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3

Bianca

Uma semana depois

É sexta-feira, meu dia de folga. Como marquei algumas consultas para o domingo, aproveitei para descansar hoje.

Marcos viajou a trabalho para Minas, e as meninas me chamaram para passar o final de semana no morro. Já passa das onze e meia, e estou quase pronta. Escolhi um vestido soltinho, florido, e uma sandália simples. Nada demais.

Prefiro deixar apenas um bilhete para os meus pais, que estão na clínica. Assim evito ouvir um sermão. Não posso inventar que vou ficar com o Marcos, porque ele e meu pai são amigos e poderiam acabar comentando. Então digo a verdade: vou para o morro, onde moram minhas melhores amigas. Se alguém não gostar, paciência.

No caminho, que já conheço de cor, aumento o volume da música no carro. Canto junto, distraída, e às vezes me perco na direção, levando algumas buzinadas impacientes.

Ao chegar ao morro, preciso esperar até que a Isa consiga autorização para eu subir. Isso sempre me incomoda. Parece até que estou entrando na casa do presidente. No fim das contas, é só um morro — e eles é que são os bandidos. Mas claro, engulo esse pensamento. Não preciso de inimigos perigosos.

Isa está no salão, mas avisa que posso deixar o carro na garagem da casa dela. No caminho até lá, avisto uma criança sentada na calçada, chorando baixinho, abraçada aos joelhos.

Estaciono o carro e me aproximo do menininho, que não deve ter mais de quatro anos.

— Ei… — digo suavemente, sentando ao seu lado. — Você está bem? Alguém te machucou?

Acaricio seus cabelos castanhos. Ele não responde.

— Fala pra tia… — insisto com delicadeza.

Dessa vez ele ergue o olhar. E aquele olhar… triste, perdido, faz meu peito doer.

— Ele bate muito forte nela… — murmura quase sem voz.

É o bastante. Entendo tudo. Uma onda de raiva me atravessa. Homens que agridem suas esposas não destroem apenas a mulher — eles ferem também os filhos que escolheram trazer ao mundo.

— Calma, meu anjo. Vai ficar tudo bem. — abraço o garotinho, e de alguma forma o gesto me conforta também.

Penso no que posso fazer. A única forma de chegar até os pais dessa criança é falando com a Amanda ou com a Isa. Uma delas deve conhecer a história.

— Como você se chama? — pergunto, levantando-me.

— Filipe… — responde, ainda assustado.

— Eu sou a Bia. — sorrio de leve e estendo a mão para ele. Ele segura de imediato.

— Vem comigo. — o pego no colo e sigo até meu carro.

•••

Quando chegamos à casa da Amanda, somos recebidos por gritos, insultos e palavrões que me gelam por dentro. Aperto Filipe contra mim, tentando protegê-lo. Respiro aliviada ao perceber que a voz feminina não é da Amanda.

Acelero o passo e encosto a cabeça do menino no meu peito, como se pudesse blindá-lo daquilo. A porta da casa está escancarada. Entro sem pensar. Todos nos olham, e o homem que gritava para no mesmo instante.

Amanda e seu namorado, Figo, tentam conter o Perigo, que parte para cima de uma mulher de cabelo rosa, quase nua, toda marcada, com sangue escorrendo em alguns pontos.

Perigo Narrando:

Passei a manhã inteira na boca, cuidando dos meus negócios, fumando um baseado e fazendo dinheiro.

Na hora do almoço voltei pra casa. Só não esperava encontrar a desgraçada da Bruna na minha cama, com outro. Me traindo.

Meu sangue ferveu. Na minha cama? Na minha casa?

Não pensei duas vezes: dei um tiro na cabeça do filho da puta. Quando virei, a vagabunda já corria em direção à porta. Mas fui mais rápido. Alcancei ela antes que saísse.

Eu tremia de ódio. Bati nela com tanta força que nem sei como não desmaiou de cara. Vagabunda. Me obrigou a assumi-la como fiel quando engravidou e agora me trai na maior cara de pau. Na minha cama.

Amanda e meu irmão tentavam me segurar, mas eu só queria quebrar ela ao meio. Minha vontade era estourar os miolos dela ali mesmo, mas… não posso deixar meu filho órfão. Então, que pelo menos fique internada um ano no hospital.

Só largo Bruna quando a porta se abre.

A morena metida — amiga da Amanda, bonita e irritante — entra com Filipe no colo. Meu filho. Os olhos dele estão vermelhos, o rostinho cheio de lágrimas.

— O que você fez com meu filho, vadia? — grito, largando Bruna. Ela cai no chão e desmaia.

— Deve estar brincando comigo — a garota me encara com raiva. — Você espanca a mãe dele na frente da criança, e depois vem me acusar de alguma coisa? Fumou maconha estragada, foi? Devia me agradecer, isso sim.

— Idiota… — ela me encara, desafiadora. Isso me tira do sério. Quando percebo, minha mão já estalou na cara dela.

Ela revida na mesma hora, com a mesma intensidade. Tenho que admitir: o tapa foi forte. Dou um passo atrás. Meu filho ainda chora no colo dela.

Mas isso não vai ficar assim. Ninguém encosta em mim. Muito menos uma mulherzinha metida, que acha que é melhor do que todo mundo só porque nasceu na zona sul.

— Cuida do meu filho. — digo ao meu irmão, antes de sair. Preciso respirar. Se não, acabo matando mais alguém hoje.

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