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Capítulo 02 - O início de tudo (Parte 2)

ALANA

Nesse instante, o temor se concretizou: comecei a sangrar na região íntima; sem dúvida, sofri um aborto. Sem forças, machucada e indefesa, não havia ninguém para me socorrer naquele momento. Ele só parou as agressões quando se cansou, afirmando que eu deveria agradecer por não ter me matado. Fiquei estagnada, agradecendo internamente quando ele saiu novamente. Com esforço, consegui me levantar, encarei o espelho no guarda-roupa e vi as marcas visíveis em meu rosto e pescoço. Sentindo fortes dores abdominais, caminhei com dificuldade até a casa de uma vizinha em quem confiava mais.

Na verdade, nunca tinha conversado com ela antes, mas sempre que nos encontrávamos na rua, trocávamos cumprimentos. Ela ficou chocada ao ver minha situação; imediatamente, chamou uma ambulância e me acompanhou até o hospital para onde fui levada. Ao chegar, uma equipe médica me atendeu prontamente; os paramédicos correram comigo em direção ao centro cirúrgico, pois eu estava sofrendo uma hemorragia interna. As lâmpadas acima de mim eram as únicas coisas que eu conseguia ver enquanto era conduzida pela maca pelos corredores. Depois disso, simplesmente apaguei. Acordei algum tempo depois e descobri que haviam realizado o procedimento de curetagem em mim; uma necessidade nos casos de aborto para a remoção de material biológico retido no útero, evitando danos futuros. Olhei para a cadeira à minha frente e percebi que minha vizinha ainda estava lá, oferecendo suporte durante todo o processo.

— Oi, você está bem? — Ela murmurou, encarando-me com olhos piedosos.

— Estou péssima, eu perdi meu bebê, não foi? — Perguntei, e ela concordou sutilmente com a cabeça.

— Você precisa denunciá-lo, o que ele fez foi muito grave! — Ela disparou a falar.

— Eu nunca o vi tão descontrolado quanto estava hoje! — Engoli em seco.

— Você tem onde ficar? Eu até poderia deixar você ficar na minha casa, mas tenho receio de que ele te veja lá e termine arrumando confusão comigo.

— Não se preocupe, vou ficar na minha casa, ele não voltará pra lá, pelo menos não hoje! — Respirei profundamente.

— Você não tem nenhum parente por aqui? — Ela arregalou os olhos.

— Tenho uma prima, meus pais moram em outro estado, nem imaginam o que tenho passado, mas vou criar coragem e dar um basta nisso! Acho que consigo pagar um aluguel para mim mesma; aliás, sou eu quem está mantendo a casa há um bom tempo. — Suspirei.

— Se eu fosse você, iria embora e deixaria esse homem, ele não te merece. Olha o que ele fez com você! Quem ama não faz esse tipo de coisa. Não estou aqui para te julgar, mas você poderia estar morta agora, pense bem nisso! Tenho que ir para casa, se precisar de qualquer coisa, pode me chamar lá! A propósito, qual é o seu nome? A gente sempre se cumprimenta, mas nunca paramos para nos apresentar. — Ela me encarou com curiosidade.

— Sou a Alana e você?

— Me chamo Estela, queria que tivéssemos nos conhecido em outras circunstâncias, mas enfim, espero que fique bem! — Ela foi embora, e eu permaneci em observação por algumas horas.

A direção do hospital tomou a iniciativa de acionar a polícia, evidenciando os sinais visíveis de que eu havia sido vítima de violência; no entanto, optei por não revelar a identidade de John, mantive uma esperança frágil de que ele pudesse se redimir. "Foi apenas um surto, uma consequência dos entorpecentes que usou. Ele não agiria assim em plena consciência!" pensei, buscando justificativas. Reservei-me de relatar o ocorrido a Daniela, pois, de certa forma, ela estava certa em relação ao pressentimento inicial que teve sobre ele.

***

Oito meses se passaram e, finalmente, Jonathan parecia inclinado a mudar. Ingressou em grupos de Narcóticos Anônimos e, pouco depois, conseguiu um emprego em uma empresa. Embora guardasse ressentimentos por suas ações passadas, ele nunca pediu desculpas pelos danos causados, especialmente por ter tirado a vida do próprio filho. No entanto, decidi deixar esse assunto no esquecimento.

Cerca de três meses depois, nossa vida parecia estar tomando um rumo positivo, até que fui demitida do trabalho devido à diminuição da demanda de clientes. Apesar da contrariedade, tentei manter a calma, pois Jonathan estava trabalhando e mantendo-se longe das drogas. Fiquei em casa, recebendo o seguro-desemprego por quatro meses.

Então, tive a ideia de investir parte do acerto da empresa em cosméticos e joias para revenda. O restante do dinheiro foi dado a Jonathan, que sonhava em comprar um carro. Ele deu uma pequena entrada e financiou o restante em meu nome. Durante esse período, eu vendi meus produtos de porta em porta, e as coisas estavam indo bem. No entanto, um dia, ao chegar em casa, deparei-me com Jonathan sentado na pequena cozinha. Seu olhar não era amigável, deixando-me apreensiva diante do que poderia estar por vir.

