
Resumo
Patrícia Villela era apenas uma criança quando descobriu o quão obscuro o mundo podia ser e essas lembranças ainda se mantém vivas e intactas em sua mente, apesar de toda sua raiva, tristeza e mágoa ela se tornou uma promissora agente federal, a melhor em sua base. Patrícia é uma mulher nada "convencional, ela é fria, fechada e calculista. Ela vive em um mundo fechado, frio e obscuro, mas ela encontrará sua luz aonde ela menos espera... Caio Araújo é excelente juíz mineiro, um homem promissor que trabalha com maestria como nenhum outro, sua fama e o seu currículo profissional é de deixar qualquer um de queixo caído, mas pelo lado pessoal ele é um homem sério e fechado, mas com enorme coração, Caio se mantém fechado em um mundo aonde ele não permite que ninguém entre, mas sua vida virará de cabeça pra baixo quando uma agente insuportável invadir sua vida...
PRÓLOGO
Abri os meus olhos e a primeira coisa que vi foi o teto branco e sem graça, uma luz branca e fraca deixa o ambiente um pouco mais confortável, desci o meu olhar analisando toda aquela "sala" e eu finalmente encontrei uma pessoa, uma mulher está sentada em uma poltrona bem a minha frente, uma senhora de cabelos curtos e grisalhos, sardas evidentes e um óculos grande, sem graça e redondo, ela me encara com afinco e sua expressão e indescritível, até pra mim.
- você pode me contar sobre sua família? Me diga um pouco sobre o ambiente que você cresceu.- ela perguntou sem desviar o olhar de mim por nenhum segundo.
Mantive meu corpo inerte, mas respondi sua pegunta afirmando com a cabeça.
- eu nasci em uma família em uma família estabilizada, financeiramente falando, meu "pai" atuava como um cabo da polícia militar e minha "mãe" era professora em uma escola particular e assistente social, meus "pais" tiveram um casal, eu e meu irmão mais novo, eles eram "cristãos", então eu me lembro perfeitamente que sempre íamos a igreja aos domingos e sempre fazia a prece antes de qualquer refeição...- contei um pouco da minha história.
A mulher a minha frente desvio o olhar dos papéis que estão em sua mão e voltou a me encarar.
- me diga mais, o que mais te marcou em sua infância?- ela questinou.
No mesmo momento desviei meu olhar do dela, encarei o teto, juntei minhas mãos e fechei os olhos e tudo voltou a tona como se eu realmente estivesse lá de novo.
- eu sempre fui uma criança um pouco estranha, sempre gostei de ficar isolada e as outras crianças também não gostavam de mim, eu era a única garota negra em uma escola aonde só existam alunos brancos e de ótimas famílias...isso me marcou, mas algo me marcou mil vezes mais!- confessei e mesmo sem abrir os olhos vi que o olhar dela estava sobre mim.
Dei um suspiro tentando fazer aquilo doer menos, mas não adiantou, então eu tive que ser forte pra enfrentar aquele problema mais uma vez.
- eu me lembro de uma noite, minha avó tinha Alzheimer e as vezes minha mãe ia ficar com ela na clínica, eu me lembro bem que eu estava no meu quarto dormindo, como qualquer outra criança e no meio da madrugada eu ouvir um barulho estranho, passos, a porta se batendo e... gemidos, talvez, eu abri os olhos e vi um homem em cima de mim, eu não entendi bem o que estava acontecendo ou o que ele estava fazendo, mas eu lembro que ele estava despido e ele... acariciava seu órgão íntimo enquanto passava a mão por meu corpo, eu não sabia o que ele estava fazendo, mas eu tinha certeza absoluta que aquilo era errado, eu pensei em gritar, pensei em chamar por meu pai, mas adivinha a minha surpresa?! Ele já estava ali, estava abusando de mim.- desabafei e dessa vez eu não chorei, me segurei, fui forte e falei tudo.
Abri os olhos e encarei "aquela" mulher novamente, ela está me encarando e o seu olhar carrega pena e compaixão, assim como todos os outros psicólogos que eu já fui em toda minha vida, eles sempre reagem da mesma forma.
- você vai me perguntar mais alguma coisa?- a questionei.
Ela me encarou com uma certa surpresa e desviou seu olhar do meu encarando os seus papéis.
Pra uma psicóloga ela aparenta ser um tanto quanto ansiosa, posso notar pela expressão do seu rosto, o jeito que ela rói as unhas, seus velho sapato de salto batendo no chão a cada segundo...apesar da sua idade ela não aparenta ser experiente.
- quero que continue me contando sua história...- ela falou logo em seguida.
Voltei a deitar minha cabeça e encarei o teto branco e sem graça novamente.
