CAPÍTULO 5
Patrícia. (Algum tempo depois...)
Depois de quase dois meses nessa cidade a frente dessa missão eu estou começando a me acostumar, não vou dizer que gosto desse lugar ou que viveria aqui pra sempre, mas hoje eu já me sinto familiarizada e um tanto quanto tranquila e segura aqui.
No começo eu repudiava a ideia de fazer a escolta de um juíz e de vir pra Belo Horizonte, mas olhando de onde estou agora isso foi muito bom pra mim, pra minha segurança e pra minha sanidade, se eu ficasse no rio em qualquer outro caso com certeza Marcelo não sairia do meu pé e sabe-se lá o que ele poderia fazer comigo caso eu continuasse o negando, fora que tem minha mãe e minha família lá.
Eu finalmente estou me sentindo cem por cento bem, sinto que minha saúde mental está recuperada, quanto ao surto que houve após minha última missão, e eu consigo sentir o meu corpo forte, preparado e ágil novamente.
- Patricinha...- Douglas diz parando ao meu lado e dando tapinhas em minhas costas, eu estou no posto de segurança que a logo após os portões de entrada da casa.
Virei meu rosto por poucos segundos o encarando de relance, mas logo voltei a olhar pras câmeras que estão a minha frente.
Douglas puxou o pacote que batatinhas que estavam em minhas mãos e começou a comer, eu juro que tive vontade de arrancar a língua dele naquele mesmo segundo.
- nossa isso é uma merda, como você tem coragem de comprar essas porcarias...- ele diz jogando o pacote em meu colo e cuspindo as batatinhas no chão.
Coloquei o pacote sobre a mesa, me levantei parando em sua frente e o olhei nos olhos.
- primeiro que eu compro pra agradar o meu paladar e segundo que eu não me lembro de ter te oferecido.- disse o encarando por alguns segundos, mas logo passei por ele saindo da cabine.
Arrumei meu coldre em minha cintura, passei as mãos por meus cabelos tentando concertar o meu coque e dei um suspiro de cansaço, passei toda a noite cuidando da segurança, meu corpo está quebrado e a única coisa que eu quero é comer algo que me sustente e passar o resto do dia dormindo.
- Pit Bull está nervosinha...sabe o que eu estava pensando?! Nós dois estamos sozinho nessas cidade abandonada, bem que a gente podia tirar um dia de folga e sair pra se divertir.- Douglas diz com um sorriso malicioso nos lábios, ele me lançou um olhar tão nojento que me fez ter vontade de vomitar.
Minha única reação naquele momento foi olhar pra enorme e chamativa aliança de ouro em seu dedo, como um homem consegue ser tão otário? Ele vive se ganhando prós quatros cantos do mundo que presa por uma família tradicional e vem me fazer esse tipo de proposta com a maior cara lavada? Mas é muita ousadia!
- eu não estou acreditando que você está me propondo algo tão nojento... você é casado, tem filhos, deveria respeitar sua família...fora que essa sua proposta ridícula também pode ser levada como assédio!- disse sem exitar olhando no fundo dos olhos dele.
Ele arregalou os olhos no mesmo segundo e se levantou da cadeira caminhando em minha direção.
- credo, eu estava brincando com você!- ele diz com a maior cara de pau.
Dou uma gargalhada com aquela desculpa mais que esfarrapada, eu conheço homem safado a quilômetros de distância.
- pois nunca mais faça esse tipo de brincadeira comigo, caso contrário eu te denunciarei e darei um jeitinho de contar pra sua esposa da sua conduta indevida.- disse com toda minha sinceridade.
Ele cruzou os braços, deu um passo a frente e me olhou no fundo dos olhos tentando me intimidar, mas eu me mantive inerte, com a mesma postura e o mesmo olhar.
- você deve ser uma daquelas feministas mal comidas que não aceitam brincadeira, deveria arrumar um macho pra fazer esse seu mau humor passar...- ele diz com desdém.
Não me segurei, dei um passo a frente ficando bem próxima dele e olhei bem no fundo dos olhos dele.
- olha aqui, eu já trabalhei com muito babaca como você e todos eles acabaram me respeitando no final, sabe por que?! Porque ou vocês me respeitam de igual pra igual ou eu acabo com a carreira de cada um de vocês, qual a sua escolha?!- digo mantendo meu olhar sobre o dele.
