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Capítulo 05 - O verdadeiro recomeço (Parte 1)

ALANA

Tempos depois

Finalmente, experimentei dias de paz após o término de um relacionamento abusivo e tóxico. A sensação de liberdade tornou-se tangível desde então. Além de mudar de endereço, decidi desvincular-me das redes sociais e até mesmo cogitei a possibilidade de alterar meu nome, exceto pelo número de celular, que permaneceu inalterado devido às demandas profissionais. Após anos compartilhados, cheguei a acreditar que vivíamos um grande amor, mas ao passar alguns dias sem sua presença, percebi que estava apenas habituada a ele.

"Ah, Jonathan, confiei tanto em você! Perdoei inúmeras traições, inclusive as agressões físicas e verbais. Absolvi tantas mentiras descobertas ao longo dos anos", ponderava.

Após escapar por pouco de um atentado perpetrado pelo homem que acreditava me amar, mudei-me para o apartamento da minha amiga, Daniela Bittencourt. Embora nunca tenha sido uma grande admiradora dele, desde que ela soube da minha situação com Jonathan, tornou-se minha principal fonte de apoio. Passávamos horas ao telefone, compartilhando detalhes do dia-a-dia, transformando isso no meu passatempo favorito. Nesse refúgio, redescobri o significado da verdadeira amizade e aprendi a reconstruir minha vida após os traumas sofridos.

Quando percebi a situação, vi-me aprisionada dentro das paredes da minha própria casa, autorizada a sair apenas para cumprir as obrigações no trabalho. A minha determinação foi o que me impediu de largar o emprego, embora, se dependesse dele, eu o teria feito. Encontrar minhas amigas tornou-se estritamente proibido, já que ele nunca permitia. Ironicamente, ele me mantinha reclusa para evitar que descobrisse suas inúmeras traições. A libertação dessas amarras tóxicas trouxe uma sensação profunda de alívio, acendendo a esperança de um novo capítulo em minha vida, onde a liberdade e a autenticidade pudessem florescer. Nesse novo horizonte, vislumbrava a oportunidade de reencontrar as amizades perdidas, de explorar o mundo além das paredes que antes me confinavam e de trilhar um caminho marcado pela verdade e independência.

Agora, distante dessa relação prejudicial, embarquei na jornada de reconstruir minha vida, explorando possibilidades antes inimagináveis. A liberdade de escolher quem eu queria ser e compartilhar meu tempo tornou-se verdadeiramente revitalizante. Em Daniela, encontrei não apenas uma amiga, mas uma confidente que iluminou meus dias sombrios. A cada telefonema, desvendava novos aspectos de minha essência, construindo uma base sólida para o futuro. Apesar de o trauma deixado por Jonathan não desaparecer instantaneamente, a superação diária se tornou um lembrete constante de minha força interior. Este capítulo de cura e crescimento não só prometia uma vida mais plena, mas também oferecia a libertação das correntes emocionais que, anteriormente, me mantinham aprisionada.

No início de nossa relação, ele exalava uma aura de meiguice e carinho. Na última vez que retomamos nosso relacionamento, esse comportamento persistiu por um tempo significativo, mas, subitamente, uma mudança o transformou completamente, tornando-o irreconhecível. Minhas noites eram marcadas por lágrimas ao testemunhar a metamorfose do homem por quem me apaixonei em um monstro. Nosso relacionamento desmoronava diante dos meus olhos, e eu me sentia impotente.

Em um ciclo interminável, fiquei aprisionada nessa situação deplorável por aproximadamente quatro anos. Noites inteiras eram passadas sozinha em casa, enquanto ele se entregava a excessos de álcool e drogas com amigos e amantes. Apesar de poder ter aproveitado a vida, acabei resignando-me a uma existência medíocre, onde a violência tornou-se uma presença constante em meu cotidiano. A dolorosa oscilação entre momentos de ternura e explosões de crueldade moldaram um panorama desolador em nosso relacionamento.