- naquela noite não tivemos junção carnal, ele apenas acaricio meu corpo e tocou em minhas partes íntimas... quando ele terminou ele me ameaçou assim como todo desgraçado faz, eu era uma criança, então eu fiquei apavorada e passei o resto da madrugada chorando, na manhã seguinte eu não quis ir a escola, fiquei presa no meu quarto porque eu ainda estava em choque, minha mãe chegou em casa e questionou o motivo por eu ter faltado de aula...eu estava com medo, óbvio que estava, mas minha mãe era minha melhor amiga, então eu achei melhor contar, eu descrevi detalhe por detalhe da minha noite pra minha mãe, ela ouviu tudo calada e boquiaberta?! Quer saber o que ela fez?! Ela bateu em minha cara, me chamou de mentirosa e disse que não era pra eu contar aquilo pra mais ninguém, aquilo me machucou, claro que me machucou, mas eu a obdeci e me calei, e claro meu "pai" retornou pro meu quarto quando minha mãe estava ausente, da segunda vez foi pior, ouve junção carnal...isso se repetiu até os meus onze anos, foi quando meu pai foi diagnosticado com um câncer, ele apodreceu em cima de uma cama de hospital e morreu alguns meses depois.- continuei a contar.
- o que você sentiu quando viu o seu pai morto, dentro de um caixão?- ela perguntou.
Não consegui não sorrir, dei um sorriso largo e a olhei no fundo dos olhos.
- eu fiquei feliz, foi o momento mais feliz da minha vida...me lembro perfeitamente do seu enterro, eu me abaixei em frente ao caixão e cuspi na cara dele!- afirmei sem nenhum pesar.
O olhar "daquela" mulher se transformou, ela me encarou de forma surpresa, ou talvez como se eu fosse um monstro, bom, talvez eu realmente seja um monstro.
- bom...me conte um pouco sobre sua adolescência, sobre a relação com sua mãe pós a morte do seu pai.- ela me pediu.
Acenei com a cabeça concordando e dei um suspiro.
- após a morte do meu pai minha mãe entrou em uma depressão profunda, ela não saia do quarto, não queria comer e muito menos trabalhar e ficou assim por exatamente dois anos ...já eu estava contente, eu finalmente me via livre daquele pesadelo, foi assim por alguns anos, mas quando eu completei dezesseis anos minha mãe conheceu um cara, ele era engenheiro, era muito bonito e muito educado, em poucos meses minha mãe ficou perdidamente apaixonada e o convidou pra morar com a gente...ele aparentava ser um cara legal, mas eu tinha medo, se o meu pai que era sangue do meu sangue me fez tão mal, imagina um homem totalmente desconhecido, no começo ele não aparentava oferecer perigo nenhum, mas com o tempo ele passou a me olhar estranho, elogiar demais...uma noite que estávamos apenas nos dois em casa ele arrombou a porta do meu quarto, porque eu só ficava com a porta trancada, e entrou em meu quarto e abusou de mim, doeu, mas eu já estava farta daquilo, dessa vez eu não contei pra minha mãe, mas eles sempre voltam e quando ele voltou e tentou tocar em mim novamente, eu me lembro perfeitamente desse episódio, eu mordi a orelha dele com toda minha força e arranquei boa parte orelha dele, até hoje eu consigo sentir o cheiro do sangue, eu ainda consigo ouvir o seu grito de dor e o barulho da cirene da ambulância soando...- contei com aquela memória ainda viva em minha mente.
- me conte mais, o que houve depois desse episódio?- ela questinou.
Juntei minhas mãos e fechei os olhos sentindo aquela dor insuportável tomando conta do meu peito, faz tantos anos, mas a cicatriz ainda está viva dentro do meu peito.
- minha mãe ficou descontrolada, ela me deu uma surra de cabo de vassoura que me deixou completamente marcada, depois da surra ela juntou tudo que eu tinha em um saco de lixo e me expulsou de casa...eu dormi uma noite na rua, mas minha avó materna acabou me dando abrigo, ela era uma boa pessoa, a única pessoa que me amou de verdade...- respondi lembrando do sorriso da minha doce velhinha, a única pessoa que eu fui capaz de amar na vida.
Fechei os olhos e contei até dez me contendo pra não chorar, eu não posso chorar, não posso mais chorar pelo passado.
- sua vida mudou posteriormente a chegada da sua avó?- ela me questionou.
Afirmei com a cabeça.
- foram os melhores anos da minha vida, quando eu estava com ela eu esquecia os problemas e a dor diminuía bastante, mas como minha vida é uma catástrofe, ela morreu quando eu completei meus dezoito anos...minha mãe era filha única, então ela vendeu a casa da minha avó e eu fui pra rua mais uma vez, mas eu tinha pequena poupança aonde minha avó colocava todas suas economias é aquilo me salvou por um tempinho, eu aluguéi uma quitinete e fui tentar a vida!
- o que você fez da vida pós a morte da sua avó?- ela perguntou.
Qual é? Ela é uma psicóloga ou uma jornalista? Eu só estou me expondo dessa forma porque eu realmente preciso voltar a ativa.
Me "levantei" sentando no sofá, dei uma gargalhada e a olhei no fundo dos olhos.
Decidi responde-la, porque eu precisava ser sincera ou meu emprego estaria em jogo, já quase o perdi uma vez, não posso fazer novamente.