Ele trincou a mandíbula, fechou os punhos e bufou como um animal, mas eu não me intimidei, na verdade aquilo me encorajou.
Coloquei minhas mãos pra trás, cerrei os olhos e levantei minha cabeça ficando de igual pra igual com ele.
- se eu cheguei aqui foi com muito trabalho, esforço e dedicação assim como você ou qualquer outro colega que você têm, eu não fui pra cama com ninguém ou me vendi pra estar aqui, então você vai ter que respeitar como você respeita qualquer um dos seus colegas, estamos entendidos, sim ou não?!- o questionei.
A única resposta que eu obtive foi aceno com a cabeça, ele deu as costas e entrou na cabine fechando a porta da mesma com toda a força.
Se tem uma coisa que eu aprendi com todos esses anos de trabalho foi a me impor e exigir por respeito, eu vivo rodeada por homens todos os dias e a maioria deles são assim, a sempre aquelas famosas brincadeirinhas que no fundo na verdade são assédio e machismo, mas disso eu já estou curada e vacinada, sei bem como me portar quando um deles vem agir dessa maneira comigo, primeira eu converso, não parou? Eu denuncio sem dó nem piedade!
Subi direto para o estacionamento depois do episódio com o babaca, quando eu parei em frente a minha moto meu celular começou a vibrar em meu bolso, quando eu peguei o mesmo desanimei ao ver o número da minha mãe na tela.
- o que é?- atendi no segundo toque.
Consegui ouvir o suspiro dela do outro lado da linha.
- que bom que me atendeu, estou tentando falar com você a várias semanas...- ela diz, eu pude sentir sua voz cansada.
- eu não estou com tempo, estou em trabalhando muito e não posso ficar no telefone.- dei uma resposta contida.
- eu sei minha filha, eu fico muito preocupada quando você está nessas missões, esse seu trabalho é tão perigoso...- ela disse com uma voz suave e doce.
Minha única reação foi rir daquele jeito amoroso e preocupado que minha mãe faz questão de exibir, quem a conhece sabe o quão ruim ela foi.
- Dona Branca, não me venha com suas falsas preocupações, agora eu não preciso mais do seu cuidado, eu já sei me defender.- digo e uma ferida se abre em meu peito.
Toda vez que minha mãe fala com esse ar preocupado e cuidado eu sinto tanta raiva, ódio e mágoa e sempre acabo me questionando, por que ela não se preocupou comigo quando eu precisava do meu cuidado? Por que ela não me protegia? Por que ela deixava aqueles homens me machucarem?
- Patrícia minha filha, você não sabe o quanto eu me arrependo do que fiz com você...eu peço perdão aos céus todos os dias por ter permitido que você passasse por um trauma tão grande.- ela diz chorando.
Eu tive uma vontade de chorar, mas não por suas palavras, eu choro por todo ódio que guardo em mim.
Eu passei boa parte da minha infância e adolescência invejando minhas colegas de classe por serem melhores amigas das mães e por terem um lar de verdade, esse era o único desejo que eu tinha, um lar aonde eu tivesse o mínimo de paz e proteção, mas esse não é o tipo de presente que o papai Noel pode trazer, então minha única opção foi sofrer todo aquele martírio calada.
- é dona Branca, mas agora suas súplicas por perdão não vai conseguir tirar toda dor que está acumulada há tanto tempo dentro de mim!- afirmei com toda minha certeza.
Virei meu corpo pra frente e quando levantei a cabeça notei que Caio me encara pela sacada do seu quarto, ele esta apenas com uma calça moleton e tem um olhar forte, intenso e misterioso, ele sempre tem um olhar indecifrável.
- eu preciso desligar.- digo abaixando a cabeça e finalizando a ligação, quando eu levantei a cabeça e olhei pra sacada ele já não estava mais ali.
Eu fiquei algum tempo encarando aquela sacada na esperança de vê-lo novamente, desde o incidente na porta do prédio ele me tirou da escolta externa e me mantém apenas dentro da casa, então eu quase nunca o vejo, não que eu sinta falta.
- Patrícia...- sua voz fez meu corpo tremer, arrumei minha postura e meu olhar seguiu o som da sua voz.
Ele caminha em direção, só que agora ele já está completamente vestido e ainda mais sério.
Coloquei minhas mãos pra trás e acenei com a cabeça o cumprimentando.
- você sente falta de atirar?- ele perguntou me surpreendendo.
