Capítulo 1
Nova York era uma cidade onde tudo acontecia rápido demais. Pessoas, carros, decisões ruins. E naquela manhã, tudo parecia ter colapsado na vida de Olivia Vasques ao mesmo tempo.
Ela já havia tentado de tudo: ligações, mensagens, e-mails implorando ajuda. Tinha discado para o pai no Brasil, mandado áudio chorando para a ex-colega de escritório que agora vivia em Boston, até arriscado um pedido de socorro para o pai de um colega de faculdade — que, para variar, respondeu com um meme e um “puts, que bad”.
— Como eu pude cometer um erro tão brutal assim? — murmurava para si mesma, descendo as escadas do Departamento de Imigração como se estivesse sendo expulsa do próprio futuro.
Ela, a menina prodígio de Porto Alegre, sempre com nota dez, filha modelo, a que decorava as leis migratórias melhor do que a bula de um remédio. Agora ali, com o visto vencido, a carreira por um fio e um carimbo de "incompetente" invisível colado na testa.
O prédio do escritório onde trabalhava — ou onde ainda trabalhava por alguns míseros dias — surgiu diante dela como um tribunal silencioso. Olivia respirou fundo, ajeitou os cabelos com uma dignidade que já não sentia e atravessou a porta giratória com a mesma solenidade de quem caminha para um velório.
Segurava firme o copo de café quente, como se a cafeína fosse o único elo entre ela e a sanidade. Já havia dito a si mesma que não era dependente — só precisava dele para acordar, sobreviver e não cometer assassinatos.
Entrou no elevador sem prestar muita atenção no ambiente, até que o perfume caro atingiu suas narinas. Aquele perfume. E então o viu.
Ethan Blake.
CEO da multinacional para a qual ela prestava assessoria jurídica. Postura impecável, terno escuro que gritava exclusividade mesmo sem logomarcas. O tipo de homem que fazia qualquer um pensar duas vezes antes de iniciar uma conversa — ou derramar um café.
Eles trocaram olhares rápidos e gélidos. Nada de "bom dia", "como vai", nem um aceno com a cabeça. Estavam perfeitamente alinhados na antipatia silenciosa. Afinal, ambos sabiam que não era um bom dia. E, naquele elevador, ninguém merecia um.
Olivia se posicionou atrás dele, apoiando-se discretamente na parede. O elevador começou a fechar, mas, como se o universo também estivesse entediado e em busca de entretenimento, deu uma leve sacudida.
Foi o suficiente.
O salto de Olivia vacilou, seu corpo se desequilibrou, e o café — seu precioso combustível — foi direto para as costas impecáveis do terno de Ethan.
Silêncio.
O cheiro de café invadiu o elevador. Olivia ficou estática, os olhos arregalados, os lábios semiabertos em uma tentativa frustrada de formular uma frase coerente.
Ethan virou-se devagar, como quem escolhe a velocidade certa para o impacto.
— Você acabou de jogar café de nove dólares em um terno de quatro mil. — Sua voz era baixa, precisa, letal.
— Você está bem? — foi tudo o que Olivia conseguiu dizer, a voz quase engasgando na própria vergonha.
— Eu estou — ele respondeu, olhando para as costas do paletó encharcado. — Meu terno? Nem tanto.
— Me desculpa, foi... foi o elevador! Ele travou, e eu— eu me desequilibrei...
— Que ótimo. Um sistema falho e uma funcionária distraída. Meu dia só melhora.
— Eu não sou funcionária sua. — Ela disparou, antes de se lembrar de que, tecnicamente, era sim. Ou tinha sido. Ou seria por mais... quanto tempo mesmo?
A porta do elevador se abriu no andar executivo. Ethan saiu sem dizer mais nada, os ombros tensos, os passos firmes. Olivia ficou parada por um segundo, respirando fundo, tentando se convencer de que aquilo não era um presságio. Que talvez, só talvez, o dia pudesse piorar ainda mais.
Spoiler: podia.
Olivia estava enterrada até o pescoço em processos. Literalmente. Havia pilhas de documentos sobre a mesa, marcadores de texto espalhados como confetes, e post-its grudados até no monitor com palavras como “URGENTE”, “REVISAR” e “CHORAR AQUI”.
Ela digitava furiosamente, tentando finalizar uma petição de defesa trabalhista com prazo apertado, enquanto seu cérebro martelava em ritmo de tortura:
Você vai ser deportada.
Você vai perder esse emprego.
Você jogou café no CEO.
— Respira, Olivia. Você é uma profissional. Uma profissional emocionalmente instável, mas ainda assim... profissional.
Pegou um dos documentos, tentou reler pela terceira vez, mas as letras pareciam dançar na frente dos olhos. O inglês jurídico, que sempre dominara com confiança, agora soava como grego. E o pior? Ninguém no departamento sabia ainda que ela estava prestes a virar estatística de erro migratório.
Ela levou a caneca — agora vazia — aos lábios, por puro reflexo.
Nada. Nem uma gota. Nem esperança.
Suspirou.
O e-mail da manhã ainda piscava na tela: “Olivia, venha à minha sala assim que possível. — Ethan Blake.” Até isso ela havia ignorado. Afinal, qual a chance de ele querer falar com ela sem envolvimento com café derramado?
Na sala do Ethan, a preocupação era outra.
— Eles querem uma esposa, senhor Blake. — disse Noah, o secretário pessoal de Ethan, um homem elegante de cabelo grisalho, postura impecável e paciência limitada.
Ethan ergueu uma sobrancelha sem levantar os olhos da tela.
— Não eles, Noah. A Hoshikawa Tech.
— Hoshikawa, então. — Noah cruzou os braços. — Família japonesa tradicional, valores conservadores, e a imagem pública como prioridade. Se você quiser o contrato, vai precisar de uma parceira. Uma esposa. Oficialmente.
Ethan largou o celular sobre a mesa.
— E por acaso eles vão me fornecer uma?
— Não, mas tenho certeza de que seu charme glacial pode convencer alguma desavisada por aí.
— Noah.
— Foi sarcasmo, senhor.
Ethan girou levemente na cadeira, encarando o skyline de Manhattan pela janela.
— Eles estão dispostos a colocar bilhões na fusão, mas só se eu parecer... estável?
— Exato. Alguém casado, comprometido, com a imagem de "homem de família". É simbólico, mas para eles, significa confiança. Não querem investir em um solteiro que troca de acompanhante a cada gala beneficente.
Ethan franziu a testa. Estava acostumado a fechar negócios com números, estratégias, projeções — não alianças matrimoniais simuladas.
— E o prazo?
— Trinta dias. A fusão será anunciada no evento beneficente da família. Você precisa estar casado até lá... ou o contrato escapa.
Outro momento de silêncio. Ethan se levantou lentamente, ajustando os punhos da camisa sob o blazer impecável.
— Mande chamar Olivia Vasques.
Noah ergueu uma sobrancelha.
— A advogada júnior que... jogou café em você hoje de manhã?
— Justamente. — Ethan deu meio sorriso, frio e calculado. — Alguém vai ter que pagar por esse terno. E hoje... eu preciso muito descontar a frustração em alguém.
— Isso parece uma demissão.
— Quem sabe? — disse Ethan, enquanto fechava os botões do paletó. — Ainda estou decidindo.
