Capítulo 05. Beijos proibidos (Parte II)
Quando a lua cheia tingia de prata as torres do palácio, uma sombra silenciosa escorregava pelos corredores frios como serpente à espreita: Aric. Parou diante da porta dos aposentos de Celine, que estava fechada. Empurrou-a devagar; para sua surpresa, estava destrancada. Lá dentro, Celine estava de costas para a janela, o olhar fixo nas estrelas distantes que brilhavam no céu noturno.
— O que faz aqui? — Sua voz firme, fria como aço, cortou o silêncio denso.
Ele avançou um passo, o sorriso traiçoeiro deslizando em seus lábios.
— Apenas queria... conversar. — O tom sedutor carregava um veneno sutil. — Saber como uma mulher como você conseguiu enfeitiçar meu irmão.
Celine recuou, endurecendo o olhar, uma chama de desafio em seus olhos.
— Vá embora.
Sem aviso, Aric segurou seu braço com força, puxando-a para perto num movimento brusco.
— Talvez... — sussurrou perto dela — ...o herdeiro não seja o único que queira provar do seu encanto.
Ela lutou para se soltar, empurrando-o com toda força, mas ele segurava seus pulsos firmemente.
— Solte-me, agora!
Antes que ele pudesse beijá-la à força, uma lâmina fria e afiada roçou seu pescoço, parando o movimento.
— Solte-a.
A voz grave, carregada de autoridade mortal, fez Aric congelar, seus olhos arregalados. Na penumbra surgiu Kaelan, espada em punho, o olhar flamejante e carregado de fúria contida.
— O que pensa que está fazendo? — rosnou, agarrando Aric pelo pescoço e arremessando-o contra a parede com força brutal. O impacto reverberou pelo local silencioso.
Aric tentou reagir, mas Kaelan o golpeou com o punho da espada no estômago, fazendo-o cair de joelhos, tossindo e arfando.
— Misericórdia... — implorou Aric. — Só queria testar... testar a fidelidade dela... juro pelos deuses... era só isso…
— TESTAR? — Kaelan agarrou os cabelos dele, forçando-o a encarar sua ira incandescente. — Você ousa tocar no que é MEU? Desonrar a mulher que escolhi?
Celine, com os braços cruzados e o olhar de fogo, assistia impassível, certa de que aquele seria o último erro de Aric.
— Levante-se. — Ordenou Kaelan, chutando o joelho dele com firmeza. — LEVANTE-SE!
Trêmulo, Aric se pôs de pé.
— Saia daqui — rugiu Kaelan, a voz mortal e definitiva. — Agora. Antes que eu mude de ideia e arranque sua cabeça. — A lâmina roçou a garganta dele novamente. — E se... Se você ousar sequer olhar para ela outra vez... juro pelos ancestrais Daryen que não verá o amanhecer.
Engolindo em seco, Aric recuou tropeçando, sumindo nas sombras da noite sem olhar para trás. Quando a porta se fechou com um estalo surdo, Kaelan soltou a espada devagar, ainda com a respiração pesada. Virou-se para Celine, passando as mãos pelo rosto como se tentasse domar uma tempestade interior, segurando a fúria que ainda queimava por dentro.
— Você... — começou, a voz falhando por um instante, o dedo tremendo enquanto apontava para ela, ofegante. — ...você me enlouquece.
Celine cruzou os braços, o olhar firme, imperturbável.
— Eu que te enlouqueço? — arqueou uma sobrancelha com um sorriso desafiador. — É o seu irmão que quase me ataca, e eu sou o problema?
Kaelan deu dois passos largos até ficar diante dela. As mãos dele envolveram o rosto dela com delicadeza inesperada, segurando-a firme, como se quisesse prender aquela imagem para sempre.
— Se alguém ousar tocar em você novamente... Celine... eu juro... eu ponho este império abaixo.
Os olhos dela suavizaram, a rigidez se desfez. Pela primeira vez, não respondeu com ironia nem desafio. Apenas ergueu a mão devagar e pousou sobre a dele, os dedos se encaixando como se fossem feitos para aquilo. Ficaram assim, em silêncio. O mundo lá fora podia esperar. Porque, por mais que ela jamais admitisse em voz alta, ela sabia. Ele falava sério. E aquele... era um amor capaz de incendiar o mundo inteiro.
***
O salão das concubinas fervilhava. O burburinho corria mais rápido que o vento. Leques de seda se agitavam em nervosismo disfarçado, dedos fingiam bordar, mas ninguém prestava atenção nos pontos. Todas aguardavam... e sabiam. Sabiam que a tempestade estava a caminho. E ela não se fez esperar.