Confirmei com a cabeça, mesmo sem entender o por que daquela pergunta.
- eu irei treinar agora, se você não estiver cansada eu não me importarei em ter sua companhia.- ele diz me surpreendo, se eu disse qualquer coisa contra esse homem eu retiro agora, minha vontade foi de abraça-lo ali mesmo.
- eu não estou cansada, será um prazer acompanha-lo.- respondi no mesmo segundo.
Ele apenas acenou com a cabeça e caminhou até o carro, eu o segui feliz da vida, o caminho até o lugar de treinamento não demorou muito, mas nós mantemos calados durante todo o trajeto.
Quando chegamos me deparei com um verdadeiro campo, o lugar está tomado por homens de farda fazendo testes físicos e treinando tiro ao alvo.
- não fazia noção que o senhor se interessava por armas.- digo puxando assunto, ele me olhou de rabo de olho, mas logo deu os ombros.
- eu não gosto de armas, mas preso por minha segurança a qualquer custo.- ele diz se estender o assunto.
Não rendi, apenas calei a boca e o segui em completo silêncio, não demorou muito pra chegarmos ao local aonde os demais estavam treinando tiro ao alvo.
- qual arma você me recomenda?- ele perguntou sem ao menos me encarar.
Dei um suspiro e cocei a cabeça pensativa.
- o senhor já treinou com alguma arma antes?- perguntei ainda pensando na minha resposta.
Ele acenou com a cabeça afirmando.
- nove mm e ponto quarenta.- ele respondeu.
Me abaixei abrindo a bolsa que estava ao nosso logo no chão e analisei cada arma que havia ali, tirei a AK-47 e lhe mostrei.
- essa é uma das armas mais potentes do mundo, ela pode matar em minutos e faz um estrago.- disse com alegria e entusiasmo.
Esse é um dos maiores prazeres da minha vida, o meu trabalho é tudo que eu tenho e eu me sinto imensamente feliz toda vez que falo de algo relacionado a ele.
Ele me encarava com afinco e prestava atenção em minhas palavras.
- quer que eu te mostre?- perguntei com medo da resposta, a maioria dos homens tem medo de uma arma em minha mão
- claro!- ele respondeu imediatamente com um sorriso de lado nos lábios.
Carreguei a arma de munições, a destravei, me coloquei em posição e apertei o gatilho, o tiro foi certeiro.
Quando me virei pra encara-lo ele me encarava de um jeito surpreso, mas quando meu olhar pousou sobre seu corpo ele fez questão de disfarçar.
- vem aqui me ensinar!- ele praticamente ordenou, mas dessa vez eu não fiquei brava e nem me neguei.
Caminhei até ele e fiquei atrás do seu corpo, eu pude sentir perfeitamente o cheiro gostoso do seu perfume, é algo bom, mas suave, levantei minhas mãos e levei até suas mãos, quando toquei em seu corpo senti algo estranho dentro de mim, como se o café da manhã não tivesse feito bem, mas me mantive forte ali, ensinei passo a passo até ele acertar, depois ele me deixou praticar sozinha, mas se manteve ao meu lado analisando cara movimento do meu corpo.
- quando você tiver filhos, você pensa em continuar nisso?- a voz dele me fez parar, levei meu olhar até ele e dei um sorriso de lado.
- eu não terei filhos!- disse com convicção.
Ele cruzou os braços e me encarou com uma expressão engraçada.
- sei que vira com um breve sermão a seguir então deixarei claro, eu não posso ter filhos!- afirmei sem me prolongar, eu nunca tive o desejo de ser mãe, mas quando a médica me disse que eu não seria capaz de gerar uma criança eu me abalei, fiquei triste por várias semanas pensando em o que Deus poderia me castigar.
Ele notou o meu desconforto quanto ao assunto e se calou também, mas pelo seu olhar pude notar que ele pensava algo sobre mim, decidi deixar pra lá e seguir me divertindo.
Passamos boa parte da manhã praticando, todo o meu cansaço desapareceu e eu não senti fome nem por um segundo, pra ser honesta eu me senti muito bem, como não me sentia a muitos meses.
Depois do treino ele fez questão de me trazer em casa, em segurança segundo ele, tirei os cintos e me virei pra abrir a porta do carro.
- eu fiquei muito surpreso com sua agilidade e inteligência com as armas, agora entendo o porque você foi tão bem recomendada.- ele disse me surpreendendo, me virei no mesmo segundo e olhei em seus olhos, eu até achei que ele estava sendo sarcástico, mas eu olhar dizia totalmente o contrário.