Em uma tentativa de quebrar com essa rotina, certo dia, esperei sua saída, dei-lhe alguns minutos e resolvi ir a um barzinho elegante com Daniela. Por volta das nove da noite, já retornava para casa, quando um profundo desespero e arrependimento me envolveram. Não me senti bem em seguir os passos dele, apesar de ele sempre ter agido assim comigo. "Quanta audácia a minha em pensar que fiz o mesmo que ele. Saía apenas para distrair a mente, enquanto ele se entregava a comportamentos absurdos durante seus passeios”, ponderava.

Naquele momento, percebi a disparidade entre minhas escapadas inofensivas e os excessos prejudiciais que ele cometia. O barzinho elegante tornou-se um refúgio momentâneo, mas o contraste entre nossas escolhas tornou-se evidente, ampliando ainda mais a distância emocional em nosso relacionamento tumultuado.

Daniela frequentemente expressava sua perplexidade diante do fato de eu permitir ser tratada daquela maneira. O amor me cegou; eu havia permitido que a situação atingisse um ponto inimaginável. Foi preciso quase perder a minha vida para que eu pudesse finalmente ver o monstro que ele era. Após sua tentativa frustrada de me tirar a vida, ele desapareceu. Dias depois, reapareceu e se apresentou na delegacia, acompanhado por um advogado. Nada aconteceu com ele, pois havia escapado do flagrante. A legislação brasileira revelou-se frágil nesse aspecto. Se ele tivesse consumado o ato, eu teria sido apenas mais um nome na longa lista dos feminicídios diários no país. Sem dúvida, mais um caso mal resolvido.

Minha experiência traumática expôs mais uma lacuna no sistema de proteção às vítimas de violência doméstica. Enquanto minha vida se reconstruía gradualmente, esperava que minha narrativa servisse como alerta para a urgente necessidade de mudanças nas leis e na abordagem social em relação aos casos de abuso. Minha determinação em superar esse capítulo sombrio refletia a esperança de um futuro onde a justiça prevalecerá e as vítimas encontrarão o apoio necessário para quebrar o ciclo de violência.

Lá estava eu, renascida, agraciada por uma segunda chance divina, e determinada a abraçar plenamente essa nova vida. "Dói-me saber que muitas mulheres não tiveram a mesma sorte que eu, tiveram seus destinos tragicamente selados, suas vidas ceifadas por aqueles em quem confiavam cegamente", refleti.

Após passar doze longos dias no hospital, ao receber alta, fui informada de que meu pai estava à beira da morte devido a um acidente vascular cerebral. Embarquei para Minas Gerais e passei dias visitando-o enquanto estava internado. Suas últimas palavras ressoaram eternamente em minha memória: "Prometa-me que nunca mais voltará com aquele maldito que quase tirou a sua vida!" Essa frase se tornou o eco derradeiro de seu adeus.

Determinada, cumpri a promessa que ele solicitou; voltar com John era impensável depois do que vivi. Estava certa de que um futuro conturbado, talvez até mesmo a morte, me aguardaria ao lado dele. O funeral do meu pai já havia ocorrido. Naquele dia, perdi o homem que considerava meu melhor amigo; foi a maior perda de toda a minha vida. Fiquei alguns meses na cidade, apoiando minha mãe, mas eventualmente retornei ao Rio para realizar exames rotineiros.

Ao chegar, encontrei meus pertences ainda repousando na casa de John. Com a poeira finalmente assentada, decidi enfrentar a situação e encerrar de uma vez por todas o adiamento. Eram quase sete horas da noite; após desembarcar do ônibus na rodoviária, solicitei um motorista pelo aplicativo e segui em direção à casa onde antes vivíamos. As lembranças inundaram minha mente enquanto o caminho se desenrolava diante de mim, tornando a jornada mais desafiadora do que imaginei.

