Capítulo 03 - Destinos entrelaçados (Parte 3)
JÉSSICA
Ao chegar, abri a porta e apertei o interruptor, com a intenção de acender a lâmpada, mas a mesma não acendeu. Caminhei no escuro, tentando encontrar outro interruptor, e o resultado foi o mesmo de antes: não havia energia em nenhum dos cômodos. Percebi que estava prestes a enfrentar uma noite longa e desconfortável. De imediato, procurei por uma vela na gaveta do armário da cozinha e, por sorte, encontrei uma que já estava pela metade. Acendi a pequena chama e rapidamente ela deu uma leve clareada no local.
Após constatar que a chama não se apagaria, voltei até a porta para fechá-la, já que havia deixado aberta, e deparei-me com um bilhete que tinha sido colocado por baixo dela. Segurei firme no papel e notei que era um aviso da companhia de energia. Um grande suspiro de derrota escapou por minha boca. Eu estava em maus lençóis; não conseguia mais manter o apartamento, restando apenas duas opções: voltar para a casa dos meus pais ou pedir moedas no semáforo.
"Por incrível que pareça, a segunda opção seria bem mais viável pra mim. Meu Deus, vou acabar morrendo de fome!" Ponderava, sentindo o peso das circunstâncias em meus ombros. As preocupações com o futuro imediato pareciam esmagadoras, deixando-me sem rumo diante das dificuldades. Eu poderia tentar fazer algumas horas extras no trabalho, entretanto, não seria suficiente para acabar com todas as dívidas e o fato de ser apenas uma estagiária também se tornava um grande empecilho.
Livrei-me dos sapatos que estavam em meus pés e me joguei sobre o sofá. Eu estava exausta e preocupada, então resolvi ligar o notebook que ainda restava um pouco de bateria para acessar meu e-mail; por sorte, a vizinha que morava no apartamento da frente emprestava o wi-fi dela. Logo deparei-me com a fatura do cartão de crédito:
— Mil e trezentos reais? — Gritei, chocada com o valor astronômico. — Eu não me lembro de ter gasto tudo isso! — Depositei um soco contra a almofada que estava sobre o sofá, frustrada com a situação. — Pagamento mínimo de setecentos reais? Ah, eu quero morrer! — Choraminguei, sentindo o desespero se apoderar de mim. — Meu Deus, me dê uma luz, meu salário não vai dar para pagar tudo isso. Talvez eu deva vender um rim! — Acabei cogitando a ideia, em um momento de desespero extremo.
Naquela noite, enquanto a chama da vela ainda iluminava o pequeno espaço ao meu redor, fiz um balanço mental de todas as possibilidades que se estendiam diante de mim. Estava diante de uma situação delicada, e era crucial encontrar uma solução rápida e eficaz antes que as consequências se tornassem ainda mais graves.
Após alguns segundos de hesitação, respirei fundo e peguei o maldito cartão que guardava na bolsa há dias. Corri até a gaveta do armário da cozinha e peguei uma tesoura, decidida a cortá-lo em pedaços. No entanto, ao encarar o cartão por uma eternidade, uma ideia repentina surgiu em minha mente. Antes de destruí-lo, decidi que precisava de um consolo imediato e, por algum motivo, a imagem de um pote de sorvete preencheu meus pensamentos.
Calcei um par de chinelos e saí determinada em busca de um pote de sorvete. Felizmente, havia um posto de combustível aberto 24 horas bem na esquina da rua onde morava. Com uma expressão abatida, adentrei a conveniência e peguei um pote de dois litros, no sabor de chocolate, enquanto tentava afastar os problemas que me assombravam temporariamente. Ao retornar para casa, deparei-me com uma cena inesperada.
Havia movimento no apartamento ao lado do meu, indicando que alguém estava se mudando. Mesmo achando estranho o horário escolhido para a mudança, decidi não me preocupar com isso naquele momento, focando minha atenção apenas no sorvete que prometia ser um alívio para minhas aflições.
— Nossa, a dona Yunna se mudou e eu nem fiquei sabendo? Que estranho! — Murmurei para mim mesma, surpresa com a mudança inesperada da vizinha. Antes de entrar em meu apartamento, porém, senti um toque em meu braço.
— Você é Jéssica Torres? — Perguntou um senhor engravatado de origem asiática, segurando uma caixa grande de papelão. Um nó se formou em minha garganta, temendo que fosse o momento do meu despejo.