Acenei com a cabeça e sorri sem mostrar os dentes.
- muito obrigada senhor!- foi tudo que eu consegui falar, mas meus olhos ficaram presos em seus olhos, eu pude sentir que iria acontecer alguma coisa dentro daquele carro, mas meu celular vibrou no segundo seguinte.
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Comandante Marcelo.
Sai dessa carro, agora!
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Desviei meu olhar do Caio no mesmo segundo, quando olhei em direção a porta do prédio meu olhar se cruzou com o de Marcelo.
- eu acho melhor eu ir, nos vemos em breve... obrigada por hoje!- disse saíndo do carro o mais rápido que consegui.
Na medida que caminho em direção a porta do prédio Marcelo que fuzila com o olhar, pela expresso em seu rosto pode sentir a merda que está por vir.
- o que você está fazendo aqui?!- disse sem demonstrar meu verdadeiro estado.
Ele deu um sorriso nervoso, trancou o maxilar e me pegou pelos braços me puxando prédio a dentro, ele praticamente me arrastou pelas escadas e so me soltou quando chegamos em frente a nossa porta, minha reação não foi diferente, o empurrei com toda minha força o afastando de mim.
- mas que merda você pensa que está fazendo?!- digo alterada.
Ele da uma risadinha nervosa.
- que merda você estava fazendo dentro daquele carro?? Eu te mandei pra cá justamente pra te afastar daqueles abutres que cercavam você e você me aparece dentro do carro de um homem.- ele praticamente grita.
Eu não consegui digerir suas palavras, eu apenas não acreditei no que saiu da sua boca.
- você o que?! Você é um maluco obsessivo, eu já avisei mil vezes que nunca teremos nada!- disse pausadamente pra vê se ele entende.
Ele deu um passo a frente ficando bem próximo a mim, pude sentir seu hálito horrível de cigarro.
- eu sou seu superior, quem manda na merda da sua carreira sou eu, então acho bom você calar a porra da boca e tratar de me obedecer!- ele disse entre dentes olhando no fundo do meus olhos.
Sorri de lado, um sorriso fraco e dei um passo frente o peitando.
- eu vou te denunciar, você extrapolou todos os limites do universo!- afirmei olhando em seus olhos.
Eu achei que ele teria uma reação totalmente diferente, mas ele deu uma gargalhada em minha cara, essa foi sua reação, naquele momento eu tive medo.
- você surtou no meio da delegacia e ficou afastada por insanidade, todos viram, então eu tenho testemunhas, eu posso afirmar que você é uma maluca que está me perseguindo, todos sabem da sua fama Pit Bull, se você tentar levantar contra mim eu acabo com sua carreira estalando os dedos.- ele diz com um sorriso nos lábios.
Minha vontade foi de meter a mão na cara dele, mas eu preferi me controlar.
- se eu sonhar que você está com algum cara... você vai acabar essa missão sem fazer uma gracinha, eu vou estar sempre de olho em você e saberei de cada passo seu, se você não se comportar pode dar adeus a sua carreira!- ele afirmou olhando em meus olhos.
Ele levantou suas mãos apertando meu queixo com força.
- estamos entendidos?!- ele diz e alerta ali ainda com mais força.
Eu afirmei com a cabeça rapidamente.
- sim senhor!- digo entre dentes.
Ele deu um passo a frente, me puxou e beijou minha boca, eu senti nojo ao sentir o gosto da sua boca e tive que me segura pra não arrancar o pau daquele filho da mãe com minhas próprias unhas.
Separei nossos lábios o afastando, a única imagem que passava em minha cabeça é do Marcelo morto.
- você é minha, você não pode negar, não tem jeito mais...- ele diz olhando no fundo dos meus olhos com aquele sorriso frio, ruim e obsessivo.
Eu não tive reação, me mantive inerte, mas na minha mente se passava mil coisas.
- acho melhor você não abrir o bico do que houve aqui, se não você já sabe, não sabe?!- ele diz.
Eu acenei com a cabeça, coloquei minhas mãos pra trás e olhei no fundo dos olhos dele.
Me mantive calada a todo momento perante as suas ameças, mas eu já estou pronta mentalmente pra quando ele tentar me derrubar, nesse momento ele já vai estar no chão...
