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Conforme os anos passavam, a rotina de Lorena Mafra se tornava cada vez mais opressiva. Ela cresceu em um ambiente onde o trabalho pesado era imposto de forma constante e sem tréguas. Desde que acordava ao raiar do sol, até o momento em que finalmente deitava a cabeça no travesseiro, exausta, todas as responsabilidades da casa recaíam sobre seus ombros frágeis.
Seu tio Geraldo, desde sua chegada, deixou claro que Lorena não era bem-vinda como uma sobrinha, mas sim como uma empregada invisível. Ele, um homem amargo e preguiçoso, não movia um dedo para manter a casa em ordem. Ele exigia que Lorena limpasse, cozinhasse, lavasse a roupa e mantivesse tudo em perfeitas condições, enquanto ele se entregava ao vício do álcool e passava longas horas trancado no quarto, resmungando sobre sua vida miserável.
Para Lorena, o trabalho tornou-se uma segunda pele. Limpar, esfregar, lavar: essas ações repetitivas se transformaram em uma forma de anestesia. Cada tarefa a afastava, por um tempo, do peso emocional que carregava. Ela fazia tudo mecanicamente, com precisão, como se sua vida dependesse disso. E, de certa forma, dependia. Geraldo não era apenas um tirano; ele deixava claro que qualquer deslize resultaria em consequências severas.
Certo dia, após um prato não ter sido limpo adequadamente, ele a forçou a refazer toda a louça da casa. Seus dedos já estavam calejados, vermelhos de tanto esfregar, mas ela não ousava reclamar. Sabia que suas queixas não seriam ouvidas e que a fúria de Geraldo era algo que não queria enfrentar.
— Isso aqui não é um hotel! — gritava ele, sempre que encontrava algo que julgava fora do lugar. — Você está aqui para trabalhar, não para me dar mais problemas!
Lorena baixava a cabeça, mordendo o lábio para não responder. Não havia ninguém para quem pudesse correr, ninguém para quem pudesse contar. Seus dias eram um ciclo interminável de submissão e silêncio.
O peso da responsabilidade era sufocante, mas o que a destruía lentamente era o isolamento. Na escola, Lorena não era muito diferente de como se comportava em casa: quieta, tímida, sempre na defensiva. O trauma de viver sob a constante opressão do tio a moldou de uma forma que ela mesma não conseguia perceber.
Enquanto outras crianças formavam amizades, brincavam e compartilhavam histórias, Lorena se fechava. Ela andava pelos corredores da escola com os olhos fixos no chão, evitando o contato visual com qualquer um que pudesse reparar em sua presença. A timidez se transformou em uma barreira intransponível. Ela temia que, se deixasse alguém se aproximar, seus segredos seriam descobertos. O que as pessoas pensariam se soubessem como era sua vida em casa?
A cada dia, Lorena erguia uma muralha emocional em torno de si. Aos poucos, ela foi se tornando quase invisível para os colegas e professores. Era como se tivesse se tornado uma sombra, alguém que estava ali, mas que ninguém realmente via. Em seu coração, ela desejava ser notada, desejava que alguém perguntasse se estava tudo bem, mas ao mesmo tempo, o medo de falar era maior. Contar a verdade significaria abrir feridas profundas e trazer consequências que ela não estava pronta para enfrentar.
E assim, o silêncio foi se tornando seu escudo. Lorena usava sua timidez como uma armadura, uma proteção contra o mundo exterior. Não havia espaço para vulnerabilidade, não havia espaço para confiar em ninguém. Ela aprendeu a depender de si mesma, a enterrar os sentimentos debaixo de camadas e camadas de apatia.
Nas poucas interações que tinha na escola, Lorena respondia com frases curtas e monossilábicas. O riso das outras meninas parecia distante, como se viesse de um outro mundo, um mundo ao qual ela não pertencia. O som dos risos ecoava em seus ouvidos como um lembrete cruel de que, enquanto todos estavam vivendo suas infâncias, ela estava presa em uma rotina implacável de trabalhos domésticos e medo constante.
Os professores, por sua vez, viam nela apenas uma aluna reservada e introspectiva. Alguns tentaram, no início, quebrar a barreira de silêncio, mas as respostas evasivas de Lorena, somadas à falta de interesse dos pais nas reuniões escolares, acabaram por fazer com que a menina fosse deixada de lado. Eventualmente, a timidez dela foi confundida com indiferença, e os adultos ao redor desistiram de tentar entender o que estava acontecendo.
Certo dia, durante o intervalo, enquanto Lorena estava sentada sozinha no canto do pátio, uma colega da classe, chamada Mariana, se aproximou. Mariana era uma garota extrovertida, sempre cercada de amigos, e tinha uma curiosidade natural que a levava a querer saber mais sobre as pessoas ao seu redor.
— Oi, Lorena, né? — disse ela, sentando-se ao lado da menina. — Eu nunca te vejo falando com ninguém. Você está bem?
Por um breve momento, Lorena considerou responder de forma honesta, contar tudo o que sentia, mas as palavras morreram em sua garganta. O medo a dominou, e ela simplesmente deu de ombros.
— Estou — disse, desviando o olhar.
Mariana ficou em silêncio por um tempo, observando-a com uma expressão curiosa, mas ao perceber que não haveria mais nada a ser dito, levantou-se e foi embora, deixando Lorena sozinha novamente. Essa interação, embora curta, mexeu com Lorena. Por um segundo, ela imaginou como seria ter alguém com quem conversar, alguém que talvez pudesse entender sua dor, mas logo afastou esses pensamentos. Não havia espaço para amizades em sua vida. Sua única preocupação era sobreviver à tirania de Geraldo.
O tempo passou, e a muralha em torno de Lorena se fortaleceu. O mundo exterior era um lugar perigoso, e ela não podia se permitir o luxo de confiar em ninguém. Seus dias continuavam preenchidos com os afazeres domésticos que Geraldo impunha, e suas noites eram marcadas pela solidão e pelo medo constante de cometer um erro que pudesse enfurecê-lo.
No fundo, Lorena sabia que aquele ciclo de trabalho, silêncio e solidão estava lentamente a destruindo. Mas ela não conseguia encontrar uma saída. A ideia de pedir ajuda era aterrorizante demais. E assim, ela continuava, dia após dia, construindo suas muralhas emocionais, tornando-se cada vez mais inacessível para o mundo ao seu redor.
A menina que um dia fora alegre e cheia de esperanças estava desaparecendo, dando lugar a uma jovem endurecida pela dor e pelo silêncio. Cada gesto, cada palavra que não era dita, construía mais um tijolo em sua fortaleza. E, com o passar do tempo, Lorena começou a se convencer de que aquela muralha era o único lugar seguro que ela poderia ter. Mesmo que, no fundo, o que ela mais desejasse fosse alguém que pudesse rompê-la e salvá-la de si mesma.