Meilin atravessou o pátio como um raio prestes a cair, arrastando a barra do hanfu escarlate, os olhos faiscando como lâminas. O rosto, antes uma máscara de doçura fingida, agora parecia esculpido em puro ódio. Quando avistou Celine cruzando o jardim interno, equilibrando uma bandeja com pergaminhos e livros, a razão lhe escapou.
— Sua... — rosnou Meilin, avançando como fera solta.
O estalo do tapa ecoou como trovão no céu claro. A bandeja voou, os pergaminhos se desenrolaram no ar, os livros caíram no mármore com um som seco, como pedras tombando. O silêncio que se fez foi constrangedor.
— Como ousa? — gritou Meilin, as mãos tremendo, os olhos arregalados, quase selvagens. — Ousar tocar os lábios do Príncipe Herdeiro! Uma forasteira! Sem clã! Sem linhagem! Sem nome! Sem nada!
Por dois segundos, Celine não se mexeu. O rosto ainda virado pela força do golpe, a bochecha ardendo como brasa. Então, lentamente, ela virou o rosto de volta. Passou os dedos pela pele latejante, respirou fundo... e sorriu. Mas não era um sorriso gentil. Era aquele tipo de sorriso que antecede uma guerra.
— Você... tem três segundos... — sua voz saiu baixa, cortante, gélida — ...pra tirar essa sua cara pálida da minha frente antes que eu te faça engolir cada pérola desse seu penteado de pavão.
Um suspiro coletivo percorreu o salão. Algumas concubinas recuaram instintivamente, abrindo espaço, como se soubessem que estavam prestes a presenciar algo que entraria pros sussurros proibidos do palácio. Meilin arregalou os olhos, fingindo altivez, mas já visivelmente trêmula.
— Acha que me intimida? — Cuspiu. — Você não passa de uma sombra! Uma ratazana sem nome! Quando ele enjoar, te jogará aos abutres, assim como sempre fez com todas!
O som dos próprios passos de Celine parecia ecoar como tambores quando ela prendeu os cabelos, estalou os dedos e girou os ombros, como uma lutadora se aquecendo.
— Eu tentei ser educada. — A voz dela era calma... assustadoramente calma. — Mas você só parece entender com a linguagem da humilhação.
Antes que Meilin processasse a ameaça, Celine avançou. Segurou-a pelos braços, girou o corpo com uma precisão quase militar e, sem qualquer esforço aparente, lançou-a contra o chão de mármore polido. O baque reverberou nas colunas.
— Saiba qual é o seu lugar. — O tom de Celine era uma mistura de gelo e aço. — E aprenda a nunca... jamais... levantar a mão contra mim.
Meilin se debateu, tentou se soltar, mas era inútil.
— Solta! Solta, sua... sua desonrada! — cuspiu, o rosto ficando vermelho de fúria e humilhação.
— Desonrada? — Celine apertou mais, puxando-a pelos cabelos perfeitamente alinhados, fazendo-a soltar um grito agudo. — Pois escute bem: a desonrada aqui... foi pedida em casamento pelo Príncipe Herdeiro. — Apertou mais um pouco, só pra ouvir Meilin chiar. — E você? Você é só enfeite de corredor. Uma distração barata. Um bibelô de luxo, usado para decorar as paredes desse palácio.
O salão inteiro prendia o fôlego. Ninguém ousava sequer tossir.
— Quer saber? — Celine a soltou de repente, deixando Meilin despencar de cara no chão, esparramada, cabelos desgrenhados, joias tortas, dignidade espalhada feito os pergaminhos no mármore. — Levanta. Vai. Eu te dou uma chance. Tenta de novo. Só pra eu ter o prazer... de te colocar no chão mais uma vez.
Meilin, arfando, lutou para se recompor. O rosto queimava de vergonha e ódio.
— Isso... isso não vai ficar assim! — cuspiu Meilin, ajeitando, trêmula, o que restou do penteado, tentando salvar as migalhas do próprio orgulho. — Você... você vai se arrepender de cada palavra!
Celine cruzou os braços, ergueu uma sobrancelha e sorriu. Um sorriso lento... afiado... de quem já sabia que tinha vencido antes mesmo da briga começar.
— Engraçado... — sua voz saiu suave, cortante como uma lâmina recém-afiada — ...geralmente quem me ameaça assim... é porque já sabe que perdeu.