— Sim, sou eu. — respondi, num murmúrio.
— Sou Yosuke, filho mais velho da Yunna que morava aqui ao lado. Ela faleceu recentemente e deixou um item para você. Minha mãe estava muito doente e parecia saber que iria morrer. Ela deixou um bilhete colado em cada item, com os nomes das pessoas que ela desejava presentear!
— Eu não acredito, quando ela faleceu? Eu nem fiquei sabendo de nada! — Proferi as palavras chocada com a informação, sentindo-me desconectada dos acontecimentos ao meu redor.
— Faz cerca de uma semana. Vim ao seu apartamento algumas vezes, mas não te encontrei. Por sorte, te encontrei agora. Vim pegar o restante das coisas enquanto o novo morador está se mudando, e trouxe o objeto que ela deixou pra você! — Disse ele, retirando da caixa um pequeno saco de tecido ornamentado, feito de seda, com um cordão colorido. O saco estava revestido com um plástico e continha um pequeno pedaço de papel escrito: "Jéssica, vizinha do apartamento 202".
— O que seria isso? — Franzi o cenho, curiosa com o objeto misterioso.
— Um amuleto japonês. Dizem que é para proteção e sorte, conhecido como "Omamori". — Ele explicou, enquanto eu tomava o objeto leve como uma pena em minhas mãos, examinando-o com cautela.
— Obrigada, mas não entendo porque ela deixaria algo para mim. A gente apenas se cumprimentava! — Expressei minha perplexidade com o gesto inesperado da falecida vizinha.
— Ela sempre dizia que você era uma jovem muito educada, que sempre a ajudava com as sacolas de compras! — Yosuke sorriu, compartilhando uma lembrança reconfortante da interação entre nós.
— Eu agradeço mais uma vez. Espero que a família possa superar a grande perda que tiveram! — Murmurei, desejando conforto para a família enlutada, enquanto observava o rapaz se afastando com a caixa nos braços.
Passei a chave na tranca da porta, coloquei o objeto misterioso sobre o sofá e corri até a cozinha em busca de uma colher. Cada colherada que dava no pote de sorvete trazia consigo uma sensação mista de conforto e melancolia. Enquanto o sabor do sorvete se espalhava pela minha boca, as lágrimas teimavam em escorrer pelos meus olhos, fruto da pressão das dívidas que pareciam se acumular como uma tempestade prestes a desabar sobre mim.
— Bom, pelo menos consegui comer um pote de sorvete sozinha! — Tentei encontrar um pouco de humor na situação, mesmo que fosse uma risada forçada para afastar momentaneamente a tensão que me cercava.
No entanto, por mais que tentasse me distrair com o sorvete, as preocupações continuavam a martelar minha mente sem trégua. Pensava em mil e uma maneiras malucas de resolver meus problemas financeiros, desde buscar oportunidades de trabalho extra até realizar cortes drásticos nos gastos do dia a dia. Cada colherada era uma tentativa de afogar não apenas o sabor doce e gelado do sorvete, mas também as amarguras que me assolavam.
Enquanto o aroma envolvente do sorvete preenchia o ambiente, meus olhos vagaram pelo cômodo até se fixarem no violoncelo encostado no canto de um armário no corredor entre o quarto e a sala. Havia anos desde a última vez que eu o toquei, e as lembranças de melodias apaixonadas e notas ressonantes ecoaram em minha mente, despertando uma mistura avassaladora de nostalgia e intento.
Deixei o pote de sorvete sobre o sofá, já que estava com preguiça de voltar à cozinha, e me levantei com um misto de nostalgia e empolgação. Ao deitar na cama, o peso das preocupações ainda era palpável. As sombras dançavam nas paredes, refletindo meus pensamentos inquietos.
A insônia me atingiu, fazendo-me revirar de um lado para o outro em busca de conforto. Decidi então me levantar e ir até a cozinha em busca de um copo d'água para acalmar minha agitação interior.
Peguei a pequena vela que estava acesa sobre um prato, sua luz fraca e suave iluminando o ambiente. Ao passar pela sala, me deparei com o amuleto delicado sobre o sofá, emanando uma energia serena e misteriosa que me intrigava profundamente. Aquela peça, deixada por minha falecida vizinha, parecia ter um significado especial e despertava em mim uma curiosidade crescente.
