2
Bianca
Acordo com uma forte dor de cabeça. Olho ao redor e não reconheço o quarto onde estou.
É bonito, bem arrumado, mas claramente masculino. Isso me preocupa. Não lembro quase nada do que aconteceu ontem e não me surpreenderia se tivesse cometido alguma besteira.
Ao tentar me levantar da cama, quase caio. Só consigo pensar em como não deveria beber nunca mais. Mas não me iludo: sei que na primeira oportunidade vou beber de novo.
Deixo o quarto e sigo por um longo corredor, guiada pelas vozes que ecoam pela casa — algumas conversas, outras quase gritos.
Ao descer a escada, encontro algumas pessoas na sala bagunçada, provavelmente por causa das crianças brincando no chão. Reconheço apenas Amanda, Isa e Meliane, minha sobrinha, filha da Isa.
— Alguém, por favor, me diga onde estou? — peço, me jogando no sofá ao lado de um homem de cara emburrada.
— Não tomou banho não? Tá fedendo — Isa debocha, sentando do meu outro lado. Todos riem, menos o homem carrancudo e uma mulher de cabelo rosa, sentada perto de Amanda.
— Cala a boca! — retruco, dando um tapa no seio dela. Quando Isa ameaça revidar, acabo caindo no colo do sujeito mal-humorado. E, se era possível, sua expressão piora ainda mais.
— Sai daqui, garota — ele praticamente rosna, me empurrando.
— Perigo… — Amanda o repreende.
— Nossa, que perigo mesmo — provoco, embora saiba perfeitamente que ele é traficante e que brincar com fogo pode me custar caro.
Ele me encara fixamente, mas antes que eu diga algo, sinto meu celular vibrar na barriga. Percebo que ficou comigo desde ontem. Olho a tela: Marcos.
— Falou que vinha me ver — ele diz, sem nem me cumprimentar.
Olho rápido para o visor e arregalo os olhos: já são quase duas da tarde.
— Tô chegando aí — minto.
— Ok. Beijo — ele estala um beijo do outro lado da linha. Eu balanço a cabeça, sorrindo de leve.
— Beijo — respondo antes de encerrar a ligação.
— Estou me retirando, pessoal — digo, me levantando. — Tchauzinho!
Apenas as meninas e o namorado de Amanda respondem.
— Manda um beijo pro Théo — Amanda pede, se aproximando para se despedir. Isa faz o mesmo, e as duas me acompanham até a porta.
Antes de sair, não resisto:
— Então aquele é o pai do meu sobrinho? — pergunto, e Amanda confirma com um aceno.
Me despeço da Meliane, que já brincava no quintal, e logo deixo a casa e o morro.
Confesso: vontade de perguntar mais sobre o tal homem de cara fechada não me faltou. Mas o fogo passa rápido quando lembro que sou comprometida e que ele, sem dúvidas, é o tipo de sujeito violento.
•••
No caminho para casa, passo na clínica para pegar a ficha de um paciente. Acho que vou ocupar meu domingo com trabalho.
Ao chegar, encontro a família reunida na sala, assistindo televisão. Só que não. Meus pais estão atormentando o Théo, como sempre.
Na minha opinião, infância e adolescência são as piores fases da vida. Dependência financeira é um fardo: você nunca pode fazer nada sem alguém se meter.
— Bom dia — digo, passando direto.
— Boa tarde — meu pai corrige, com sarcasmo.
— Onde você estava? — minha mãe dispara logo em seguida.
— Me divertindo — respondo sem dar importância, seguindo para o quarto.
Sou adulta, trabalho e ganho meu dinheiro. Minha independência é a coisa mais importante que tenho. Só continuo na clínica por respeito aos meus pais, mas tenho competência para arranjar emprego em outro lugar. Também sigo morando aqui porque eles insistem.
Mas isso não lhes dá o direito de me tratarem como criança. Quero paz, não gente interferindo na minha vida.
•••
Já no meu quarto, me arrumo rápido. Está ficando tarde, e Marcos com certeza vai implicar, querendo saber onde estive.
Aliás, mais um detalhe sobre ele: Marcos parece mais meu pai do que meu namorado. Vive me criticando e não sabe se divertir.
•••
O trânsito não colabora. Só depois de quase trinta minutos consigo estacionar no prédio dele. Cumprimento várias pessoas no caminho até o apartamento — quase todo mundo aqui me conhece.
— Oi, amor — digo, largando minha bolsa no sofá.
Marcos está deitado, sem camisa, usando apenas um moletom e jogando videogame.
— Achei que não vinha mais — comenta, sem desviar o olhar da tela. Me abaixo para beijá-lo, mas o beijo sai desajeitado, dividido com a atenção que ele ainda dá ao jogo.
— Você fez eu perder! — reclama, jogando o controle no outro sofá.
— Prefere jogar a beijar sua namorada, doutor Marcos Lobos? — finjo indignação, indo até a cozinha, de onde vem um cheiro delicioso de comida italiana.
Tenho que admitir: nem tudo nele é ruim. Marcos cozinha como ninguém e sempre é atencioso nesses detalhes.
— Ainda não me explicou por que desmarcou ontem — ele insiste, me seguindo.
— Ei! — me repreende ao me ver já me servindo. — Custava arrumar uma mesa romântica pra gente?
Quando ele termina a frase, já estou com a primeira garfada de lasanha na boca. Ele me olha, balança a cabeça e acaba rindo junto comigo.
Ele também se serve, e enquanto comemos, explico sobre Amanda.
Claro que não gosta de saber que fizemos as pazes — foi ele mesmo quem mais me incentivou a cortar contato com ela. Como promotor de justiça, Marcos odeia a ideia de me ver frequentando o morro.
Para desviar da tensão, acabamos fazendo amor a tarde inteira… e depois à noite também.
Amanhã é domingo, então decidi passar a noite com ele.
Preciso confessar: nem tudo em Marcos é tão ruim. O sexo é realmente muito bom.