Celine ajeitou a manga do vestido, olhou diretamente nos olhos de Meilin e falou, com a voz limpa, firme, e alta o bastante para que todas ouvissem:
— Sim. Eu beijei o Príncipe Herdeiro. — Deu um passo à frente, deixando cada sílaba escorrer como veneno doce. — E vou te contar uma coisa... foi surreal. Incrível. Mágico. — Sorriu, mordendo levemente o lábio inferior. — Como se o mundo inteiro tivesse parado. Como se as estrelas tivessem descido do céu... só pra nós dois.
O silêncio que se seguiu foi tão absoluto que se podia ouvir até o som das pétalas das cerejeiras caindo lá fora. Leques despencaram. Bocas se abriram em puro escândalo. Sussurros explodiram, se espalhando como fogo em palha seca. Meilin empalideceu. Trêmula. O rosto se contorcendo entre ódio, humilhação e incredulidade, os olhos quase saltando das órbitas. E, no centro de tudo, Celine... seguia impecável. Altiva. Intocável. Como se nem o próprio império pudesse derrubá-la.
— Ratazana de porão! — gritou Meilin, fora de si.
Mas, antes que ela se levantasse, uma voz grave e cortante ecoou atrás, tão fria quanto uma lâmina recém-desembainhada:
— O que... exatamente... está acontecendo aqui?
O mundo parou. Todas congelaram. Kaelan. O Príncipe Herdeiro estava parado na entrada, braços cruzados, olhar pesado, letal, percorrendo cada detalhe da cena: Meilin, descomposta no chão, cabelos emaranhados, respiração ofegante; Celine, altiva, de pé, com um meio sorriso debochado nos lábios; ambas cercadas por concubinas lívidas, pálidas e em absoluto choque.
— Meilin... — a voz dele era baixa, sombria, como o trovão que antecede a tempestade — ...quer me explicar por que está no chão? E, mais grave ainda... por que ousou levantar a mão contra Celine?
O rosto de Meilin perdeu toda a cor. As outras concubinas abaixaram a cabeça de imediato, como se o próprio peso do medo as arrastasse ao chão. Kaelan avançou, dando passos firmes, e foi até Celine. Sem dizer uma palavra, segurou sua mão, como se estivesse selando um pacto diante dos deuses e dos homens, ignorando deliberadamente cada olhar, cada suspiro, cada julgamento.
— Ouçam bem... todas. — A voz dele era dura como aço. — Se mais alguém... dentro desses muros ousar encostar um dedo sequer nela... — puxou Celine levemente para junto de si, apertando sua mão contra o próprio peito, como se dissesse sem palavras “ela é minha” — ...eu, pessoalmente, cortarei vossas mãos. — Fez uma pausa, lenta, cruel, arrastando cada sílaba como lâmina no osso. — E as oferecerei... aos corvos.
O silêncio que se seguiu foi tão absoluto que nem o vento ousou soprar. Nem respirações. Nem murmúrios. Só o peso sufocante do medo. Meilin respirava ofegante, trêmula, olhos arregalados, sem saber se chorava, se gritava ou se fugia.
— P-p-perdoe-me... A-alteza... — a voz dela era um fio quebradiço. — Eu... eu perdi a razão... eu…
Kaelan sequer respondeu. Apenas apertou mais forte a mão de Celine, virou-se e saiu, levando-a consigo. E atrás deles ficaram o rastro de choque, escândalo, vergonha... e pavor. Quando estavam longe o suficiente, cruzando os jardins externos em direção às torres, ele virou ligeiramente o rosto, semicerrando os olhos.
— E sobre... os homens do seu mundo? — perguntou entre os dentes. — Ainda estou aguardando a lista.
Celine jogou a cabeça para trás, gargalhando.
— Você... ainda tá nessa?
— Absolutamente. — A expressão dele era tão séria quanto a lâmina que carregava. — E, se for preciso atravessar portais, séculos... ou reinos inteiros... para encontrar esses infames... eu irei.
Ela gargalhou mais alto, segurando o braço dele, sem acreditar.
— Pelos deuses, vossa alteza... o senhor é completamente maluco.
Ele finalmente sorriu, aquele sorriso torto, meio perigoso, meio apaixonado, que fazia qualquer mulher perder o juízo.
— Sim. — Parou, segurou o queixo dela, puxando-a para mais perto, como se ela fosse tudo que existia no universo. — E agora é oficial... estou completamente, irrevogavelmente... maluco por você.