— Quem é Fernando? — Ele perguntou, e levei um tempo para responder, tentando recordar quem correspondia ao nome que ele mencionara. — Você está surda? — Levantou-se rapidamente, agarrando firmemente meu maxilar.

— John, eu não lembro quem é. Você está me machucando! — Tentei afastá-lo, empurrando sua mão com esforço.

— Não minta para mim! Cheguei mais cedo hoje, e havia um rapaz no portão. Disse que veio buscar o perfume da mãe dele, mas ficou desconfiado ao me ver! Tenho certeza de que você está me traindo com ele, sua vagabunda! — Ele estapeou meu rosto, e o impacto me lançou para trás. Toquei o local atingido, que ardia intensamente.

— A única pessoa que mencionou pegar um perfume hoje foi a dona Maria. Talvez ele seja filho dela! — Murmurei, completamente derrotada e desapontada. Não podia acreditar que ele estava me agredindo novamente.

— Ah, é? Então vamos até a casa dela. Quero esclarecer essa história! E você, reze para que seja verdade; do contrário, hoje você sairá daqui direto para um cemitério! — Ele agarrou meu braço com força, suas palavras causando arrepios.

Aquela era a verdadeira face dele, uma faceta que eu havia erroneamente justificado anteriormente, atribuindo suas ações ao uso de entorpecentes. Contudo, a crua realidade se revelava: ele sentia-se no direito de me maltratar. Eu me permitira perdoá-lo em ocasiões passadas, mas agora compreendia que eu mesma era a culpada, ao permitir que ele repetisse esse padrão, uma vez após a outra. Não havia denunciado por compaixão, solidão, amor excessivo ou dependência da presença dele.

Naquele momento, através das palavras maldosas proferidas, percebi que, impulsionado pelo ódio, pela fúria e por desconfianças infundadas, ele poderia a qualquer instante estar disposto a tirar minha vida. Ao chegar ao carro, adquirido com o restante do dinheiro do meu acerto, me acomodei em silêncio. Minha maior preocupação recaía sobre dona Maria; eu mal conhecia seu filho, se é que ela tinha filhos. As interações foram limitadas, e a incerteza me angustiava.

Ao chegarmos, ele não permitiu que eu saísse do carro, dirigindo-se até a casa dela. O desespero crescia; não sabia se ela tinha filhos, mas era a única que mencionara receber o perfume naquele dia. Após minutos de conversa, ele regressou ao carro. Enquanto se aproximava, meu coração palpitava e minhas mãos suavam frio. O medo dominava meus sentimentos; naquele instante, quase me faltava o ar, as incertezas sobre o meu destino tornavam o ambiente ainda mais angustiante.

— Você tem sorte, Alana! Ele é mesmo filho dela! Ela está esperando o perfume; entregue para ela! — Ele ordenou, e obedeci rapidamente, indo até a senhora que aguardava.

— Filha, você está bem? Seu rosto está bastante machucado! Ele te agrediu? — Ela perguntou com piedade em seus olhos.

— Não se preocupe, eu vou ficar bem! — Engoli o choro que estava preso, gritando para poder sair.

— Aqui está seu dinheiro! Você é uma moça bonita, jovem e batalhadora; não merece continuar passando por isso! Livre-se dele enquanto ainda pode! — Ela desabafou e entrou na casa.

Ao retornar para o carro, um desejo de fugir me consumiu. Dona Maria estava certa; eu não podia continuar vivendo assim, não me sentia mais segura ao lado dele. Era crucial dar um basta naquela situação antes que fosse tarde demais.

— Se livrou de morrer hoje, hein? — Ele comentou com uma naturalidade perturbadora assim que me sentei no banco do passageiro. A seriedade da situação instigou uma reflexão sobre a urgência de tomar uma decisão drástica para garantir minha segurança e bem-estar.

Coloquei minha mão sobre a nuca, sentindo a dor latejante, sugerindo possivelmente pressão alta. Ao retornar para casa, aquela noite se revelou inquieta, incapaz de encontrar o consolo do sono. Sentia um medo profundo e uma espécie de trauma. Em silêncio permaneci, enquanto Jonathan dormia alheio à intensidade dos meus sentimentos. Chorei em silêncio para não perturbá-lo, desejando desaparecer, mas sem opções viáveis.

O que sobrara do meu dinheiro fora usado para comprar um carro para ele, e a primeira parcela do seguro-desemprego só viria no próximo mês. Tocar no assunto com Daniela gerava vergonha, e tinha receio de contar à minha prima, com medo de ela revelar aos meus pais. Estava sem saída. Mesmo durante as ligações dos meus pais, simulava normalidade, ocultando a verdade por medo de decepcioná-los.

Aos 27 anos, eu me sentia destroçada, envelhecida prematuramente, sem ânimo para me cuidar, e a cada dia, a vontade de morrer crescia. As sombras da incerteza e da angústia se projetavam sobre mim, e a solidão parecia um fardo insuportável. Em meio a esse turbilhão, a busca por soluções se tornava mais desafiadora, enquanto a escuridão emocional envolvia cada pensamento.

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