"Bom, pelo menos tem uma aparência agradável, a dona Yunna tinha bom gosto. Pobre dona Yunna, ainda não acredito que ela se foi!" Ponderava, deixando-me levar por um breve momento de contemplação sobre a história por trás daquele objeto. Após beber água e sentir um leve alívio, peguei o objeto e o levei para o quarto. Decidi pendurá-lo na cabeceira da cama, como uma espécie de guardião silencioso para afastar os pensamentos perturbadores que teimavam em assombrar minha mente durante a noite.
— Amuleto da sorte! — Sussurrei, encarando a peça com uma mistura de descrença e esperança. — Juro que eu só queria poder dormir como se não tivesse qualquer preocupação, como se não tivesse nenhuma dívida pendente! — Desabafei em voz alta, deixando escapar um suspiro pesado enquanto me deitava, a mente ainda agitada e inquieta.
Revirando-me de um lado para o outro na cama, as palavras ecoavam em minha mente, uma constante lembrança das obrigações não cumpridas e dos problemas que pareciam não ter solução. "Isso não vai funcionar! Talvez eu devesse subir no prédio mais alto dessa cidade e me jogar lá de cima, isso com certeza resolveria todos os meus problemas!", pensei, deixando-me levar por um momento de desespero e desesperança diante das dificuldades que pareciam insuperáveis.
Me levantei e fiquei em pé diante da cômoda do quarto, a pequena chama da vela ainda lançando sombras dançantes ao redor. Encarei o anel de compromisso que estava sobre uma fotografia minha com o Lucas. Ainda guardava aquelas lembranças, não estava preparada para me livrar daquilo, mesmo sem compreender completamente o motivo de ainda manter aquele objeto entre meus pertences. A imagem na fotografia mostrava-nos sorridentes, capturando um momento de felicidade que agora parecia distante e irreal.
O brilho do anel parecia mais opaco naquela noite sombria, refletindo a tristeza que se instalara em meu coração. Cada vez que olhava para aquela foto, uma mistura de saudade e amargura preenchia meu peito, lembrando-me dos sonhos que tínhamos planejado juntos e que agora pareciam destroçados. Com um suspiro profundo, caminhei até a cozinha e coloquei o anel na lixeira, me livrei também da foto, e decidi voltar para a cama.
A luz da vela continuava a dançar, como se tentasse me transmitir alguma mensagem de esperança, mas meus pensamentos estavam tão tumultuados que mal conseguia concentrar-me em algo positivo. A noite parecia se estender infinitamente, enquanto eu lutava contra a escuridão que ameaçava engolir minha esperança.
Respirei fundo, ciente de que estava enfrentando mais uma noite de ansiedade, uma companheira indesejada que parecia sempre à espreita quando as preocupações me assaltavam. Coloquei um casaco fino para me proteger do leve frio noturno e vesti uma calça de moletom para garantir conforto. Nos pés, deslizei um par de meias e calcei os chinelos, preparando-me para sair em busca de um alívio para minha mente agitada.
Ao passar pela portaria do edifício onde morava, dei início a uma caminhada solitária pelas ruas adormecidas da cidade. Durante cerca de vinte minutos, deixei meus passos me guiarem, absorvendo a serenidade da noite e a quietude das ruas vazias. Os sons distantes dos carros e dos pássaros noturnos pareciam abafados, criando uma sensação de isolamento reconfortante. Fechei os olhos por um breve instante, permitindo-me sentir a brisa gelada acariciar meu rosto antes de retomar meu caminho.
A cada passo, sentia-me mais leve, como se as preocupações fossem lentamente se dissipando no ar noturno. Era como se a cidade adormecida sussurrasse palavras de conforto, envolvendo-me em sua calma reconfortante. O brilho das estrelas no céu sem nuvens também contribuía para a atmosfera tranquila, criando uma pintura celestial que contrastava com a agitação interna que eu enfrentava.
A caminhada solitária sob a luz da lua trouxe uma sensação de clareza mental que eu não experimentava há tempos. Cada respiração profunda era como um mantra, acalmando minha mente e acalentando meu espírito cansado. A serenidade da noite era como um bálsamo para a alma, renovando minhas forças para enfrentar os desafios que o amanhecer traria. Assim que abri os olhos, percebi que era hora de voltar para casa, já que a sonolência começava a se fazer presente.