- após a morte da minha avó eu fiz o que ela sempre pedia, arrumei um trabalho e foquei minha vida nos estudos, passei em terceiro lugar em direito em uma universidade federal, eu trabalhava de segunda a sexta como telemarketing durante o dia e a noite ia pra faculdade, durante os fins de semana eu fazias bicos como garçom, faxineira e babá, e olha que eu não me dou muito bem com crianças, mas eu precisava de dinheiro pra me manter, eu já passei fome, quase sem fiquei sem moradia e tive tantos problemas.... Mas eu consegui concluir minha faculdade, mas eu não segui as áreas recomendadas, eu sempre gostei muito de adrenalina, de sentir o sangue correndo em minhas veias, então eu voltei aos estudos, fiz todo o tipo de cursinho e prestei concurso pra polícia federal, adivinha?! Não passei no primeiro teste, mas tentei novamente algum tempo depois e finalmente passei, foi um momento muito emocionante pra mim, mas eu não tinha ninguém ao meu lado pra comemorar comigo...no começo é sempre difícil, ser mulher e ser negra em meio a tantos homens, o machismo, preconceito e assédio me matavam por dentro, mas eu me empus e fui conquistando o meu lugar, com o tanto fui me destacando e subindo de cargo, hoje em dia sou a melhor agente da minha base e talvez por isso que eu tenha parado nesse fim de mundo...- respondi com um sorriso largo no rosto.
Quando terminei de falar notei que ela me encarava de uma maneira tão diferente, nunca saberei explicar o brilho de a em seus olhos.
- você...como você não se abateu depois de tudo que passou? Como você conseguiu?- ela perguntou e eu pude sentir no tom da sua voz que aquilo não fazia parte da consulta.
Olhei nos olhos da mulher a minha frente e não consegui não sorrir, o olhar de admiração dela sobre mim me fez vê que eu estou indo pelo caminho certo.
- eu me abati, tive vontade de tirar minha vida e pensava em desistir todos dias, óbvio que minha única vontade era de ficar deitada em um sofá me empurrando de comida, mas aquilo não iria me ajudar em nada, muito pelo contrário, isso iria me matar aos poucos... então eu sempre parava e pensava ealgo dentro de mim me dizia que eu ainda não tinha encontrado minha vocação e por isso eu não podia simplesmente desistir, então eu fui em frente até eu descobrir que eu nasci pra isso, isso é o que eu amo fazer, eu amo estar na adrenalina, correndo perigo, subindo morro com minha arma na mão, eu nasci pra isso, tudo que eu quero é poder ajudar as pessoas porque eu não tive quem me ajudasse, eu não sou uma pessoa sã e ainda guardo grande parte dos meus traumas em minha mente, mas eu tento todos os dias passar por cima disso tudo e ter uma vida melhor.- disse tudo com toda minha franqueza, do fundo do meu coração.
Ela guardou os papéis em um caderno e fechou o mesmo, me encarou e deu um pequeno sorriso.
- então, eu estou liberada ou você ainda acha que eu ainda tenho algum transtorno mental?- perguntei me levantando por inteiro daquele velho sofá.
Ela levantou o olhar me encarnado de um jeito sério e misterioso, mas pude vê em seus olhos qual seria a resposta.
- sim, você podera finalmente voltar a ativa, senhora Pit Bull!- ela respondeu dando risada em um tom brincalhão.
Pit Bull é meu apelido na corporação e até acabou virando o meu codinome.
Eu não quis transparecer, mas um alívio tão grande tomou conta de mim que eu tive vontade de gritar, pular e fazer várias loucuras...mas não acho que seria o local mais adequado.
- muito obrigada, a senhora não sabe como me tranquiliza.- respondi acenando com a cabeça.
Ela se levantou deixando seus papéis de lado e caminho até mim parando em minha frente e levantou a mão apertando a minha.
- sua liberação já está assinada e mandarei o relatório para o seu superior, sua nova missão começará na próxima segunda e tenho certeza que você dará o seu melhor, mas por favor mantenha os seus dentes afiados longe do corpo das pessoas Pit Bull!- ela disse séria, mas logo depois deu uma gargalhada.
A encarei mantendo minha seriedade e acenei com a cabeça.
- sim senhora, prometo que não arrancarei a orelha de ninguém novamente!- prometi, mesmo sabendo que faria novamente se necessário.
Eu estava em uma missão a quão eu estava trabalhando disfarçada, eu estava na cola de um homem que estava envolvido em prostituição infantil, eu fiquei ao seu lado a todo o momento e me contive pra não fazer uma loucura, quando ele foi pego e descobriu que eu era uma federal disfarçada ele tentou me atacar, eu estava desarmada e a única coisa que lembrei foi de morder a orelha do desgraçado, infelizmente eu não consegui arranca-la, se bem que minha vontade era arrancar outra parte do corpo dele.
Essa última missão foi a mais difícil da minha vida, vê o desgraçado obrigando meninas tão novas a se vender me dava náuseas, eu me segurei por várias vezes pra não meter uma bala no cérebro dele, então uma mordidinha na orelha não foi nada comparado ao que ele merecia.
Depois dessa missão algo me deixou destruída, me deu um ataque no meio da delegacia e eu acabei pirando e eles me afastando por um bom tempo, mas eu estou de volta e nada me arrancará "daqui" novamente...