Acreditava sinceramente que não o encontraria, pois ele raramente ficava em casa durante a noite. No entanto, a ideia revelou-se desastrosa, e acabamos nos cruzando. O medo que percorreu meu ser ao vê-lo foi avassalador. As lembranças dolorosas ressurgiram, e a decisão de nunca mais voltar atrás foi reforçada com a urgência de seguir em frente, deixando para trás não apenas uma casa, mas um capítulo sombrio que agora precisava ser encerrado definitivamente. À medida que nossos olhares se encontraram, percebi que o tempo não havia apagado completamente as cicatrizes emocionais. No entanto, era hora de seguir meu próprio caminho, desvencilhando-me das sombras do passado.

— Vim pegar minhas coisas! — Informei, mantendo a firmeza.

— Sabe que minha intenção não era te matar, não é? Eu só queria te assustar! — Ele me encarou, e eu permaneci calada, resistindo à tentação de ceder às palavras que minimizavam a gravidade do que ele havia feito.

"Será que mereço passar por tudo isso novamente?", ponderava, chegando à conclusão de que não. Mais uma vez, ele tentava manipular-me com suas palavras, buscando reatar. No entanto, firmei a decisão de que nenhuma mulher merecia ser tratada daquela forma. Distanciei-me da casa e adentrei no carro do aplicativo, sentindo-me mais segura ao lado de um motorista desconhecido. Decidi ligar para Daniela e desabafar mais uma vez, transformando o desabafo em um grito por socorro, sentindo a urgência de me livrar daquela situação o mais rápido possível.

Daniela, ágil como sempre, prontamente pegou seu carro e foi me buscar. Ao chegar, ligou para a polícia, solicitando uma viatura no local por questões de segurança. A polícia chegou e instruiu que ele permanecesse fora enquanto eu recuperava minhas coisas na casa, o que ele acatou. Finalmente, consegui reunir minhas roupas e pertences, sem preocupação em levar qualquer móvel. Apesar de ter comprado a maioria deles, tinha confiança de que logo me estabilizaria e poderia adquirir tudo novamente. A sensação de libertação crescia à medida que deixava para trás aquele capítulo doloroso da minha vida, guiada pelo apoio de Daniela e a presença vigilante da polícia.

O conforto e a segurança oferecidos pela presença policial permitiram-me encerrar essa parte sombria da minha vida de forma digna. Enquanto o carro de Daniela nos afastava daquela residência carregada de más lembranças, eu olhava para o futuro com a certeza de que merecia mais do que um relacionamento marcado pela violência e manipulação. A jornada rumo à cura havia começado, impulsionada pela solidariedade de uma amiga e pela justiça que finalmente se fazia presente.

Naquela mesma noite, ele ainda teve a audácia de me ligar, pedindo perdão e alegando que só compreendeu a gravidade da situação ao perceber a parte vazia do meu guarda-roupa. Novamente, recorreu às suas mentiras descaradas, tentando me convencer de que aquilo não se repetiria e que estava disposto a mudar. Meu coração apertava, desejando acreditar em suas palavras, mas eu sabia que eram apenas promessas vazias. Estava evidente que ele não buscava mudança, pois tivera tempo suficiente para agir.

Enquanto eu resistia à tentação de ceder à manipulação emocional, a decisão de seguir em frente tornava-se mais clara. O telefonema dele não passava de mais uma tentativa desesperada de manter o controle, ignorando o impacto de suas ações. Consciente da minha própria força, afastei-me da ilusão de um relacionamento saudável, escolhendo a paz e a segurança acima das falsas promessas.

A voz dele, permeada por desculpas e promessas vazias, ecoava como um eco distante. Percebi que, ao deixar para trás esse capítulo sombrio, eu não apenas me libertava do domínio tóxico de Jonathan, mas também abraçava uma nova fase de autodescoberta e resiliência. O desejo por uma vida livre de abusos tornou-se meu norte, e cada passo que eu dava longe daquela ligação reforçava a certeza de que a paz interior valia muito mais do que qualquer ilusão de reconciliação.

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