, Apollo? - Sua voz estava embriagada quando coloquei seus braços sobre meus ombros e o tirei do tapete no chão e o coloquei sobre a cama.
Peguei rapidamente a garrafa de Bourbon de sua mão, e mais as outras duas que ele esvaziou rapidamente.
- Você não iria sair com os seus amigos? - O hálito de álcool saiu forte de sua voz enquanto eu pegava lençóis limpos e um edredom pra colocar sobre ele.
- É, eu iria. - Falei com a respiração ofegante. - Mas eu já ouvia uma voz em mim dizendo que precisava voltar.
Meu pai sorriu com desdém. Apertei os olhos com força e desci os vidros das janelas e cortinas..
- Sério, pai, o que você está pensando? Está querendo morrer também? - Eu bufei quando senti o vento frio da segunda janela invadir o quarto.
- Se ela pôde, eu também posso. - Sua voz mostrava amargura quando falou da mamãe.
- Mas ela não queria. - Eu gritei e apertei as têmporas me arrependendo. - Pai, descansa. - Soltei um longo suspiro. - Tira o álcool de suas veias e se agasalha. - Coloquei o edredom branco sobre ele.
Eu já estava saindo do seu quarto, quando sua mão calejada me puxou pelo braço. Virei meu rosto pra olhar o seu. O homem de pele clara, a barba por fazer, os cabelos claros em desordem, os olhos azuis sem nenhuma gentileza me fizeram relembrar de todas as vezes que eu o tive como um herói. E agora eu estava o vendo perdido e sem nenhuma razão pra viver novamente.
- Eu estou tentando, Apollo. - Sua voz embargada fez meus olhos vacilarem. - Eu quero o melhor pra você, e eu queria que ela tivesse aqui pra me ajudar. - Então meu pai começou a chorar. De novo.
Não passava um dia que ele não falasse na mamãe e não chorasse. E toda vez que aquela cena se repetia, eu me via morrendo com a minha mãe. Meu coração se quebrava ao ver o estado do meu pai. Ao ver o estado em que nós dois ficamos.
- Descanse. - Beijei a testa do meu velho e peguei as garrafas de Bourbon saindo do quarto.
Ao fechar a porta atrás de mim, eu fechei os olhos e pensei desesperadamente em também me trancar no meu quarto e beber, beber até meu sangue virar álcool e eu ter alucinações de novo com minha mãe, e imaginar nossos jantares e filmes todas as noites. Mas a realidade bateu em minha consciência.
Ela se foi.
Minha mãe se foi.
Lily Castiello se foi.
Ela morreu.
Por mais que eu quisesse aceitar, aquilo ainda me doía.
Ao descer as escadas, fui até a cozinha e tratei em jogar fora tudo que continha álcool que encontrei. Sei que aquela era apenas uma saída que meu pai encontrava para preencher o vazio de minha mãe, mas eu não queria que fosse assim. Ele tinha que achar outro sentido na vida. E eu também tinha.
Então, o telefone fixo da sala tocou e me fez de vez abandonar todo aquele álcool no lixo. Fui até a sala e puxei o telefone até minha orelha.
- Alô? - Atendi.
- Apollo Castiello? - A voz masculina e formal falou meu nome.
- Sim.
- Olá, Apollo. Nós somos da NewScene e todo o blá-blá-blá que você já conhece. Só estamos ligando pra avisar que você foi aceito para o papel do personagem do nosso novo filme.
Não... Não... Não era possível.
- Você tem certeza? - Me ouvi perguntando e me sentei no sofá.
- Talento é o seu segundo nome, Apollo. - A voz do diretor soou em animação.
Cara… Fazia quanto tempo que eu não atuava? Quanto tempo fazia que eu não criava tanta expectativa?
- É, obrigado. - Eu disse e um curto sorriso brotou em meus lábios.
- Você irá contracenar com Mia Lauren Hudson, já entramos em contato com ela há algumas...
- Não, não, espera... - Me levantei, confuso demais. - Mia Lauren Hudson? Mas ela não é casada com um diretor concorrente?
Era. Mia Lauren Hudson era casada com Bradley Hudson há uns dois anos. Era casada com o maior traidor filho da puta. E era estranho que alguém como Mia Lauren tivesse um relacionamento com alguém como ele.
- NewScene nunca deixa talentos se perderem, Castiello. - Sua voz estava animada. - Teremos reunião hoje às 17:00 horas.
- Mas por que... - Balancei a cabeça. - Deixa pra lá. 17:00 horas, chego no seu escritório. - Desliguei.
Mexi nos cabelos o fazendo assanhar e um sorriso curto brotou nos meus lábios de novo, e o primeiro pensamento que me veio a cabeça, foi o de contar a minha mãe. É, eu ainda não estava acostumado o suficiente. Mas ainda estava feliz por voltar a telas, apesar de saber que contracenar com Mia Lauren Hudson ainda iria me trazer dor de cabeça.
